Em funcionamento no Fórum de Várzea Grande desde 30 de setembro de 2019, a Vara Especializada da Saúde Pública de Mato Grosso, implantada no Estado para cuidar de todos os processos judiciais voltados ao setor, com objetivo de destravar a judicialização da Saúde, não terá mais competência para julgar processos relacionados aos idosos, crianças e adolescentes, conforme decidiu a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, em sessão realizada no final de 2020.
A Vara, que tem como juiz titular José Luiz Leite Lindote, tem a missão de reduzir o tempo do trâmite processual de intimação da central de regulação para pedidos de internação em UTI (Unidade de Terapia Intensiva), padronizar decisões e também garantir economia aos cofres públicos. Após a implantação da Vara Especializada da Saúde, houve redução nos custos com procedimento em mais de 50%, em alguns casos, a redução chegou a 80% para o Estado. Além da celeridade nas decisões. A decisão do STJ pode trazer insegurança às ações que estão tramitando e as futuras ações - e também morosidade nestas decisões.
Estruturada e em pleno funcionamento, a Vara Especilaizada da Saúde foi criada por meio da Resolução 9/2019 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ/MT), para processar e julgar, exclusivamente, os feitos relativos à saúde pública, ações civis públicas, ações individuais, cartas precatórias, incluindo as ações de competência da Vara da Infância e Juventude e os feitos de competência do Juizado Especial da Fazenda Pública relativos à saúde pública, em que figure como parte o Estado de Mato Grosso.
A decisão da Segunda Turma atendeu Mandado de Segurança impetrado por idoso hipossuficiente, de 81 anos, morador de Sinop (a 477 km de Cuiabá) e representado pela Defensoria Pública do Estado. No recurso, o idoso questionava ato do Juiz de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Sinop, que – nos autos de "ação de obrigação de fazer (concretização de direito fundamental) c/c pedido de tutela de urgência satisfativa" de medicamento de uso contínuo declinou da competência, em favor da 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Várzea Grande.
No Mandado de Segurança, a Defensoria Pública alegou que a Resolução 9/2019 violou as normas de competência do CPC/2015, da Lei da Ação Civil Pública e do Estatuto da Criança e do Adolescente e pleiteou a concessão de segurança para anular a decisão que declinou da competência, e garantir que o feito tramite no Juizado Especial de Fazenda Pública da Comarca de Sinop, reconhecendo-se sua competência para julgamento do feito, e não na 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Várzea Grande, como determinado pela Resolução.
O relator do recurso, ministro Herman Benjamin destacou em seu voto, acompanhado pelos demais membros da Turma, que na Lei da Ação Civil Pública, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso e no Código de Defesa do Consumidor ficam “patente a ratio legislativa de antepor, à frente de qualquer outra consideração, a facilitação, na perspectiva da vítima, da tutela dos interesses individuais e metatindividuais de sujeitos vulneráveis ou hipossuficientes”.
“Com espírito semelhante ao decretado na Lei da Ação Civil Pública, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso e no Código de Defesa do Consumidor – vale dizer, facilitação do acesso à Justiça ao vulnerável ou hipossuficiente –, prescreve o CPC/2015 que, "Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado" (art. 52, parágrafo único, grifo acrescentado)”.
Para o ministro, “prioriza-se, sem dúvida, a comodidade dos cidadãos, conferindo-lhes privilégio de opção ("poderá"), na forma de competência concorrente”. “Na hipótese dos autos, o art. 52, parágrafo único, do CPC/2015 estabelece foro concorrente para as causas em que seja réu o Estado ou o Distrito Federal, estipulando prerrogativa processual em favor do cidadão, a quem é facultado escolher onde demandar a Administração. Tal dispositivo concretiza garantia real, e não meramente fictícia, de inafastabilidade da jurisdição e de acesso democrático à Justiça”, diz voto.
O ministro enfatizou ainda que como instituição, o Estado está presente e atua em todo o seu território – ubiquidade territorial; o cidadão, ao contrário, propende a se vincular a espaço confinado, ordinariamente o local onde reside e trabalha – constrição territorial.
“Logo, se ato normativo secundário do tribunal cria prerrogativa de foro ao ente público e altera padrões de competência prescritos por lei federal, ofendido se queda o esquema normativo imperturbável de organização do aparelho judiciário, gravidade acentuada se o rearranjo acarretar grave e desarrazoado desmantelamento da deferência que o próprio legislador se encarregou de conferir, como mandamento de ordem pública, aos sujeitos vulneráveis ou hipossuficientes e aos titulares ou representantes de certos bens e valores considerados de altíssima distinção na arquitetura do Estado Social de Direito. A alteração da competência para comarca distante do domicílio do autor-vítima vulnerável ou hipossuficiente traz, sim, indisputável prejuízo, ainda que o processo judicial seja eletrônico, haja vista os demandantes nem sempre disporem de computador e internet”, ressaltou.
Ainda, destacou que a distância geográfica pode comprometer a produção de provas pelo jurisdicionado, o contato com seu advogado, entre outros imprevistos. “Aqui, então, assoma um dos cânones de ouro no Estado Social de Direito: o acesso à Justiça para hipossuficiente ou vulnerável – portador de debilidade jurídica, econômica, técnica ou informativa, perdurável ou contingencial – deve, no verbo e na prática, ser facilitado, e não embaraçado. A prerrogativa de escolha de foro processual visa garantir a superação, ou pelo menos a mitigação, de variados obstáculos naturais, formais, financeiros e psicológicos que impedem ou dificultam o acesso à Justiça a todos em condições de igualdade real, postura de repúdio republicano absoluto a uma Justiça de elite e a serviço da elite” trecho extraído do voto.
E decide: “Portanto, patente que a Resolução 9/2019, ao atribuir à 1ª Vara Especializada de Fazenda Pública de Várzea Grande o julgamento de todas as pretensões relacionadas à saúde pública em que seja parte o Estado de Mato Grosso, mesmo que veiculadas em Ação Civil Pública ou que digam respeito à infância e adolescência, idosos e consumidores, afronta as regras de competência previstas no CPC/2015 e na legislação federal especial, razão pela qual merece reforma o acórdão recorrido, ficando, assim, restabelecida a competência do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Sinop para decidir a ação de que trata o presente recurso a ação de que trata o presente recurso. Ante o exposto, dou provimento ao Recurso Ordinário. É como voto”.
Outro lado - O Governo de Mato Grosso irá recorrer da decisão. A Procuradoria Geral do Estado foi acionada e vai analisar o acordão para buscar as medidas cabíveis para apresentar o recurso.
De acordo com o procurador-geral do Estado, Francisco Lopes, a PGE entende que a manutenção das ações de saúde em uma única vara é de grande importância, pois trouxe celeridade nos julgamentos e na uniformização das decisões, e por isso, ajuda o cidadão que precisa de uma resposta célere do judiciário e as ações específicas da saúde, onde um único magistrado tem condições de analisar todas as demandas.
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