O coordenador do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), promotor de Justiça Adriano Roberto Alves, concedeu entrevista ao na qual discorreu sobre o trabalho desenvolvido pela unidade especializada e as investigações de combate às facções criminosas no Estado.
O promotor explicou que o Gaeco trabalha em conjunto com as forças de segurança para impedir que líderes de facções ordenem crimes de dentro das cadeias. Além disso, levantou um alerta aos pais sobre o aliciamento de adolescentes e jovens pelas organizações criminosas.
Confira a Entrevista:
VGN - Primeiramente, promotor Adriano Roberto, o senhor assumiu a função no Gaeco em fevereiro de 2023. Poderia nos falar, em poucas palavras, quais foram as ações desenvolvidas à frente do órgão nestes 15 meses?
Adriano Roberto - Realizamos uma reestruturação do Grupo para aumentar a capacidade de investigação, especialmente no combate às organizações criminosas violentas, como Comando Vermelho, PCC e outras. Buscamos uma maior integração do Gaeco com as forças de segurança, incluindo a Polícia Civil, a Polícia Federal e outras instituições. Isso resultou na realização de mais de 30 operações, tanto do Gaeco quanto em cooperação com outras instituições, nesses 15 meses, contra facções criminosas. Essas operações resultaram em prisões de membros de facções, agentes públicos, advogados, bem como na apreensão de bens imóveis, veículos e outros. Outras ações importantes estão sendo realizadas para qualificar nossa atuação contra essas facções violentas, mas não podem ser reveladas.
VGN - O Gaeco integra uma força-tarefa permanente, que é constituída também pela Polícia Judiciária Civil, Polícia Militar, Polícia Penal e pelo Sistema Socioeducativo. Além desta força-tarefa, existem outras nas quais os agentes do órgão estão incluídos para combater crimes em Mato Grosso.
Adriano Roberto - Há uma cooperação com outros órgãos, como a Polícia Federal.
VGN - Recentemente, a questão da segurança pública voltou a acender alertas em várias cidades do Estado, principalmente devido ao aumento do número de homicídios causados pela atuação de facções criminosas. Nesse sentido, o gostaria de saber como estão os trabalhos de investigação do Gaeco para tentar reduzir a atuação dessas organizações criminosas.
Adriano Roberto - As principais lideranças dessas facções estão presas, resultado da atuação não só do Gaeco, mas também de dezenas de operações realizadas pela Polícia Civil, Polícia Federal e Polícia Militar. Essas operações ocorrem quase todas as semanas em todo o Estado. No entanto, mesmo presas, essas lideranças continuam atuando de dentro dos presídios, dando ordens para matar e determinando o enfrentamento de facções rivais. Nosso foco agora está voltado para tentar impedir que essas ordens continuem partindo de dentro dos presídios. Se conseguirmos, ao menos parcialmente, com certeza esse número de homicídios irá diminuir e haverá o enfraquecimento dessas facções.
VGN - Falando do crime organizado, não podemos deixar de citar o grande número de jovens que estão sendo aliciados para integrarem grupos criminosos. Dados de entidades apontam que um fator que contribui para esse cenário é a ausência das figuras paternas e maternas na vida dos jovens, que acabam entrando na vida do crime. Qual é a sua visão sobre essa questão? E quais são os sinais aos quais os pais precisam ficar atentos para saber se seus filhos estão sendo aliciados pela criminalidade?
Adriano Roberto - Nosso país, segundo a OCDE, é o segundo em número de jovens que não trabalham nem estudam, os chamados "nem-nem". São esses jovens que estão matando e morrendo nas brigas das facções, ou sendo mortos pelos próprios pares de facções. Eles são mão de obra disponível para o crime e estão sendo usados. Na Europa, inclusive, há um programa de qualificação desses jovens e de busca por empregá-los, para evitar outros problemas sociais, como a criminalidade. Portanto, se seu filho é um "nem-nem", já é um sinal de que pode estar sendo aliciado pelas facções, se já não foi. Naturalmente, é um problema complexo que envolve vários fatores, mas a ociosidade desses jovens contribui muito.
VGN - Promotor Adriano Roberto, o chamado “tribunal do crime” vem sendo difundido na sociedade como uma espécie de juízo que pune os infratores de um determinado local (bairro, cidade). A suposta justiça é apresentada como uma forma de oferecer “segurança” aos moradores, que muitas vezes desconfiam do trabalho policial. O que o senhor pode dizer sobre essa modalidade de sentença clandestina? Quais alertas podem ser dados à população?
Adriano Roberto - Bom, essa é a primeira fase do aliciamento da população. Depois, esse bairro que aplaudiu essa forma de justiça só poderá comprar gás, internet e água das facções, e pelo preço que elas estipularem. Além disso, o comércio só funcionará se pagar às facções. E assim, o problema vai aumentando. Vendem uma ilusão de segurança. Mas, digamos que o filho de alguém dessa comunidade se envolva com drogas e não pague, ou cometa um furto para pagar essa droga. O pai desse jovem vai querer vê-lo levando um "salve", sendo torturado pela facção por esse crime? Ou morto? É isso que acontece. Qualquer filho pode parar nessa situação. Pior, e se esse julgamento, que não tem direito ao contraditório, matar o jovem errado? É muito fácil isso acontecer.
VGN - Existe algum projeto social ou campanha educativa, no âmbito do Ministério Público Estadual (MPE), seja em parceria ou de iniciativa própria, para conscientizar pais e jovens sobre esses alertas em relação ao aliciamento por organizações criminosas?
Adriano Roberto - Desconheço se há, mas é preciso ter. Entretanto, esse papel deve ser realizado primordialmente pelo Executivo, embora seja importante que o Ministério Público faça ou induza o Executivo a agir. Inclusive, já iniciei conversas com a Procuradoria Especializada da Infância e Juventude, representada pelo Dr. Paulo Prado, um profissional exemplar, preocupado com essas causas e que possui projetos incríveis voltados para crianças e jovens. Estamos buscando desenvolver um projeto com a finalidade de esclarecer pais e jovens.
VGN - Pode indicar como a população pode comunicar notícias de ilegalidades ou atuação de facções em seu bairro para serem apuradas pelo Gaeco? No site do Ministério Público há uma ouvidoria e um número para que a população faça denúncias anonimamente. Fazendo denúncias por esses canais, as informações chegarão até o Gaeco.
Adriano Roberto - No site do Ministério Público há uma ouvidoria e um número para que a população faça denúncias anonimamente. Fazendo denúncias por esses canais, as informações chegarão até o Gaeco.
VGN - Constantemente, investigados acionam a Justiça questionando a competência do Gaeco na condução dos inquéritos. Diante disso, como está atualmente a questão do reconhecimento do trabalho do órgão na condução das investigações no mundo jurídico?
Adriano Roberto - O Supremo Tribunal Federal já pacificou o tema, entendendo que o Gaeco tem competência para conduzir essas investigações.
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