O Ministério Público do Estado ingressou com uma ação civil pública contra o Município e o Poder Legislativo de Várzea Grande solicitando exoneração em massa de servidores comissionados da Câmara de Vereadores, bem como a determinação judicial para cassar a verba indenizatória concedida para alguns servidores. A ação foi proposta em 29 de janeiro de 2020, por meio do promotor de Justiça Jorge Paulo Damante Pereira da 1ª Promotoria de Justiça Cível de Várzea Grande.
O promotor relata que ao assumir os trabalhos na Promotoria de Justiça de Defesa da Probidade e do Patrimônio Público visitou, despretensiosamente, o site da Câmara Municipal, no portal transparência e detectou situação que, a seu ver, desafia a imediata intervenção do Poder Judiciário: “Refiro-me ao exagerado e desproporcional número de cargos em comissão na Câmara Municipal, bem como ao pagamento de verbas indenizatórias fora das hipóteses legais”.
Damante Pereira diz que chamou sua atenção, inicialmente, a quantidade de servidores comissionados da Câmara Municipal, pois este assunto tem sido alvo de frequente fiscalização pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE/MT). “Pesquisei nos arquivos da Promotoria de Justiça e descobri que o tema “cargos em comissão” já fora objeto de anterior ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público. Deveras, nos autos da ACP, o Poder Judiciário declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade de algumas leis municipais que tratavam dos cargos de provimento em comissão no âmbito do Poder Legislativo do Município de Várzea Grande e, por corolário, determinou a exoneração de servidores ocupantes de cargos em comissão tidos por ilegais, devendo ser registrado que a sentença foi confirma in totum pelo Tribunal de Justiça” explica.
Porém, o promotor enfatiza que: “nestes tempos que vão, a inconstitucionalidade voltou a imperar, através da seguida promulgação de leis municipais que insistem em violar o artigo 37, II e V, da CF, acrescendo-se o fato de que se criou, outrossim, verba indenizatória paga a servidores de forma indiscriminada, fora das balizas impostas pelo princípio da probidade e da moralidade pública”.
Segundo o promotor, “a Mesa Diretora da Câmara sempre encontrou um jeito de burlar os fundamentos da sentença e, mais do que isso, burlar a regra do princípio do concurso público”. “Percebe-se que tudo foi sendo feito de forma gradual, de modo a ludibriar os órgãos de controle nessa questão dos cargos em comissão, de maneira que em dezembro de 2019 eram absurdos 221 comissionados na Câmara de Vereadores de Várzea Grande, num universo de 242 servidores lotados naquela casa de leis” ressalta.
Ele julga ser um escândalo, necessário o exame detido da legislação municipal que foi sendo produzida a partir do ano de 2012. Ao fazer um resgate de todas as leis que criaram cargos comissionados no Legislativo municipal, desde 2012 a 2019, o promotor concluiu que: em 2012, ao tempo em que tramitava a ação civil pública, a relação de proporcionalidade era de 63 cargos em comissão para 51 cargos efetivos. Em 2015, a relação passou a ser de 81 cargos em comissão para 46 efetivos. O ano de 2019 terminou com 233 vagas para cargos em comissão (com 221 servidores efetivamente lotados) para as mesmas 46 vagas previstas na Lei nº 4.117/2015 - com apenas 21 servidores efetivamente lotados. “Comparado com o ano de 2012, até a última modificação legislativa feita sobre o assunto “cargo em comissão”, houve um incremento de exorbitantes 270% no número de vagas deste tipo de cargo público, o que, a meu ver, fere de morte o art. 37, inciso V, da CF/1988. Interessante notar que até dezembro de 2018 a lei previa a existência de 81 cargos comissionados e 46 cargos de provimento efetivo e a Câmara de Vereadores funcionava normalmente, inclusive devendo ser salientado que mais de 20 cargos efetivos estavam vagos” conclui.
Conforme ele explica em sua petição, até dezembro de 2018, um pouco mais de 100 servidores tocava todo o trabalho da Câmara e em dezembro de 2019 passou para exatos 242 servidores. Segundo consta da ação, atualmente, a Mesa Diretora mantém mais de 200 cargos de direção, chefia e assessoramento e pouco mais de 20 de cargos da rotina burocrática.
O promotor destaca que o último concurso público realizado pela Câmara ocorreu em 1994, e que infelizmente, na Câmara Municipal, a vontade do constituinte tem sido ignorada. “Aliás, é bom que se registre que no julgamento das contas de 2017 da Câmara Municipal, através do Acórdão nº 193/2019 – TP, publicado aos 30/4/19, o TCE/MT, determinou à Mesa Diretora da Câmara que realizasse concurso público dentro de 240 dias. Diferentemente do que determinou o TCE/MT, a atual Administração da Câmara Municipal não só deixou de realizar o concurso público, como promoveu um desproporcional aumento no número de cargos em comissão. É inadmissível, contudo, que o espírito da Constituição Federal, que alberga o princípio do livre acesso aos cargos públicos via concurso público, seja assim vilipendiado pela criação arbitrária de cargos de provimento em comissão. Fato é que, quanto a essa questão dos cargos em comissão, a Constituição Federal prevê sim a possibilidade da criação de cargos em comissão, mas esses cargos devem ser criados com critério e zelo, devendo ser sempre observada a proporcionalidade com os cargos efetivos” diz o promotor.
Quanto ao pagamento de verbas indenizatórias aos servidores da Câmara Municipal o promotor tratou como “calamitosa”.
O promotor explica que a verba a partir de 25/10/2018 entrou em vigor a Lei nº 4.399/2018, que instituiu em benefício dos vereadores de Várzea Grande a chamada VI (verba indenizatória) em razão da atividade própria parlamentar de controle externo e interação direta com a população. E, por meio da Lei 4.435/2019 (31/01/2019), especificamente artigo 11, foi autorizado o pagamento de verba indenizatória para o desempenho de serviços e despesas inerentes ao cargo, tendo as mesmas obrigações e vedações previstas na Lei 4.399/2018, para 15 cargos especificados nos três incisos do artigo.
“De notar-se que, segundo a lei, a verba indenizatória foi criada para o desempenho de serviços (bem, para isso o servidor recebe salário, ou não?) e despesas inerentes ao cargo (mas que despesas?). Quais são as despesas ordinárias passíveis de pagamento de parcela indenizatória que o servidor tem para exercer os cargos burocráticos especificados nos incisos do art. 11? A rigor, nenhuma, e se eventualmente tiver de fazer alguma viagem a trabalho, ou curso, enfim, que seja reembolsado via o pagamento de diárias. Simples!” contesta.
Porém, conforme o promotor, em 08/08/2019 foi publicada a Lei 4.484/2019, a qual, em seu artigo 9º, previu que os servidores designados pela Mesa Diretora para participar de comissões de trabalho administrativas e parlamentares e que importem em despesas inerentes as atividades a serem desenvolvidas também seriam beneficiados com o pagamento de verba indenizatória, no valor correspondente a 50% do vencimento do seu cargo. Além disso, o artigo 10 desta Lei nº 4.484/2019 alterou o art. 11 da Lei nº 4.435/2019, aumentando de 15 para 19 cargos (ali especificados) a serem diretamente beneficiados com verba indenizatória.
“Observe-se o que aconteceu após essa Lei nº 4.484/2019: além dos 19 cargos taxativamente previstos na Lei nº 4.435/2019 (com a atualização dela própria Lei nº 4.484/2019), a nova regra do citado do art. 9º autorizou o Presidente da Câmara a conceder verba indenizatória para quem ele bem entender, sem nenhum limite do razoável, bastando para isso criar uma comissão de trabalho e nomear o servidor que bem lhe aprouver para compô-la. Sendo assim, nota-se que, na visão da Câmara de Vereadores, o simples fato de um servidor compor uma comissão de trabalho daquele órgão, é fato gerador para receber verba indenizatória, pouco importando se ele vai ou não ter algum tipo de dispêndio para isso. Um dia depois da publicação da lei (09/08/2019), o Presidente já presenteou diversos servidores com verbas indenizatórias, conforme se vê das portarias publicadas em seguida à edição da dita lei”.
O promotor aponta um nefasto efeito da Lei nº 4.484/2019: “em fevereiro do ano de 2019, a Câmara gastou R$ 23.100,00 com as verbas indenizatórias para servidores, criadas pela Lei nº 4.435/2019 (31/01/2019). Em dezembro de 2019, o gasto atingiu a quantia de R$ 120.272,58”.
De acordo com o promotor, em dezembro de 2019, 71 servidores da Câmara estavam recebendo verba indenizatória. 68 destes ocupam cargos comissionados e 03 são efetivos. “É dizer: além de não se cumprir a Constituição Federal no que diz respeito aos requisitos legais para a criação de cargos em comissão, encontrou-se uma forma de beneficiar amplamente os protegidos com verbas extras sob a alegação de que são verbas indenizatórias”.
Atualmente, conforme ele, através das Portarias de 16 e 17 de 2020, a Mesa da Câmara designou vários outros servidores comissionados para atuarem nas comissões da Casa. Levantamento feito pelo MPE com base na análise das portarias publicadas a partir de 09/09/2019, revela que atualmente existem 56 servidores nomeados para compor comissões de trabalho. Destes, 06 são efetivos e 50 são comissionados. Dos 50 somente dois não recebem VI por comporem comissão de trabalho (Aline e Kariny), mas estas servidoras já recebem V.I. por outro fato gerador.
“Com o devido respeito, penso que é um verdadeiro escândalo o que está a ocorrer. Não há dúvida de que a Constituição Federal alberga o pagamento de parcelas de caráter indenizatório aos agentes públicos (em sentido amplo) e inclusive as retira do limite de teto remuneratório (art. 37, § 11, da CF). Antes eram as diárias, adiantamentos, auxílios diversos etc.. Nos dias que correm tornou-se lugar-comum, no âmbito da Administração Pública, substituir o pagamento de diárias e outros tipos de ajuda de custo pela instituição da chamada V. I. (verba indenizatória) e isso tem sido albergado pela jurisprudência majoritária, que inclusive têm aceitado como efetiva prestação de contas simples relatório elaborado pelo agente público”.
Segundo o promotor, o que o Ministério Público questiona na ação civil pública não é a instituição de V.I. aos servidores da Câmara Municipal, mas sim os critérios de sua criação e a forma como está sendo concedida. “Em verdade, instituiu-se na Câmara Municipal um sistema de incremento remuneratório, sobretudo dos servidores comissionados, via pagamento de V. I., e isto fere o princípio da moralidade pública, insculpido no art. 37, caput, da CF, pois o que o legislador municipal qualificou de verba de indenizatória, de indenizatória só tem o nome, está a realidade”.
Para o promotor, a verba indenizatória precisa ser identificável e especificada, podendo ser estabelecida se em consonância com a razoabilidade e de acordo com o princípio da moralidade. Ademais, elas precisam equilibrar despesas efetuadas para o cumprimento das atribuições dos cargos, por isso a indenização. Elas não podem ser uma forma de complementação ou suplementação da parte fixa da remuneração do servidor público. “Para remunerar os servidores públicos, já existe a fixação de vencimento base, com vista a pagar pelos serviços prestados ao Estado, que são fixados na forma da lei. Essa é a contraprestação pelo trabalho efetuado. Para ter direito a verba indenizatória é necessário que haja algo excepcional e extraordinário que deva ser indenizado, do contrário é inconstitucional” ressalta.
Quanto ao perigo de dano, o MPE cita que é incontroverso que mais de uma centena de servidores públicos foram admitidos, a partir da Lei nº 4.435/19 (só esta lei previu 150 cargos comissionados) em cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, quando o último concurso público na Câmara ocorreu no ano de 1994. “Portanto, o perigo de dano consiste exatamente na possibilidade de perpetuação da situação inconstitucional, com sérios prejuízos ao erário municipal, haja vista que, até que se julgue definitivamente o pedido, o risco à administração pública se revela maior sem a concessão da tutela de urgência postulada, pois já ficou mais do que claro que a Casa Legislativa fará o que estiver ao seu alcance para manter, em seus quadros, excessivo número de ocupantes de cargos de provimento em comissão, burlando o princípio constitucional da obrigatoriedade de concurso público, pois isso vai ao encontro do fisiologismo que ali impera” reforça.
Diante disso, o MPE requer: o deferimento da tutela de urgência liminarmente para que, neste momento inicial da lide, seja imposta obrigação de fazer à Câmara Municipal consistente na imediata exoneração de todos os servidores comissionados admitidos com base no aumento de cargos criados pelas Leis Complementares nº 4.435/2019, 4.484/2019 e 4.536/2019, devendo ser salientado que, mesmo com a exoneração desses servidores comissionados, a Câmara Municipal ainda terá à sua disposição 81 cargos em comissão para lotação, devidamente autorizados pelas Leis nº 3.722/2012 e 4.117/2015, de maneira que não se poderá alegar prejuízo ao princípio da continuidade do serviço público.
Requer ainda, o deferimento da tutela de urgência liminarmente para que, neste momento inicial da lide, seja imposta obrigação de fazer à Câmara Municipal consistente na imediata suspensão do pagamento da verba indenizatória denominada V.I. aos servidores da Casa de Leis, cujo pagamento foi autorizado pelas Leis Complementares nº 4.435/2019 e 4.484/2019, devendo ser ressaltado que a suspensão do referido pagamento em nada prejudicará os servidores que, de fato e realmente, venham a ter dispêndio financeiro em razão do exercício das funções do cargo, pois estes poderão ser reembolsados (indenizados) dessas despesas pela via das diárias, adiantamentos etc.
Pede também o deferimento da tutela de urgência liminarmente para que seja imposta obrigação de não fazer à Câmara Municipal consistente na abstenção da criação de cargos em comissão de forma desproporcional com o número de cargos efetivos.
E no mérito, requer que seja julgado procedente o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade das Leis nº 4.435/2019, 4.484/2019 e 4.536/2019, quanto ao aumento do número de cargos em comissão, pois os referidos diplomas legais ferem de morte o art. 37, II e V, da Constituição Federal, na medida em que criaram cargos comissionados de forma desproporcional aos cargos efetivos disponíveis na Casa de Leis, bem como seja também declarada a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei nº 4.435/2019, pois, conforme exposto, esta norma, arbitrariamente, previu que na percentagem de 10% de reserva dos cargos em comissão para servidores efetivos não estariam incluídos determinados cargos em comissão e que seja julgado procedente o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade das Leis nº 4.435/2019 e 4.484/2019, especificamente quanto à criação de verba indenizatória (V. I.) para os servidores da Câmara Municipal, por não especificarem quais são as despesas passíveis de indenização e também for ferir o princípio da moralidade pública, o que autoriza, sem dúvida, o controle judicial de tais diplomas legislativos.
Além disso, requer, em sede de mérito, que seja confirmada a tutela de urgência, mantendo-se a imposição de obrigação de fazer à Câmara Municipal consistente na imediata exoneração de todos os servidores comissionados admitidos com base no aumento de cargos criados pelas Leis Complementares nº 4.435/2019, 4.484/2019 e 4.536/2019, e que seja confirmada a tutela de urgência, mantendo-se a imposição de obrigação de fazer consistente na suspensão do pagamento da verba indenizatória aos servidores da Casa de Leis.
Outro lado: O Legislativo se manifestou por meio de nota, confira:
Nota de esclarecimento
A Câmara Municipal de Várzea Grande irá fazer sua defesa.
Não houve aumento substancial de servidores e que as verbas indenizatórias são as mesmas utilizadas nas demais instituições inclusive no Ministério Público Estadual e no Tribunal de Contas. O MPE pede que a lei em vigor a quase um ano seja declarada inconstitucional e que seja exonerados os cargos novos criados por três normas. Porém dentro da Casa de Leis foram extintos 11 cargos. Além disto, não houve aumento salarial dentro da Instituição.
Também informamos a Câmara ainda tem cargos que não foram preenchidos e que está sendo respeitado o limite de 70% de despesas com pessoal prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
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