A juíza da Comarca de Poconé (104 km de Cuiabá), Kátia Rodrigues Oliveira manteve a prisão de F.L.D.S. e A.P.P., tios da pequena Maria Vitória Lopes dos Santos, 2 anos e 7 meses, que morreu em 08 de novembro de 2021, no Pronto-Socorro de Várzea Grande, vítima de maus-tratos e abuso sexual, praticados supostamente pelo casal - pais adotivos da menor. A sentença foi proferida nessa terça (12.04), em Ação Penal Pública Incondicionada movida pelo Ministério Público do Estado.
A juíza também determinou que os tios devem ser pronunciados para serem submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri pela prática do crime de homicídio qualificado praticado contra a vítima Maria Vitória Lopes dos Santos, tendo em vista que se encontram presentes nos autos os pressupostos da sentença de pronúncia.
“Ante o exposto, pronuncio FLDS e APP, qualificado nos autos, o que faço com fulcro assente no artigo 413, do Código de Processo Penal, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, inciso I, III, IV e VI do Código Penal; artigo 217-A c/c art. 71, ambos do CP, por no mínimo 16 vezes; artigo 1°, inciso II, §3°e §4° da Lei 9.455/1997” decidiu.
Conforme o advogado da família, Jonatas Peixoto, a família clama apor justiça. "O pai da criança anseia por justiça no Tribunal do Júri, em que os jurados sensibilizados pelo sofrimento da família e conscientes do sofrimento da criança promoverão justiça com a condenação dos acusados", diz.
A ação imputa aos tios as práticas dos crimes de homicídio qualificado; estupro de vulnerável e tortura, previstos no artigo 121, §2º, inciso I, II, IV, VI do Código Penal; artigo 217-A c/c art. 71, ambos do CP, por no mínimo 16 vezes; artigo 1°, inciso II, §3° da Lei 9.455/1997 – respectivamente. Leia matéria relacionada - Morre no Pronto-Socorro de VG criança de dois anos que sofreu maus-tratos pelos tios
Ao analisar o mérito da ação, a magistrada destacou que a materialidade delitiva restou devidamente comprovada nos autos, por meio do Inquérito Policial, Auto de Prisão em Flagrante, Boletim de Ocorrência, Termo de Depoimento, Relatório de Investigações, Ficha de Atendimento, Certidão de Nascimento, Certidão de Óbito, Laudo Pericial - Exame de Corpo de Delito e Práticas Libidinosas, fotos tiradas da Unidade Hospitalar, Laudo Pericial Local do Crime, Laudo Pericial Necrópsia e Relatório Policial, qual corrobora os depoimentos das testemunhas e confissão parcial da tia constante nos autos.
Ainda, citou as provas colhidas em juízo, resguardando o direito da ampla defesa e contraditório, bem como o devido processo legal.
Ao ser interrogado, o tio negou a autoria dos fatos, aduzindo em síntese apenas que a sua companheira (A.P.P.) estaria armando contra si, para ficar com seus bens, seguro de vida e carros. Relatou que ela era quem batia na criança, e que não viu os hematomas da menor, e quando a criança se machucava estava sobre os cuidados da A.P.P..
Já A.P.P., tanto em esfera extrajudicial quanto em juízo relata o acontecido. Afirmando que FLDS ficava a maior parte do tempo com a criança e que só saia de casa/residência com a vítima quando ele deixava. Ainda, relata que ele dormia mais cedo e entrava com a criança para o quarto e pelo menos duas vezes na semana ouvia a criança chorando muito e gritando “DÓI, DÓI, PARA, PARA”!, e que no outro dia achava sangue nas fraldas, calcinha ou na criança quando iria dar banho. Ela sustenta que o réu é estressado e batia na criança, com uma corda vermelha, bem como já chegou de usar a corda para enforcar a vítima, e que quando a criança quebrou a clavícula e o fêmur o FLDS é quem estava olhando ou perto da criança.
Com tudo, ambos negam que tenham matado a vítima. A tia somente alega que viu a criança caída de bruços no chão com a boca espumando e que nesse momento chamou o marido, o qual pediu para lavar/ dar banho na criança e foi guardar o leite para não estragar, e após levar a criança para o hospital.
Segundo a magistrada, a versão de que a vítima Maria Vitória caiu da cama é evasiva, sendo que a testemunha médica Antônia, e laudo juntado nos autos, mostraram que a lesão é incompatível com o que os réus relataram.
“Verifica-se ainda que a ré A., conforme narrado pelas testemunhas Conselheiras Tutelares, a mesma levava a vítima em para sede do conselho, após o conselho não conseguir fazer as visitas na residência dos réus. Já as testemunhas ouvidas em juízo, relataram e apontaram indícios contra os (a) acusados (a), sendo assim, não há que se falar em ausência de indícios contra os réus” cita decisão.
A juíza cita ainda que os depoimentos prestados pelas testemunhas são harmônicos entre si, não havendo divergências relevantes sobre os fatos imputados aos acusados, até porque condizentes com as declarações esboçadas em solo policial, relatórios, entre outros. “Desse modo, havendo indícios da prática de crime doloso contra a vida praticado pelos (a) acusados (a) e inexistindo, nos autos, elementos a apontar a prática de crime diverso da competência do Tribunal do Júri, não há que se falar em impronúncia. Tampouco é o caso de absolvição sumária. Não se pode olvidar, também, que não cabe ao juiz singular a análise profunda da prova dos autos, por ocasião da sentença de pronúncia” diz.
Conforme a juíza, a sentença de pronúncia não encerra um juízo de condenação, mas tão somente de admissibilidade da acusação. “Toda a matéria será apresentada ao órgão julgador competente, no caso, o Tribunal Popular, para que este profira decisão a respeito. E perante o Conselho de Sentença poderá ser deduzida toda e qualquer tese de defesa, bem como produzida prova, não só pela douta defesa, mas, também, pela acusação. Destaque-se que, na primeira fase do procedimento do júri, apenas se realiza o juízo de admissibilidade da acusação, oportunidade em que vigora o princípio in dubio pro societate. Por tais motivos e considerando que, no procedimento escalonado do Júri, em sua primeira fase, que se trata de mero juízo de admissibilidade da acusação, no qual não impera o princípio do favor rei, bastando para a pronúncia a materialidade e indícios de autoria do crime, é que o réu deve ser pronunciado e levado a plenário para julgamento pelo Tribunal Popular. Logo, caberá ao Conselho de Sentença a análise da credibilidade dos depoimentos prestados, bem como a análise do dolo do agente, já que nessa fase, inaplicável o princípio in dubio pro reo” trecho da decisão.
A magistrada conclui: “Diante das evidências constatadas pelas provas apuradas no bojo dos autos, e escorado no princípio da livre convicção, motivada pela persuasão racional, aliada a provas colhidas em extrajudicial e judicial, entendo suficientemente comprovadas a materialidade e autoria do crime de estupro de vulnerável em continuidade delitiva e o crime te tortura, conforme a peça acusatória”.
A magistrada também manteve a prisão preventiva dos acusados. Segundo ela, após criteriosa análise dos autos verificou “que subsistem os requisitos para manutenção da segregação preventiva dos (a) increpado (a), eis que da data da decretação da prisão preventiva, não ocorreram fatos que motivem sua revogação, a considerar a pratica o fato de que este tirou a vida de alguém aparentemente com emprego de violência, o que demonstra sua periculosidade, e ainda os (a) mesmo (a) será submetido ao Tribunal do Júri”.
Ela ressalta que a gravidade dos fatos, grande numero de testemunhas que ainda podem ser ouvidas no Tribunal do Júri, torna a demanda complexa, o que reforça a necessidade de segregação dos acusados pela conveniência da instrução processual e garantia da ordem publica e da aplicação da lei penal.
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