“Os estatutos do poder, em uma República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério nem legitimar o culto ao sigilo: consequente necessidade de este Inquérito transcorrer sob a égide do postulado da publicidade”, argumentou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, ao autorizar diligências solicitadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, no Inquérito instaurado para apurar fatos noticiados pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, com acusações ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
O ministro do STF determinou ainda, que o procedimento de investigação criminal tramite, no Supremo Tribunal Federal, "sem qualquer nota de sigilo" e concedeu 20 dias para chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal (SINQ/DICOR), delegada Christiane Correa Machado, para cumprir as diligências, sem prejuízo de eventual prorrogação, caso tal se faça necessário.
“Determino que o presente Inquérito tramite em regime de ampla publicidade, em ordem a que se respeite o dogma constitucional da transparência, considerada a circunstância de que este procedimento de investigação criminal tem por objeto eventos supostamente criminosos, consistentes em fatos, em tese, delituosos revestidos de extrema gravidade, que podem envolver, até mesmo, o Senhor Presidente da República, afastada a incidência, no caso, da cláusula de imunidade penal temporária fundada no art. 86, § 4º, da Constituição Federal, em face das razões por mim expostas na decisão que proferi (item n. 3, fls. 57/64), nestes autos, em 27/04/2020, ressalvado, excepcionalmente, o que prescreve a própria Carta Política, em seu art. 5º, inciso LX” cita trecho da decisão do ministro.
Segundo o ministro, o motivo de tal determinação apoia-se no fato, constitucionalmente relevante, de que, em princípio, nada deve justificar a tramitação, em regime de sigilo, de qualquer procedimento que tenha curso em juízo, pois, na matéria, deve prevalecer, em regra, a cláusula da publicidade.” É importante salientar, neste ponto, que o modelo de governo instaurado em nosso País, em 1964, sob a égide de um regime militar, mostrou-se fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto””, destacou.
De acordo consta dos autos, o pedido de diligências investigatórias formulado por Aras ao Supremo Tribunal Federal é referente ao termo das declarações prestadas por Sérgio Moro, em depoimento realizado em 2 de maio, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Ele pede seguimento às apurações, requer o encaminhamento do procedimento investigativo ao SINQ – e para que sejam realizadas as seguintes diligências: oitiva de Luiz Eduardo Ramos – Ministro-Chefe da Secretaria de Governo –, Augusto Heleno Ribeiro Pereira – Ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência – e Walter Souza Braga Netto – Ministro-Chefe da Casa Civil; além de depoimento de Carla Zambelli Salgado, Deputada Federal; e dos delegados da Polícia Federal Maurício Leite Valeixo, Ricardo Saadi, Carlos Henrique de Oliveira Sousa, Alexandre Saraiva, Rodrigo Teixeira e Alexandre Ramagem Rodrigues , acerca de eventual patrocínio, direto ou indireto, de interesses privados do presidente da República perante o Departamento de Polícia Federal, visando ao provimento de cargos em comissão e a exoneração de seus ocupantes.
Aras pediu ainda o envio, pela Secretaria-Geral da Presidência da República, de cópia dos registros audiovisuais da reunião realizada entre o presidente, o vice-presidente da República, ministros de Estado e presidentes de bancos públicos ocorrida no último dia 22 de abril no Palácio do Planalto, no intuito de confirmar a afirmação de que o primeiro teria cobrado, de acordo com o ex-titular da Pasta da Justiça, ‘a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e [...] relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal’. Todos esses pedidos foram deferidos pelo ministro do STF.
No entanto, Celso de Melo indeferiu o pedido de Aras que requeria a elaboração, observada a cadeia de custódia, de laudo pericial, a partir da mídia de armazenamento que espelha dados informáticos contidos no aparelho de telefonia celular do ex-ministro de Estado da Justiça, bem como de relatório de análise das mensagens de texto e áudio, imagens e vídeos nele armazenados, pelo SINQ.
“Delimitação do âmbito de análise do exame pericial ora requerido, sob pena de conversão da pesquisa em inadmissível e indiscriminada devassa estatal: vedação de operações de “fishing expedition” e necessidade de medida de busca e apreensão Assinalo, ainda, que o Senhor Procurador-Geral da República também requer a “elaboração, observada a cadeia de custódia, de laudo pericial, a partir da mídia de armazenamento que espelha dados informáticos contidos no aparelho de telefonia celular do mencionado ex-Ministro de Estado da Justiça, bem como de relatório de análise das mensagens de texto e áudio, imagens e vídeos nele armazenados, pelo SINQ”. Observo, desde logo, quanto ao item n. 4 constante da promoção formulada pelo Senhor Procurador-Geral da República, que o aparelho de telefonia celular em questão não mais se encontra em poder da autoridade policial, motivo pelo qual impor-se-á pedido de busca e apreensão, que deixou de ser formulado, no caso presente, pelo Ministério Público Federal, eis que referido aparelho celular, conforme atestam estes autos (Termo de Restituição/RE nº 014/2020-SINQ/DICOR/PF), foi restituído ao Senhor Sérgio Fernando Moro, o que, por si só, impossibilitaria o pretendido exame pericial” cita trecho da decisão.
De qualquer maneira, no entanto, conforme o ministro, “mesmo que possível fosse a realização de tal exame pericial, ainda assim entendo que essa análise deverá limitar-se às mensagens de texto e áudio, imagens e vídeos armazenados no aparelho de telefonia celular do Senhor Sérgio Fernando Moro que guardem conexão com os fatos objeto da presente investigação, sob pena de esse pleito do Ministério Público transformar-se em indiscriminada (e indevida) devassa do conteúdo de tal aparelho, com obtenção e divulgação de elementos informativos que não tenham pertinência nem se revelem necessários ou úteis às finalidades deste procedimento investigatório”.
Para o ministro, isso significa, portanto, “que se tornará necessário identificar, se possível, os interlocutores dos diálogos mantidos por Sérgio Moro que serão objeto do exame pericial pretendido, definindo-se, ainda, o espaço temporal em que esses elementos de informação deverão ser coligidos, respeitando-se, sempre, a necessária vinculação – com os fatos objeto deste inquérito – das mensagens de texto e áudio, imagens e vídeos armazenados em aludido aparelho de telefonia celular, para que tal diligência investigatória não se converta, indevidamente, em instrumento de indiscriminada e inaceitável devassa estatal”.
“E o motivo de observar-se a existência de conexão com os eventos alegadamente delituosos sob investigação penal reside no fato de que o nosso sistema jurídico, além de amparar o princípio constitucional da intimidade pessoal, repele atividades probatórias que caracterizem verdadeiras e lesivas “fishing expeditions”, vale dizer, o ordenamento positivo brasileiro repudia medidas de obtenção de prova que se traduzam em ilícitas investigações meramente especulativas ou randômicas, de caráter exploratório, também conhecidas como diligências de prospecção, simplesmente vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro” explica.
O ministro enfatiza: “Sendo assim, e consideradas as razões expostas, não vejo como acolher esse pleito formulado pelo Senhor Procurador-Geral da República (item n. 4 de sua petição), pois o objeto a ser periciado está em poder do Senhor Sérgio Fernando Moro e não mais da autoridade policial federal”.
O ministro ainda acentua que a Polícia Federal, independentemente das diligências investigatórias requeridas pela Procuradoria-Geral da República, poderá, por autoridade própria, proceder a outras atividades de caráter investigatório, tais como as sugeridas por Sérgio Moro no depoimento que prestou no último dia 02/05/2020, dentre as quais, a requisição à ABIN dos “protocolos de encaminhamento dos relatórios de inteligência produzidos com base em informações a ela repassadas pela PF e que demonstrariam que o presidente da República já tinha, portanto, acesso às informações de inteligência da PF as quais legalmente tinha direito”, eis que o objetivo de ambas as instituições (PGR e PF) é comum no sistema acusatório, ainda mais se se tiver em consideração o que dispõe o artigo 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República.
“Vale mencionar, neste ponto, que é inequívoco o poder de investigação penal outorgado aos organismos de policiais, como a Polícia Federal, considerado o fato, constitucionalmente relevante, que essa prerrogativa emana, diretamente, do próprio texto da Constituição da República” ressalta.“Encaminhem-se, com urgência, os presentes autos à Excelentíssima Senhora Chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal (SINQ/DICOR), Dra. CHRISTIANE CORREA MACHADO, assinando-lhe o prazo de 20 (vinte) dias para o cumprimento das diligências ora deferidas, sem prejuízo de eventual prorrogação, caso tal se faça necessário. Transmita-se cópia da presente decisão ao eminente Senhor Procurador-Geral da República” conclui o ministro.
Entenda - Em 24 de abril de 2020, Sérgio Moro se manifestou em entrevista coletiva de imprensa sobre a possível tentativa do presidente da República de interferir na condução dos trabalhos da Polícia Federal. Já no sábado (02.05), em depoimento que durou cerca de oito horas na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, para a delegada Christiane Correa Machado, o ex-juiz da Lava Jato falou sobre suas acusações de tentativa de interferência política do presidente na corporação.
Entre no grupo do VGNotícias no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).