O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto pelo Ministério Público de Mato Grosso e manteve reduzida em mais de 40 anos a pena de um homem acusado de matar a ex-esposa, que estava grávida dele, por se recusar a reatar o casamento.
Consta dos autos que a vítima, Aline Mazureki, teve um relacionamento com o réu durante cinco anos. O crime ocorreu em julho de 2017, em Alta Floresta (803 Km de Cuiabá), na ocasião, o casal estava separado, inclusive, com medidas protetivas deferidas pela justiça. O ex-marido, supostamente assassino, foi condenado pelo Tribunal do Júri da comarca de Alta Floresta, dois anos após o crime, por homicídio duplamente qualificado - motivo fútil e feminicídio -, com uma pena de 60 anos e mais nove anos e quatro meses pelo crime de aborto provocado sem o consentimento da vítima, totalizando 69 anos.
Contudo, ele conseguiu reduzir a pena, em recurso protocolado no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, e o delito de homicídio passou de 60 anos para 20 anos. Diante disso, o MPE ingressou com recurso no STJ contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça.
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No recurso especial, o MPE afirma que o acórdão recorrido afastou a agravante, ao argumento de que esta seria incompatível com a qualificadora atinente ao feminicídio e aduz que, "no presente caso, que versa sobre a prática de delito de homicídio duplamente qualificado, faz-se perfeitamente possível que a circunstância fática atinente à prática de crime em contexto de violência doméstica e por razões da condição do sexo feminino seja considerada como qualificadora excedente, permitindo-se sua aplicação como circunstância atenuante".
O MPE sustenta que no caso estão presentes duas qualificadoras –a do feminicídio e a do motivo fútil – uma delas poderá ser utilizada para qualificar a conduta e a excedente servirá para agravar a pena.
Segundo o MPE, no caso, o motivo fútil deveria ser utilizado para qualificar o crime, abrindo-se a possibilidade de aplicação da agravante contida no artigo 61, inciso II, f, do Código Penal na segunda fase da dosimetria.
Porém, o ministro do STJ João Otávio de Noronha, em decisão proferida em 02 de agosto deste ano, entendeu que a irresignação recursal não merece prosperar.
“Colhe-se dos autos que o recorrido, após provimento parcial do recurso de apelação, restou condenado à pena de 34 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pelos delitos de homicídio (duplamente) qualificado e aborto provocado por terceiro, em concurso material. Relativamente ao crime de homicídio, reconheceu-se que foi praticado contra mulher em virtude da condição de sexo feminino, circunstância utilizada para qualificar a conduta criminosa. Por essa razão, entendeu-se pela impossibilidade de utilizar a circunstância do artigo 61, II, f, do Código Penal para agravar a pena” cita trecho da decisão.
Conforme o ministro, o acórdão do TJMT é claro em afirmar que na segunda fase, o fato do homicídio ter sido praticado contra mulher em virtude da condição de sexo feminino foi utilizado para qualificar a conduta, de modo que o reconhecimento concomitante da agravante da violência doméstica, com a qualificadora do feminicídio, ofende o princípio do non bis in idem.
“Na hipótese vertente, no entanto, verifico que o fato de o crime ter sido perpetrado contra mulher em razão de gênero foi considerado para qualificar o crime, conforme se detalhou alhures, enquanto a futilidade foi utilizada para exasperar a pena-base” cita o ministro.
Porém, conforme o ministro, ao analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, o magistrado de primeiro grau valorou negativamente seis delas e fixou a pena-base em 24 anos, tendo se referido aos motivos do crime nos seguintes termos: “Os motivos do crime são vis, pois o delito deu-se de forma pérfida e calculista, executou a vítima, impiedosamente, por motivos fúteis, por motivos de ciúmes, de posse e sentimento machista que prepondera na sociedade atual, ainda mesmo depois de muitas lutas sociais e evolução legal para proteção feminina, sendo evidenciado que o motivo causador do crime é desproporcional ao direito a ser protegido, a vida”.
Já no julgamento do recurso de apelação, o Tribunal de Mato Grosso excluiu duas das circunstâncias valoradas negativamente, remanescendo a conduta social, a personalidade, os motivos e as consequências do crime e reduziu a pena-base do delito de homicídio para 20 anos.
“Tem-se, portanto, situação em que a circunstância de o crime ter sido cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino foi utilizada para qualificar o crime, enquanto o motivo fútil foi usado para exasperar a pena-base. Ou seja, das duas qualificadoras, uma foi utilizada para tipificar a conduta como delito qualificado e a outra para aumentar a pena-base. Dessa forma, o incremento da pena pela incidência da agravante do artigo 61, II, f, do Código Penal em conjunto com a qualificadora do feminicídio caracteriza, a meu ver, o bis in idem repudiado pelo ordenamento jurídico pá trio. Uma mesma circunstância não pode ser utilizada como qualificadora e agravante ao mesmo tempo. Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento” decide.
CRIME
O suposto assassino não podia se aproximar da vítima, devido medidas protetivas impostas pela Justiça, dentre elas, o impedimento de frequentar a casa e o trabalho de Aline.
Mas, as regras foram quebradas e no dia do crime, agressivo e com ciúme, ele foi à residência da vítima, tirar satisfação por ela ter ido a uma festa no dia anterior. Ele ignorou os apelos da vítima, se recusou a sair e com força puxou Aline para dentro de casa, e a ameaçou com uma faca no pescoço.
Sem conseguir retomar o casamento com Aline, o suspeito teria esfaqueado a vítima no pescoço. Aline e o filho morreram no local.
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