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VGNJUR Quinta-feira, 30 de Junho de 2022, 10:06 - A | A

Quinta-feira, 30 de Junho de 2022, 10h:06 - A | A

Não viu má-fé

Ministro manda TRE/MT reformar decisão e “livra” Bezerra da cassação

Bezerra é acusado pelo Ministério Público Eleitoral de suposta ilicitude na arrecadação e nos gastos de recursos financeiros

Rojane Marta/VGN

O deputado federal Carlos Bezerra (MDB/MT) se livrou da condenação de cassação de seu mandato por suposto gabinete paralelo nas eleições de 2018. Em decisão proferida nessa quarta (29.06), o ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Mauro Campbell Marques, determinou que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE/MT) reforme o acórdão que cassou o emedebista.

“A jurisprudência do TSE é firme no sentido de que a má-fé é requisito indispensável para a condenação com base no art. 30-A da Lei das Eleições. Ante o exposto, com base no art. 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, dou provimento aos recursos ordinários, para reformar integralmente o acórdão regional e julgar improcedente a representação” decidiu.

Bezerra é acusado pelo Ministério Público Eleitoral de suposta ilicitude na arrecadação e nos gastos de recursos financeiros durante a campanha eleitoral.

Confira decisão na íntegra:

 

O Ministério Público Eleitoral ajuizou representação, embasada no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, em desfavor de Carlos Gomes Bezerra, candidato eleito e diplomado ao cargo de deputado federal pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no pleito de 2018, para impugnar suposta ilicitude na arrecadação e nos gastos de recursos financeiros durante a campanha eleitoral.

O representante narrou na inicial que o

[...] candidato eleito ao cargo de Deputado Federal (1515 - MDB/MT) nas eleições 2018, apresentou sua Prestação de Contas (PC), sob nº 601354-69.2018.6.11.0000, com graves infrações na arrecadação e gastos de recursos. Dentre as inúmeras ilicitudes, merece destaque o expressivo número de pessoas ligadas à campanha e não declaradas, veículos e abastecimentos não contabilizados, ademais da malversação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. (ID 157500068, fl. 2)

Ressaltou que, no julgamento da prestação de contas,

a) foi determinado o recolhimento de R$ 293.916,68, correspondentes à malversação de recursos do FEFC;

b) foi apontada a omissão de despesas e de irregularidades relativas a vinte e oito prestadores de serviços não declarados na prestação de contas;

c) foi verificada a presença de falhas relativas a despesas com locação de veículos, no total de R$ 54.932,58;

d) apesar do alto valor absoluto despendido com combustível, não foi observado o abastecimento de nenhum dos veículos disponibilizados à campanha, revelando a utilização indevida de recursos públicos;

e) não foram apresentados documentos comprobatórios de despesas no valor total de R$ 108.337,07, merecendo ênfase as supostas contratações com a Gráfica Print Indústria e Editora Eireli, no total de R$ 72.783,00, para o fornecimento de material gráfico.

O MPE requereu a produção de provas adicionais e, ao final, pleiteou a cassação do diploma do representado, nos termos do art. 30-A, § 2º, da Lei nº 9.504/1997.

Carlos Gomes Bezerra apresentou contestação. Preliminarmente, alegou a decadência do direito à propositura da representação e, no mérito, em síntese, defendeu a ausência de gravidade suficiente para a imposição da grave pena de cassação do diploma eleitoral. Frisou a ausência de dolo ou má-fé, bem como a inexistência de ilícitos que extrapolem o universo contábil e possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição.

O MDB ingressou no feito como assistente simples do representado.

O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso rejeitou a preliminar de decadência, suscitada pelo representante, e de ofensa ao princípio da paridade de armas, suscitada pelo MPE em alegações finais; não conheceu dos documentos apresentados pelo MDB; e, no mérito, concluiu pela procedência da representação, com a consequente cassação do mandato do representado Carlos Gomes Bezerra, nos termos do art. 30, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, e, como efeito secundário da decisão, determinou a anotação do código ASE 540 no cadastro eleitoral do representado, nos termos do art. 1º, I, j, da Lei Complementar nº 64/1990.

O acórdão ficou assim ementado (ID 157500452):

REPRESENTAÇÃO ELEITORAL – ARRECADAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE CAMPANHA – ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97 – DEPUTADO FEDERAL – ELEIÇÕES 2018 – PRELIMINAR DE DECADÊNCIA – AFASTADA – PRELIMINAR DE PRECLUSÃO PARA CONHECIMENTO DE DOCUMENTOS APRESENTADOS PELO TERCEIRO INTERESSADO – ACOLHIMENTO – PRELIMINAR DE SUPOSTA OFENSA AO PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS – REJEITADA – MÉRITO – ABASTECIMENTOS IRREGULARES PAGOS COM RECURSOS DO FEFC – OMISSÃO DE PESSOAS QUE ATUARAM EM FAVOR DA CAMPANHA – OMISSÃO DE RECEITAS/DESPESAS COM MATERIAIS GRÁFICOS – OMISSÃO DE VEÍCULOS À DISPOSIÇÃO DA CAMPANHA – IRREGULARIDADES GRAVES QUE FEREM A MORALIDADE DO PLEITO – RELEVÂNCIA JURÍDICA DO ILÍCITO – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO COM A CONSEQUENTE CASSAÇÃO DO MANDATO DO REPRESENTADO.

1. Afasta-se a alegada decadência, visto que é remansosa a jurisprudência do TSE sobre ser a regra aplicável a prorrogação, para o primeiro dia útil subsequente, do termo final (dies ad quem) que cair em feriado ou em que não haja expediente normal no Tribunal, como é o caso do recesso forense discutido nos presentes autos.

2. As razões e os documentos encartados pelo partido político que atua como assistente da defesa, apresentados em fase posterior às alegações finais pelas partes, não devem ser conhecidos ante a necessidade de observância do comando legal de que o assistente recebe o processo na fase em que este se encontra, devendo se submeter às preclusões havidas no feito anteriormente a sua chegada.

3. A contagem de prazo sucessivo para apresentação das alegações finais pelas partes visou privilegiar o exercício do contraditório e da ampla defesa pelo representado, não gerando ofensa ao princípio da paridade de armas, sobretudo ante o caráter complementar das alegações finais, onde não é facultado às partes apresentarem inovações argumentativas ao processo.

4. Restaram identificadas irregularidades na realização de abastecimentos pagos com recursos do FEFC, omissão de veículos identificados a partir de tais abastecimentos, omissão de pessoas colocadas à disposição da campanha, despesas irregulares com hospedagens de pessoas não registradas nas contas, omissão de receitas/despesas com materiais gráficos e omissão de outras despesas, a exemplo de notas fiscais não declaradas, pagas para quitar serviços de impulsionamento de conteúdo na internet.

5. O farto conjunto de omissões e gastos irregulares encontrados na movimentação financeira apresentada pelo candidato revelam uma conjuntura de fatos que não podem passar despercebidos pela Justiça Eleitoral, despontando-se a responsabilidade do representado frente às circunstâncias concretas examinadas. O candidato tem o dever jurídico legal de zelar pela higidez dos recursos auferidos e pelos gastos realizados na sua campanha eleitoral, justamente porque é o beneficiário direto desse financiamento.

6. O partido poderia incentivar as candidaturas a ele vinculadas, assumindo gastos, desde que, tal apoio fosse declarado pelo candidato beneficiado, pois tais informações são essenciais para aferir a legalidade e a origem dos recursos auferidos, com implicações nas respectivas prestações de contas eleitorais.

7. Ao analisar a conformação da conduta ao art. 30-A da Lei nº 9.504/97, o Tribunal Superior Eleitoral assinala a necessidade de se considerar a relevância jurídica do ilícito no contexto da campanha “orientando-se pelo princípio da proporcionalidade” (AgRg-AI nº 44095/SP – k. [sic] 15.12.2015).

8. No caso em tela, os desvios constatados não são meros deslizes de contabilidade, visto que foram concretizados de forma usual no contexto de toda a campanha, com aporte de recursos oriundos do MDB e não declarados, receitas que beneficiaram ativamente o candidato na corrida pela vaga de Deputado Federal.

9. Representação julgada procedente, com a consequente cassação do mandato do representado, nos termos do art. 30, § 2º da Lei nº 9.504/97.

Sobreveio a interposição de recursos ordinários, pelo representado (ID 157500464) e pelo Diretório Estadual do MDB (ID 157500469).

Em suas razões, o primeiro recorrente, Carlos Gomes Bezerra, defende que as falhas contábeis que fundamentaram a rejeição das contas foram inteiramente superadas pelos documentos juntados na fase de instrução deste feito e que, de todo modo, o caso não apresenta relevância jurídica suficiente para amparar a grave pena de cassação do mandato, outorgado legitimamente pela vontade popular.

Acrescenta que:

a) ao longo do processo, o MPE, representante, abandonou a tese inicial e, com ampliação indevida do objeto da lide, passou a sustentar que ele, o ora recorrente, na qualidade de presidente estadual do MDB, teria se aproveitado dos recursos partidários provenientes do FEFC para alavancar sua candidatura em detrimento de outros filiados do partido;

b) as alegações do MPE são infundadas, tendo sido comprovado que todos os gastos formalizados pelo MDB foram registrados na respectiva prestação de contas e que as regras de distribuição do FEFC foram respeitadas, tendo as contas da agremiação sido aprovadas integralmente;

c) a definição dos critérios de distribuição do FEFC aos candidatos do partido é uma decisão interna corporis das agremiações e, com exceção da regra de participação mínima de gênero, não deve sofrer interferência da Justiça Eleitoral;

d) a desaprovação das contas de candidatos não é fator determinante para a condenação com base no art. 30-A da Lei das Eleições;

e) os gastos no valor de R$ 66.773,03 foram realizados licitamente, com recursos lícitos FEFC, na aquisição de combustível efetivamente utilizado na campanha eleitoral;

f) não havia obrigatoriedade de registro, na prestação de contas, dos vinte e oito condutores mencionados pelo acórdão regional, pois eram pessoas diretamente ligadas ao MDB que trabalharam voluntariamente não só para a campanha do recorrente, mas para todas as candidaturas do partido;

g) ainda que se considere irregular a ausência de registro na prestação de contas da participação voluntária desses vinte oito condutores, tal fato consubstancia irregularidade meramente formal, sem reflexo na lisura do pleito;

h) a prova testemunhal requerida pela própria acusação confirmou que ele, o candidato recorrente, contratou exclusivamente R$ 4.000,00 com Suelmei Campos Barbosa Eireli e que esse gasto está inteiramente comprovado por meio de nota fiscal devidamente declarada na prestação de contas de campanha;

i) não se pode admitir a atribuição, pelo Tribunal a quo, de valores aleatórios a título de supostos gastos com pessoal e veículos, devendo a conduta ser analisada exclusivamente sob o enfoque da gravidade e da proporcionalidade;

j) não existiu a omissão de despesas com materiais gráficos no valor de R$ 92.253,43, tendo tais gastos sido expressamente declarados à Justiça Eleitoral;

k) a jurisprudência do TSE se firmou no sentido de que os gastos com material gráfico referente à veiculação de propaganda conjunta de candidatos deve constar na prestação de contas daquele que arca com os custos, o que foi feito, tendo as despesas sido declaradas na prestação de contas do MDB;

l) ainda que não se entenda pela regularidade dessas despesas, tal irregularidade não constou da inicial apresentada pelo MPE, consistindo em ampliação indevida do objeto da lide;

m) os prestadores de serviços (militantes) apontados pelo Tribunal regional participaram de forma voluntária e pontual de todas as candidaturas do partido, o que é autorizado pelo art. 100-A, § 6º, da Lei nº 9.504/1997, que exclui o serviço não remunerado dos limites de gastos previstos na legislação eleitoral, não revelando, portanto, violação à normalidade do pleito;

n) o acórdão contabilizou duas vezes um mesmo militante – uma vez que “Fábio Parente” e “Fábio Luís Freire Parente” são a mesma pessoa;

o) foram devidamente esclarecidas todas as despesas com impulsionamento de conteúdo;

p) ao contrário do que entendeu o Tribunal de origem, o TSE possui a compreensão de que a configuração do ilícito do art. 30-A da Lei das Eleições exige a comprovação da ilegalidade qualificada, marcada pela livre vontade do candidato de evitar o efetivo controle pela Justiça Eleitoral a ponto de comprometer a normalidade do pleito, o que não ocorreu no caso;

q) ainda que se mantenha o entendimento do Tribunal a quo a respeito das irregularidades, trata-se de valores irrisórios no contexto da campanha, de modo que devem ser aplicados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para afastar a configuração do ilícito do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997;

r) “considerando que a LC 64/90 exige, sob pena de preclusão, o requerimento expresso contido em seu artigo 26-C, [...] desde logo deixa registrado que, caso o presente recurso não seja apreciado até o prazo de requerimento do registro de candidatura referente ao pleito de 2022, será oportunamente requerida, em caráter incidental, a suspensão dos efeitos do acórdão de condenação” (ID 157500464, fl. 35).

Ao final, requer o conhecimento e o provimento do recurso, a fim de que seja afastada a configuração do ilícito do art. 30-A da Lei das Eleições, mantendo-se hígido o diploma de deputado federal que lhe foi outorgado.

O segundo recorrente, em suas razões recursais (ID 157500469), sustenta, essencialmente, os mesmos argumentos apresentados pelo primeiro recorrente. Quanto aos recursos estimáveis em dinheiro, salientou que o candidato Carlos Gomes Bezerra era presidente regional do partido e subscreveu a prestação de contas de campanha do MDB em 2018, o que fragiliza a tese de que teria ocultado o recebimento de recursos dessa natureza.

Acrescenta que, caso mantido o entendimento pela configuração do ilícito, os votos do candidato cassado devem ser aproveitados para a legenda partidária, nos termos do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral.

Requer, ainda, a concessão de tutela de urgência para conferir efeito suspensivo ao recurso.

A Procuradoria Regional Eleitoral em Mato Grosso apresentou contrarrazões (ID 157500477), por meio das quais pediu a manutenção integral do acórdão recorrido.

Em 25.5.2022, indeferi a tutela de urgência pleiteada. A decisão ficou assim ementada (ID 157512843):

Eleições 2018. Recurso ordinário. Pedido de efeito suspensivo. Representação do art. 30-A da Lei das Eleições. Única sanção aplicável: cassação do diploma. Precedente. Inexistência de imposição de inelegibilidade. Efeito suspensivo ope legis intrínseco ao recurso ordinário que alberga, inclusive, o efeito secundário da inelegibilidade. ADPF nº 776. Nada há a deferir em relação à tutela de urgência pleiteada. Infodip. Banco de dados de acesso restrito. Manutenção do sigilo. Encaminhamento dos autos digitais à PGE para a emissão de parecer

A Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pelo provimento dos recursos, em síntese, por entender que (ID 157645428, fl. 15):

[...] não se apresentou, na espécie, a prova robusta da má fé [sic] em gastos configuradores de atos suficientemente graves para contundir o bem juridicamente tutelado na legislação. Não se demonstrou que a conduta imputada ostente a relevância jurídica exigida para a aplicação da sanção de cassação do diploma.

É o relatório. Passo a decidir.

Os recursos ordinários são tempestivos. O acórdão recorrido foi publicado em 11.4.2022, segunda-feira, e, considerando-se a Portaria nº 3 do TRE/MT, que estabeleceu o feriado da Semana Santa nos dias 13, 14 e 15.4, a protocolização dos recursos em 18.4.2022, segunda-feira, é tempestiva. Além disso, as petições estão subscritas por advogados devidamente constituídos nos autos digitais (IDs 157500100, 157500465, 157500409, 157500447 e 157500461).

Consoante relatado, no caso, questiona-se a regularidade de gastos da campanha eleitoral de Carlos Gomes Bezerra realizados com recursos do FEFC e a configuração do ilícito descrito no art. 30-A da Lei das Eleições.

Conforme as informações que se extraem dos autos digitais, Carlos Gomes Bezerra, ora recorrente, foi eleito para o cargo de deputado federal nas Eleições Gerais 2018, tendo obtido 59.155 votos e declarado em sua prestação de contas ter movimentado o total de R$ 1.883.972,35, sendo R$ 1.791.872,35 em recursos financeiros e R$ 92.100,00 em receitas estimáveis.

Do total de recursos arrecadados, R$ 1.591.600,00 tem origem pública (FEFC) e R$ 292.372,35, origem privada (outros recursos).

O processo de prestação de contas do recorrente tramitou sob o nº 0601354-69.2018.6.11.0000 e culminou com a desaprovação da contabilidade de campanha e com a determinação da devolução de R$ 293.916,68 ao erário.

No presente feito, o TRE/MT entendeu configurada a prática de captação/gasto ilícito de recursos financeiros, tendo imputado ao primeiro recorrente a responsabilidade por irregularidades na ordem de R$ 336.925,00.

As falhas estariam consubstanciadas na omissão de despesas com contratação de prestadores de serviço/atividade de militância, recebimento de material gráfico, impulsionamento de conteúdo, abastecimento e locação de veículos.

Para chegar à cifra final de R$ 336.925,00, o Tribunal a quo considerou o valor de R$ 1.000,00 por atividade de militância omitida e o valor de R$ 1.500,00 por veículo não declarado.

Assentadas essas premissas, passa-se ao exame do mérito recursal, analisando-se, em tópicos separados, cada uma das irregularidades imputadas ao recorrente.

- Da aquisição de combustível com a empresa Saga Comércio e Serviço Tecnologia e Informática Ltda., no valor de R$ 66.773,03, somada aos gastos com vinte e oito condutores dos veículos abastecidos que supostamente não foram declarados

Como bem frisou a PGE em seu parecer:

As supostas irregularidades, todavia, não se apresentam líquidas. Não se mostrou que a aquisição de combustíveis em si tenha sido imprópria. A despesa, além disso, foi devidamente declarada pelo candidato, que indicou o FEFC como fonte de custeio. (ID 157645428, fls. 9-10)

Com efeito, as despesas constam do item “2.11 Combustíveis e lubrificantes” do extrato de prestação de contas do candidato (ID 157500071, fl. 2), que declarou ter utilizado recursos do FEFC para custear tais gastos.

Quanto às vinte e oito pessoas, a Corte regional, subjetivamente, atribuiu o valor de R$ 1.000,00 para a remuneração de cada uma delas, o que implicou um acréscimo de R$ 28.000,00 ao total das irregularidades imputadas ao candidato ora recorrente, somando, então, R$ 94.773,03 em gastos não declarados.

Contudo, os recorrentes demonstraram se tratar de pessoas ligadas ao partido, militantes do MDB, como membros do diretório estadual, filiados à agremiação, simpatizantes e integrantes da fundação partidária, os quais prestaram serviços voluntariamente para a campanha (ID 157500372).

Como cediço, dispõe o art. 27 da Lei nº 9.504/1997 que é permitido a qualquer eleitor “[...] realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos à contabilização, desde que não reembolsados”.

No ponto, importa ressaltar a oportuna manifestação do primeiro recorrente no sentido de que, especialmente nos casos de eleições proporcionais, em que o quociente eleitoral é formado tanto por votos da legenda quanto por votos nominais, espera-se que pessoas ligadas à agremiação se apresentem para, voluntariamente, prestar serviços gratuitos às campanhas de seus correligionários, o que não configura ilegalidade.

Apesar de o art. 100-A, § 6º, da Lei das Eleições estabelecer que o trabalho de militância não remunerada não será considerado no cômputo do limite imposto pela legislação para contratação de pessoal, tal dispositivo não exime o prestador de contas do dever de declarar tal prestação de serviços como doação estimável em dinheiro.

No entanto, ainda que se considerasse o valor de R$ 1.000,00 elegido pelo Tribunal a quo para quantificar a remuneração dessa vinte e oito pessoas, a irregularidade atingiria a monta de R$ 28.000,00, o que é pouco relevante tendo em conta o total de recursos despendidos na campanha eleitoral – R$ 1.883.972,35.

- Da omissão de gastos com publicidade no valor de R$ 92.253,53

Conforme os documentos que constam dos autos (notas fiscais e imagens juntadas aos IDs 157500210 a 157500224), foi demonstrado que se trata de gastos com publicidade conjunta em favor, além do recorrente, de outros diversos candidatos, a saber: Mauro Mendes (governador); Fávaro (senador); Jayme (senador); Mylene Lustosa (deputada federal); Michelle Abreu (deputada estadual); Neguinha (deputado estadual); Elenilza Pereira (deputado federal); Silvano Amaral (deputado estadual); Valtenir (deputado federal); Dirceu Zanatta (deputado estadual); Rosangela Doda (deputado estadual); Careca da Van (deputado estadual); Pedro Satélite (deputado estadual); Dilmar Dal’Bosco (deputado estadual); e Janaina Riva (deputado estadual).

Nos termos do art. 28, § 6º, II, da Lei nº 9.504/1997, são dispensadas de comprovação, na prestação de contas, as

[...] doações estimáveis em dinheiro entre candidatos ou partidos, decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas do responsável pelo pagamento da despesa.

O art. 38, § 2º, da mesma Lei dispõe que:

Quando o material impresso veicular propaganda conjunta de diversos candidatos, os gastos relativos a cada um deles deverão constar na respectiva prestação de contas, ou apenas naquela relativa ao que houver arcado com os custos.

Vale ressaltar que a despesa foi submetida ao controle da Justiça Eleitoral, uma vez que declarada na prestação de contas do partido, tendo sido ali discriminado o beneficiário da propaganda (ID 157500434, fls. 9, 21, 51, 52, 83 e 87).

Ou seja, trata-se de gastos com material gráfico para publicidade conjunta de diversos candidatos do MDB, os quais foram registrados na contabilidade apresentada pelo partido, que os custeou.

Conforme a orientação desta Corte Superior:

[...] Nos termos do art. 28, § 6º, II c/c o art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, o registro de gastos relativos a material compartilhado de propaganda eleitoral deve ser feito na prestação de contas do responsável pela despesa, tratando–se de mera formalidade a declaração do recebimento deste tipo de doação na prestação de contas do candidato beneficiado. Precedentes.

2. O télos subjacente à norma insculpida no art. 28, § 6º, II, da Lei das Eleições é o efetivo controle dos gastos pela Justiça Eleitoral, o qual é concretizado no exame e na fiscalização da prestação de contas do candidato responsável pela realização da despesa com material de propaganda compartilhado

[...]

(AgR-REspEl nº 0607303-57/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 25.2.2021, DJe de 12.3.2021)

- Do abastecimento de cinquenta e cinco veículos não declarados na prestação de contas

O Tribunal a quo apontou irregularidade por omissão de gastos a partir da constatação de abastecimento, no valor de R$ 4.000,00, com a empresa Suelmei Campos Barbosa Eireli, de cinquenta e cinco veículos que não teriam sido declarados pelo candidato.

A Corte de origem atribuiu o valor de R$ 1.500,00 para a locação de cada veículo e de R$ 1.000,00 a título de remuneração individual para as duas pessoas responsáveis pela administração das despesas, o que resultou na conclusão de que o valor total da irregularidade seria de R$ 82.500,00.

Em primeiro lugar, saliento que o gasto com combustível no valor de R$ 4.000,00 foi comprovado por meio da Nota Fiscal nº 491-2 e declarado na prestação de contas de campanha do candidato (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2018/2022802018/MT/110000622434/integra/despesas, doc. 08.399.617/0001-33).

Em segundo lugar, com razão os recorrentes no sentido que, além de que as circularizações promovidas pela unidade técnica do TRE/MT terem apontado o abastecimento de quarenta e nove veículos, e não de cinquenta e cinco, como registra o acórdão regional, é frágil e inconsistente a metodologia utilizada pelo Tribunal a quo para atribuir valor às locações dos veículos, pois, naturalmente, por possuírem características distintas (carros, motos e outros sem identificação), igualmente distinta deveria ser a atribuição de valor à suposta locação de cada um deles.

Ainda, conforme reconhecido pelo próprio Tribunal regional (ID 157500451), as testemunhas arroladas pelo representante apontam para a ocorrência de falha na prestação de serviços, admitida pela testemunha Suelmei Campos, responsável legal pelo posto de combustível, no sentido de que, após finalizado o crédito de R$ 4.000,00 disponibilizado pela campanha para o abastecimento de três veículos, os funcionários do posto continuaram emitindo notas de gastos pessoais em nome do Sr. João Augusto de Arruda, apelido “Tito”, cliente do posto e representante informal da campanha na região, com o CNPJ da campanha de Carlos Gomes Bezerra.

Saliento que a análise dos cupons fiscais expedidos pela empresa contratada revela a aquisição de produtos diversos, não relacionados diretamente ao abastecimento de veículos – cigarro, isqueiro, óleo, lubrificante hidráulico –, circunstância que confere credibilidade aos depoimentos das testemunhas no sentido de que teria havido erro, por parte de funcionários, no relacionamento de despesas pessoais no CNPJ da campanha de Carlos Gomes Bezerra.

Aqui, mais uma vez, convém destacar o eloquente e oportuno registro feito pela PGE em seu parecer (ID 157645428, fl. 12):

Não obstante a articulação de indícios se revele fundamental para a equação de casos sob a ótica do art. 30-A da Lei 9.504/97, notadamente porque as práticas nessa seara tendem ao soterramento de provas diretas, há que se ressaltar, com a jurisprudência do TSE, que “o reconhecimento do ilícito ‘requer a presença de indícios múltiplos, graves, concordantes e consistentes” – circunstância que não se mostra presente na espécie.

- Das irregularidades no valor de R$ 56.398,54, referentes a notas fiscais cujas despesas não foram declaradas, em cujo montante estaria compreendida a contratação de impulsionamento de conteúdo na rede social Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., no valor de R$ 21.187,78

Quanto ao ponto, possui respaldo, nas provas dos autos, a alegação do candidato de que contratou a empresa Tipo Agência de Publicidade Ltda. ME, pelo valor de R$ 180.000,00, para realizar serviços de publicidade na internet, dentre os quais o de impulsionamento de conteúdo da campanha.

De fato, a contratação da empresa Tipo Agência de Publicidade Ltda. ME foi declarada na prestação de contas do candidato e a nota fiscal correspondente a esse contrato discrimina o serviço de impulsionamento de conteúdo nas redes sociais como um dos objetos da avença (ID 157500464, fl. 30).

Em tempo, quanto à despesa com locação de veículo no valor de R$ 8.000,00, com Otoniel Bezerra de Araújo, trata-se de gasto devidamente comprovado, conforme o documento de ID 157500330, fls. 1 a 4.

Portanto, do valor total das irregularidades apontadas pelo acórdão regional (R$ 336.925,00), os recorrentes foram capazes de demonstrar a ausência de ilicitude em relação a, ao menos, R$ 215.425,00 desse montante – gastos com impulsionamento de conteúdo, gastos com combustível e locação de veículos e gastos com material gráfico de publicidade.

Quanto ao valor restante, na monta de R$ 121.500,00, bem destacou a PGE que (ID 157645428, fls. 14-15):

[...] é forçoso admitir dúvida razoável quanto à exatidão do quantitativo de R$ 82.500,00. Da mesma sorte, no que concerne ao R$ 9.000,00 gastos com hospedagem e locação, houve duplicidade no cômputo de Fábio Parente, e quanto aos R$ 2.000,00 de prestadores de serviços, foi considerado Magno Mendes de Arruda (que consta como coordenador de campanha declarado na prestação de contas).

Do exposto, os fatos motivadores da deliberação final da Corte Regional não subsistem em sua integralidade. Mostram-se debilitados os argumentos fundamentos [sic] expostos na origem para a procedência da representação baseada no permissivo do art. 30-A da Lei 9.504/97.

[...]

Decerto que não se apresentou, na espécie, a prova robusta da má fé [sic] em gastos configuradores de atos suficientemente graves para contundir o bem juridicamente tutelado na legislação. Não se demonstrou que a conduta imputada ostente a relevância jurídica exigida para a aplicação da sanção de cassação do diploma.

Efetivamente, no caso, diante de dúvida razoável a respeito da ilicitude de grande parte das irregularidades imputadas pela Corte de origem ao primeiro recorrente, bem como a respeito da constatação de má-fé em sua conduta, não é razoável concluir ter havido movimentação ilícita de recursos apta a macular a lisura do pleito e, consequentemente, a levar à cassação do diploma de deputado federal outorgado pela vontade popular. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior:

[...] Para a configuração do ilícito do 30-A da Lei 9.504/1997 é necessário prova robusta de arrecadação ou dispêndio vedados, com gravidade suficiente – marcada pela má-fé – para macular a lisura do pleito e o equilíbrio entre os candidatos. Precedente.

[...]

(AgR-RO-El nº 0601468-61/TO, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 5.4.2021, DJe de 15.4.2021)

Percebe-se, ainda, que destoa da jurisprudência desta Corte o entendimento assentado no acórdão regional de que (ID 157500453):

[...] para aplicar uma sanção decorrente da captação e gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei de Eleições) é despicienda a prova da responsabilidade subjetiva do candidato, à [sic] qual já se encontra presumida na legislação eleitoral, especificamente no art. 17 da Lei nº 9.504/97.

Na linha do precedente supracitado, a jurisprudência do TSE é firme no sentido de que a má-fé é requisito indispensável para a condenação com base no art. 30-A da Lei das Eleições. Nesse mesmo sentido, cito outros precedentes: AgR-RO nº 0600005-07/SE, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 15.9.2020, DJe de 28.9.2020; RO nº 2650-41/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 5.4.2017, DJe de 8.5.2017.

Ante o exposto, com base no art. 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, dou provimento aos recursos ordinários, para reformar integralmente o acórdão regional e julgar improcedente a representação.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 29 de junho de 2022.

 

 

Ministro Mauro Campbell Marques

Relator

 

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