O advogado e mestre em Direito Constitucional pelo IDP, Rodrigo Cyrineu, afirmou, em entrevista ao que a Justiça Eleitoral é a instituição mais capacitada, dentro do sistema institucional brasileiro, para tratar de questões relacionadas ao funcionamento dos partidos políticos. No entanto, ele defende que essa atuação deve ocorrer de forma pontual e excepcional, apenas em casos de distorções relevantes, a fim de evitar uma interferência contínua e indesejada na economia interna das siglas partidárias.
Cyrineu criticou o que classificou como “insistente interferência” em aspectos administrativos dos partidos, o que, segundo ele, pode comprometer a autonomia das legendas e gerar instabilidade no sistema político. Para o advogado, é necessário encontrar um equilíbrio que permita a correção de abusos, sem comprometer a gestão cotidiana das agremiações partidárias, respeitando os limites da atuação institucional da Justiça Eleitoral.
O advogado também chamou atenção para um problema recorrente nas campanhas eleitorais: os calotes aplicados por candidatos a seus fornecedores. Segundo ele, essa prática tradicional representa um verdadeiro entrave nas eleições e tem levado os partidos a adotarem medidas jurídicas para não serem responsabilizados pelas dívidas contraídas. “É uma péssima sinalização para o mercado fornecedor de campanhas”, alertou Cyrineu, defendendo que o tema precisa ser debatido com mais profundidade, a fim de que se encontrem soluções justas e eficazes.
Confira entrevista na íntegra:
VGN - O novo Código Eleitoral amplia a autonomia partidária, blindando temas como filiação e eleições internas. Isso fortalece ou enfraquece a democracia interna dos partidos? Onde está o equilíbrio entre autonomia e fiscalização?
Rodrigo Cyrineu - O Código Eleitoral é fruto de um debate no Congresso Nacional, que, por sua vez, é dominado pelos grandes partidos. Naturalmente, o texto buscaria resguardar a autonomia das legendas — e é positivo que assim seja —, desde que se admita, ainda que de forma excepcional, a intervenção judicial para a correção de anomalias e ilegalidades manifestas. O que não se justifica é impedir, de forma absoluta, a fiscalização por parte da Justiça Eleitoral. Contudo, torná-la menos recorrente, de fato, já era necessário.
VGN - As novas exigências para criar partidos — 1,5% dos votos válidos e distribuição em um terço dos Estados — dificultam a renovação política ou evitam siglas de aluguel?
Rodrigo Cyrineu - O caminho natural — e, diria eu, salutar — é justamente este: reformar a legislação para dificultar, progressivamente, a criação de novas siglas no Brasil. Atualmente, temos uma infinidade de partidos políticos. É ilógico sustentar a existência de tantas causas e bandeiras ideológicas. É evidente que muitas dessas legendas são utilizadas como instrumento para geração de recursos e oportunidades de negócios, por indivíduos que não possuem qualquer compromisso com uma causa legítima. Nesse ponto, também está correto o projeto do Novo Código Eleitoral.
VGN - A “carta de anuência” para troca partidária pode estimular barganhas internas? Como o senhor avalia essa nova justa causa?
Rodrigo Cyrineu - A carta de anuência é uma criação jurisprudencial que, inclusive, já foi incorporada ao texto constitucional. Não há, portanto, qualquer novidade nesse aspecto. E é evidente: se o partido anui, quem haveria de discordar? Caso o mandatário cometa equívoco ao realizar essa troca, será penalizado pelo eleitorado nas urnas, na eleição subsequente. Trata-se de uma dinâmica própria do jogo eleitoral.
VGN - Com a Justiça Eleitoral julgando disputas internas dos partidos mesmo fora das eleições, há risco de judicialização excessiva? Ou isso reforça a regulação partidária?
Rodrigo Cyrineu - A Justiça Eleitoral é a instituição mais capacitada, no contexto do nosso arranjo institucional, para resolver questões relativas ao funcionamento dos partidos políticos. Naturalmente, desde que atue de forma excepcional, com o objetivo de corrigir distorções de grande relevância, evitando a recorrente interferência na economia interna das agremiações partidárias — prática que, por vezes, tem sido observada ao longo da história republicana brasileira.
VGN - O bloqueio dos fundos partidário e eleitoral só ocorrerá com má gestão comprovada. Isso reduz a fiscalização sobre os recursos públicos?
Rodrigo Cyrineu - Na verdade, o problema não reside na fiscalização em si, mas na tradicional questão dos calotes praticados por candidatos durante suas campanhas eleitorais — situação diante da qual os partidos, cada vez mais, buscam se resguardar do pagamento dessas dívidas, na condição de responsáveis subsidiários. Trata-se de uma sinalização bastante negativa para o mercado fornecedor de campanhas. Nesse aspecto, entendo que é necessário ampliar o debate, a fim de que se encontrem soluções mais adequadas.
VGN - O aumento dos fundos e a distribuição para mulheres e negros garantem mais representatividade ou ainda são insuficientes para corrigir desigualdades?
Rodrigo Cyrineu - Follow the money — essa é a máxima que orienta análises tanto na política quanto em investigações. Onde está o dinheiro, ali também estará a chave para a compreensão dos fatos. Naturalmente, quanto maior o volume de recursos disponíveis, maior é a probabilidade de sucesso eleitoral de candidaturas negras e femininas, uma vez que campanhas mais estruturadas tendem a ampliar significativamente o alcance junto ao eleitorado.
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