O ano de 2024 levou o Judiciário mato-grossense às páginas policiais, que resultou no afastamento de dois desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) por suposto envolvimento em um esquema de venda de sentenças. Os magistrados alvos estão sendo monitorados por tornozeleira eletrônica até o fim da apuração.
O suposto esquema, conforme investigações da Polícia Federal, envolve uma quadrilha formada por advogados, lobistas e servidores, que atuaram inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ligada ao gabinete de quatro ministros daquela Corte.
A investigação, guardada sob o máximo sigilo na PF, em Brasília, partiu de mais de 3.500 arquivos armazenados no telefone do advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023 em uma emboscada, em Cuiabá.
O acervo revelou em detalhes como eram feitas as negociações da venda de decisões judiciais no Judiciário de Mato Grosso, em outros Estados e até no STJ, no qual apareceu como figura chave das “negociatas” o empresário de Várzea Grande, Andreson de Oliveira Gonçalves, que, conforme a PF, figura como o “lobista”. Em sucessivos áudios, Andreson relatou suposta pressão dos servidores do STJ para receber dinheiro pelas sentenças encomendadas.
Afastamento dos desembargadores
Em agosto deste ano, os desembargadores do TJMT, Sebastião Moraes e João Ferreira Filho, foram afastados das suas funções por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com o relatório da Polícia Federal, os magistrados são acusados de receber vantagens financeiras em troca de decisões judiciais.
Documentos revelaram que o desembargador João Ferreira Filho teve contatos e diálogos intensos e rotineiros com o advogado Roberto Zampieri, indicando, principalmente, solicitações e recebimentos de vantagens financeiras indevidas. Um dos trechos cita que, em novembro de 2023, Zampieri mencionou entregar um relógio de luxo da marca Patek Philippe ao desembargador como possível vantagem: "Eu vou levar esse para o senhor ver, amanhã ou sexta", escreveu ele a João Ferreira Filho.
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Além disso, consta no relatório que, em 16 de novembro de 2023, após um despacho favorável do desembargador, Zampieri questionou o advogado, Flaviano Kleber Taques Figueiredo (também alvo da investigação) sobre o pagamento: "Consegue os 250 para amanhã?". Poucos dias depois, uma transferência de R$ 150 mil foi confirmada, com o restante combinado para a semana seguinte.
Bens de luxo também teriam sido utilizados como moeda de troca. Segundo os autos, em agosto de 2023, mensagens entre Zampieri e o empresário Valdoir Slapak indicaram a intenção de presentear João Ferreira com outro relógio de luxo.
Já em relação ao desembargador Sebastião de Moraes Filho, os diálogos interceptados destacaram a proximidade do magistrado com Roberto Zampieri. Em setembro de 2023, Zampieri mencionou que Sebastião havia solicitado vista em um processo envolvendo um empresário. Para assegurar decisão favorável, Zampieri afirmou que foi necessário "acomodar o filho dele" em um contrato de prestação de serviços advocatícios. O contrato, avaliado em R$ 12 milhões, reforçaria os indícios de troca de favores entre o magistrado e o advogado.
O relatório da Polícia Federal trouxe mensagens que revelaram negociações envolvendo barras de ouro e pagamentos diretos. Em novembro de 2023, Zampieri enviou ao desembargador Sebastião a imagem de barras de ouro de 400 gramas, sugerindo que poderiam ser incluídas em uma transação.
Em outro trecho do documento, cita diálogo de setembro de 2023, no qual indicou pagamentos direcionados ao filho do desembargador, com Zampieri afirmando que "o filho do velho" recebeu R$ 200 mil para assegurar que outro pedido judicial fosse priorizado.
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Além disso, o inquérito revelou que Zampieri possuía acesso privilegiado a decisões e movimentações processuais do gabinete de Sebastião de Moraes. Em diversas mensagens, o advogado discutiu diretamente com interlocutores sobre decisões planejadas pelo magistrado.
Operação no Judiciário de MT
Em 26 de novembro, a Polícia Federal deflagrou a Operação Sisamnes para aprofundar as investigações sobre o suposto esquema de vendas de sentenças judiciais no Tribunal de Justiça.
Os desembargadores Sebastião Moraes e João Ferreira Filho foram alvos de outra ordem de afastamento, além de um servidor do TJMT. O principal alvo da operação foi o empresário Andreson de Oliveira Gonçalves, que foi preso preventivamente – é importante citar que, em outubro, o empresário foi alvo de buscas na Operação Ultima Ratio, que apurou esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A investigação da PF deflagrada com a Operação Ratio apurou que a empresa Florais Transportes, administrada pelo empresário, transferiu R$ 1,1 milhão ao advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, que também é investigado por negociar decisões junto a desembargadores. A PF suspeita que o montante tenha sido repassado para a compra de sentenças.
A operação resultou ainda no afastamento de três servidores do Superior Tribunal de Justiça suspeitos de integrarem o suposto esquema de venda de decisões judiciais.
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Afastamento Juiz de MT
O juiz de direito Ivan Lúcio Amarante, da comarca de Vila Rica, a 1.266 km de Cuiabá, foi afastado de suas funções pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 11 de outubro. Ele é investigado por suspeita de recebimento de vantagens indevidas, em um possível esquema de venda de decisões.
Em sua decisão, o corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, apontou a existência de "indícios suficientes para que se leve a cabo uma investigação mais consentânea com a gravidade dos fatos narrados".
Ao analisar o caso no plenário do CNJ, o presidente do órgão e do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a decisão se baseou "numa incomum proximidade entre o magistrado e um falecido advogado, e uma suspeita razoavelmente fundada de que recebia vantagens indevidas".
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