A Polícia Federal (PF) investiga o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves sob suspeita de envolvimento em esquema de compra de decisões judiciais. Diálogos analisados pelas autoridades indicam que Andreson tentou aparentar proximidade com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, enquanto atuava em processos sob sua relatoria no Supremo.
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Reportagem publicada nesta sexta-feira (15.11) pelo UOL, assinada pelos jornalistas Aguirre Talento e Natália Portinari, detalha trocas de mensagens entre o lobista e o advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023, em Cuiabá. Essas mensagens foram extraídas do celular de Zampieri e fazem parte de investigações conduzidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela PF.
O STF, ao ser procurado, afirmou que o ministro Kassio Nunes Marques desconhece o lobista, nunca teve qualquer interação com ele e já solicitou providências ao relator do caso no Supremo, o ministro Cristiano Zanin. Em nota, o gabinete de Nunes Marques afirmou:
“O ministro Kassio Nunes Marques jamais conheceu, viu ou ouviu falar de nenhum dos envolvidos. Jamais falou ou trocou mensagem com nenhum deles. O ministro acredita ter ocorrido uma tentativa falsa de demonstração de prestígio para induzir outrem a crer na proximidade, um caso clássico de estelionato.”
Atuação em processos do STF
Nos diálogos, há menções ao envolvimento de Andreson em processos relacionados a desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), os quais buscavam reverter penalidades de aposentadoria compulsória aplicadas pelo CNJ por supostos desvios de recursos públicos. Em sete processos sob relatoria de Nunes Marques, Mirian Ribeiro Gonçalves, esposa de Andreson, foi constituída como advogada. Em todos, o ministro deu votos favoráveis aos clientes de Mirian.
Apesar disso, os documentos analisados pelo UOL mostram que os materiais enviados por Andreson a Zampieri eram de caráter público e disponíveis no site do STF. Não há indícios, nesses processos, de acesso a informações privilegiadas ou antecipação de decisões.
Cinco dos sete processos já estavam no STF desde 2010, sob relatoria do ministro Celso de Mello, que havia rejeitado os pedidos liminares feitos pelos desembargadores. Após a aposentadoria de Celso de Mello, em 2020, Nunes Marques assumiu a relatoria e mudou o entendimento do caso, votando pela anulação das punições aplicadas pelo CNJ.
Mudança na condução dos processos
Após a entrada de Mirian Ribeiro como advogada, os desembargadores conseguiram a reversão das penalidades. Os casos foram levados à Segunda Turma do STF em novembro de 2022, e, por maioria de votos, a punição foi anulada, determinando-se a reintegração dos magistrados ao TJ-MT, com pagamento de salários retroativos.
Posteriormente, dois novos processos semelhantes foram ajuizados no STF por Mirian, mas, quando julgados no plenário do Supremo, sob a composição de 11 ministros, tiveram desfechos desfavoráveis aos clientes da advogada.
Relação de Andreson com o Judiciário e outras suspeitas
Andreson Gonçalves, que se apresentava como advogado apesar de não possuir registro na OAB, já havia sido investigado na Operação Asafe, em 2009, por suspeita de venda de sentenças no TJ-MT. Na ocasião, a PF identificou diálogos cifrados relacionados a negociações processuais, mas as provas foram consideradas insuficientes para um indiciamento.
Além de sua atuação no STF, o lobista é investigado por suposta compra de decisões no TJ de Mato Grosso do Sul e por outros crimes envolvendo servidores do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No STJ, há indícios de acesso a minutas antecipadas de votos, o que poderia configurar obtenção de informações privilegiadas para influenciar julgamentos.
Contudo, no caso do STF, os diálogos analisados não apontam evidências de práticas semelhantes.
Negativas e declarações
A defesa de Andreson negou qualquer relação do lobista com o ministro Kassio Nunes Marques e afirmou que não comentará o teor das mensagens, pois não teve acesso às investigações. Em relação às transações financeiras com Zampieri, a defesa alegou que ambos mantinham negócios legítimos, sem caráter ilícito.
A advogada Mirian Ribeiro Gonçalves, por sua vez, foi defendida por sua experiência de 27 anos na advocacia. Segundo a defesa, o fato de ela ser advogada de Mato Grosso não a impede de obter êxito no STF.
O STF também ressaltou que todas as decisões dos casos mencionados foram tomadas colegiadamente e que os andamentos processuais estão disponíveis publicamente.
Em nota, o Supremo reafirmou:
“O Ministro Kassio Nunes Marques expressa indignação com o envolvimento de seu nome nas conversas dos integrantes do esquema e informa que encaminhou pedido de providências ao relator do caso no STF.”
As investigações da Polícia Federal ainda estão em curso, e não há indícios diretos de envolvimento do ministro Kassio Nunes Marques em qualquer irregularidade. O caso segue sendo analisado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, enquanto as conversas entre Andreson Gonçalves e Roberto Zampieri continuam sendo peças-chave para as apurações.
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