A juíza da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular, Celia Regina Vidotti, extinguiu pedido de protesto judicial do Ministério Público, que tentava reaver R$ 1,9 milhão de propina paga na gestão do ex-governador Silval Barbosa, entre julho e dezembro de 2014, em troca de incentivos fiscais.
De acordo com o pedido do MPE, o protesto teria a pretensão de interromper o prazo de prescrição previsto no artigo 23, I, da Lei 8.429/92 – que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato. O artigo e paragrafo citados estipulam que as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas na lei podem ser propostas até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança.
O MPE alega que o protesto judicial iria prevenir futura responsabilidade de Silval, Pedro Nadaf; Marcel de Cursi; Francisco Gomes de Andrade Lima Filho; Antônio da Cunha Barbosa Filho; Vale Grande Indústria e Comércio de Alimentos S/A (representada por Milton Luis Bellincanta), em razão de suposta fraude e prática de ato de improbidade administrativa, por afronta aos princípios da administração pública.
Ainda, com o protesto, o MPE pretende, também, manifestar a intenção de ingressar futuramente com a Ação Civil de Responsabilidade por Ato de Improbidade Administrativa.
Segundo o órgão ministerial, o inquérito instaurado em 2017, ainda se encontra sob apuração a prática, em tese, de ato de improbidade administrativa, decorrente de suposta fraude envolvendo todos os requeridos, empresas e os agentes públicos, quando da realização de contratos com o Governo do Estado de Mato Grosso.
De acordo com o MPE, “agentes públicos do governo do Estado de Mato Grosso atuaram por intermédio de uma “organização criminosa” para o recebimento de vantagem indevida, “propina”, quando ofereceu a redução da alíquota de ICMS incidente nas operações comerciais realizadas pela empresa Frialto, “travestida” como operação realizada pela Nortão Industrial de Alimentos Ltda. e, assim articularam toda a trama de benefícios fiscais, em total desacordo com a legislação vigente à época”. O MÈ explica que devido a necessidade de ainda realizar varias diligências para esclarecer os fatos, fez-se necessário o ajuizamento do protesto judicial, com o objetivo de interromper o prazo prescricional previsto, que ocorreu em 31 de dezembro de 2019.
“O protesto judicial é um dos meios hábeis a obstar a ocorrência da prescrição da ação civil de responsabilidade pelos atos ímprobos”, cita o MPE ao descrever os atos em tese praticados pelos requeridos e, ao final, pleiteou que seja efetivada a intimação pessoal de todos os requeridos, para que tomassem ciência formal da interrupção do prazo prescricional da ação de responsabilidade por ato de improbidade, sobre a responsabilidade destes em relação aos fatos descritos e sobre a demonstração formal da sua intenção em ajuizar a ação de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa, tão logo finalizadas as investigações.
Vidotti chegou a receber a em 19 de dezembro de 2019, tendo sido determinada a notificação dos denunciados. No entanto, em decisão proferida nessa semana, a juíza enfatiza que: “Diante da distribuição de outros processos, com objetivo semelhante a este, ao juízo Titular I desta Vara Especializada, Bruno D’Oliveira Marques, verifico a necessidade de mudar meu posicionamento anterior, visando resguardar a equidade e isonomia entre as decisões proferidas neste juízo e, especialmente, após analisar os fundamentos contidos nas decisões do referido juízo, em ações com o mesmo pedido e causa de pedir, do qual adotarei em minhas futuras decisões sobre o tema”.
Assim, a magistrada chamou o feito à ordem e, revogou a decisão que havia aceitado a ação. “Na oportunidade, passo a demonstrar as razões do meu novo posicionamento. Esclareço, primeiramente, que há a existência de jurisprudência admitindo o cabimento da ação de protesto judicial, com o fim específico de se interromper a prescrição em ações de improbidade administrativa, pois, por isso, num primeiro momento, acatei os argumentos do requerente. Contudo, outros fatos relevantes devem ser considerados, pois não obstante a doutrina majoritária entenda que a ação de improbidade administrativa tem natureza cível, o art. 12, da Lei nº 8.429/92, ao tratar “das penas” pela prática do ato ímprobo, é heterogêneo, uma vez que impõe cominações que alcançam não só a pretensão referente ao ressarcimento, como também a outras sanções como: perda da função pública; a suspensão de direitos políticos; proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, além de multa civil” explica a juíza.
Conforme Vidotti, as cominações de cunho não ressarcitório, mesmo tendo natureza civil, ou seja, aquelas que não visam à perda dos bens e/ou valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio ou o ressarcimento integral dos danos causados ao erário, tratam-se de cominações sancionatórias, de caráter nitidamente repressivo.
Ela cita entendimentos de que “consumada a prescrição, não há mais ensejo para que os legitimados deduzam a sua pretensão condenatória de improbidade, ressalvada, é claro, a hipótese de ressarcimento de prejuízos, que espelha pretensão imprescritível”.
A magistrada reforça que o MPE ajuizou a ação de protesto judicial, com o único objetivo de interromper a prescrição do prazo previsto no artigo 23, inciso I, da Lei Federal nº 8.429/92. E segue justificando: “Conforme exposto na inicial, o requerido Silval da Cunha Barbosa ocupou cargo eletivo até o final do ano 2014, assim como os requeridos Pedro Jamil Nadaf e Marcelo Souza de Cursi também ocuparam cargo comissionado até a mesma data, bem como o requerido Francisco Gomes de Andrade Lima Filho, exerceu função de Procurador do Estado, razão pela qual “o prazo prescricional para o ajuizamento de ação civil de responsabilidade pelos atos ímprobos a eles imputados findará em 31 de dezembro de 2019.”
A mesma situação de prescrição, segundo Vidotti, se verificaria em relação às empresas que firmaram contratos com o Governo do Estado de Mato Grosso, e seus respectivos representantes legais. “Outro aspecto a ser considerado, é que de acordo com a legislação em vigor, ressalvado o caso de ressarcimento ao erário, contemplando o descrito no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, a prescrição se trata de instituto indispensável à segurança jurídica, na medida em que nenhum indivíduo deve ficar à mercê de ações judiciais e/ou administrativas por tempo indeterminado” explica.
Para Vidotti, “é certo que para o ajuizamento da ação improbidade, há a possibilidade de ter-se apenas de indícios da prática do ato ímprobo, podendo assim, a parte autora ingressar diretamente com a ação principal, ao invés de ajuizar esta ação”.
“Assim, revendo minha decisão inicial para entender que o protesto judicial é incabível para interromper a prescrição no âmbito da improbidade administrativa, revogo a decisão lançada no id 27601482. Por consequência, uma vez ausente o interesse de agir, no binômio necessidade/adequação da via processual eleita, em face da situação de fato e dos pedidos apresentados, julgo extinto o presente feito, sem resolução de mérito, na forma do art. 485, VI, do CPC. Recolham-se os mandados de notificação expedidos, independentemente de cumprimento. Caso tenha sido publicado edital para conhecimento de terceiros, publique-se novo edital, tornando o anterior sem efeito. Preclusa a via recursal, intime-se os requeridos do trânsito em julgado da sentença (art. 331, § 3º do CPC)” diz decisão.
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