Em entrevista ao , a assessora da Defensoria Pública de Mato Grosso, Daniella Veyga, comentou sobre os Projetos de Lei propostos na Câmara Municipal de Cuiabá na última semana. Daniella, que foi a primeira advogada transexual de Mato Grosso e a primeira a ser contratada como auxiliar no núcleo da Defensoria Pública, se posicionou sobre as novas iniciativas legislativas.
Entre os projetos abordados por Daniella, estão um que visa proibir a participação de crianças e adolescentes na Parada do Orgulho LGBTQIA+ em Cuiabá, e outro, também do mesmo vereador, que define o sexo biológico como critério para a formação de equipes esportivas, proibindo que atletas transsexuais possam competir em suas categorias de gênero.
Segundo a advogada, as propostas são preconceituosas e inconstitucionais. Ela destacou que o papel do poder legislativo municipal deveria ser direcionado à criação de projetos voltados à inclusão e à garantia de direitos. De acordo com Daniella, a decisão sobre a participação das crianças em eventos deve ser tomada pelos pais, e não pelo Estado e ainda reforçou que a Parada LGBTQIA+ é uma manifestação legítima por direitos e que ensinar respeito à diversidade é parte essencial da educação, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Quanto à restrição de atletas transgêneros, a entrevistada considera o projeto discriminatório, apontando que ele viola a dignidade humana e a igualdade, além de desconsiderar diretrizes internacionais, como as do Comitê Olímpico Internacional.
Confira a entrevista na íntegra:
Qual é a sua opinião sobre o projeto que tenta proibir a participação de crianças em paradas LGBT, alegando que é impróprio para elas?
Daniella Veiga - Esse projeto, ele é um grande equívoco e revela um viés, na verdade, preconceito, disfarçado de preocupação com as crianças. Primeiro, ele parte da ideia errada de que a parada LGBT é um ambiente impróprio para as crianças e para os menores, o que simplesmente não é verdade. A parada é um evento que celebra a luta por direitos e famílias inteiras participam e também integram essa luta por direitos.
O projeto propõe de certa forma que a decisão sobre as crianças seja definida pelo legislativo, ao invés de deixar essa decisão para os pais e responsáveis?
Daniella Veiga - Se uma família acredita que é importante que a criança aprenda sobre respeito, diversidade, inclusão, porque o estado o dever interferir nisso. O Estatuto da Criança da Adolescência fala em garantir o bem-estar e proteger as crianças contra violência, mas não há nenhum tipo de proibição e de participação em evento público.
Na sua visão, não seria mais adequado que o Ministério Público ou o próprio Conselho Tutelar agissem em casos específicos de violações, em vez de um projeto que interfere na decisão dos pais sobre a participação de seus filhos em eventos públicos?
Daniella Veiga - Sim, em casos de violações, que são previstas no Estatuto da Criança ou do Adolescente, o Ministério Público tem obrigação de intervir. Mas quando a gente fala de parada LGBT, a gente não fere nenhum direito. Então, simplesmente, uma população que está ocupando as ruas para pedir direitos, para pedir, é, igualdade, para pedir emprego, para pedir renda, reivindicar cidadania e não marginalizar.
A proibição da presença de crianças e adolescentes em eventos como a Parada LGBT é constitucional?
Daniella Veiga - O “X” da questão é que quem deve decidir o que os infantes, o que as adolescentes devem ter o contato e aprender, são os pais. Eles sabem sobre a educação, que sabem do tratamento, que sabem do amor, que devem decidir o que os seus filhos podem e devem ter acesso para respeitar o indivíduo de forma social.
Na sua visão, qual é a importância de as crianças e adolescentes aprenderem sobre diversidade e respeito à individualidade desde cedo?
Daniella Veiga - A comunidade LGBT está inserida na sociedade. Nós somos pessoas sociais, estamos nos hospitais, estamos nos tribunais, estamos em todos os lugares, o transporte público, nas escolas e ensinar crianças, a esses adolescentes o respeito, a individualidade de cada um, faz parte dos dos dispositivos do ECA. É importante que essas crianças, esses adolescentes possam ter contato com a diversidade para poderem aprender que o mundo é diverso e que existem pessoas diferentes a elas.
Restringir a participação de atletas transgêneros no esporte é uma forma de discriminação com base na identidade de gênero, violando princípios de dignidade humana e igualdade?
Daniella Veiga - Esse é mais um dos projetos mais excludentes e desnecessários que eu já vi tramitar na Câmara dos Vereadores de Cuiabá Ele se baseia em um argumento ultrapassado e desconsidera completamente as diretrizes internacionais sobre o tema. Inclusive, o Comitê Olímpico Internacional, por exemplo, já estabeleceu critérios científicos para garantir que a população trans possa competir de forma justa..
Essa proposta pode ser inconstitucional?
Daniella Veiga - Constituição brasileira proíbe a discriminação de gênero, e inclusive, o próprio STF já decidiu que pessoas trans devem ser tratadas de acordo com sua identidade.
Como é a atuação da Defensoria Pública e como ela pode atuar para proteger os direitos da comunidade LGBTQIA+?
Daniella Veiga - Ela é o órgão que patrocina as ações daquela população que não tem condições de pagar um advogado particular. A pessoa hipossuficiente pode buscar a Defensoria Pública e ser assistida por ela e ter os seus direitos defendidos.
Qual o papel da Defensoria Pública em projetos de lei que sejam inconstitucionais e que afetem de forma coletiva a população?
Daniella Veiga - A Defensoria Pública, ela tem autonomia para entrar com uma ação direta de constitucionalidade que pode derrubar as legislações que são inconstitucionais, em especial essas legislações, esses projetos de lei como propostos pelo vereador, que já nascem de forma inconstitucional, atuando âmbito jurídico. Já na esfera administrativa, também se pode fazer audiências públicas para debater o tema de forma mais abrangente com especialistas, com a população.
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