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Política Quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2013, 17:44 - A | A

Quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2013, 17h:44 - A | A

Acusado de homicídio culposo, Campos Neto, é absolvido pelo STJ por falta de provas

por Thaiza Assunção/VG Notícias

 

Por unanimidade, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente a ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-deputado estadual e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), Gonçalo Domingos de Campos Neto, por homicídio culposo no trânsito.

Conforme a denúncia enviada ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso em 2006, no dia 13 de setembro de 2003, Campos Neto colidiu seu carro, uma Mitsubishi Pajero com uma motocicleta Honda CG-125, causando a morte do piloto, Milton César de Carvalho, no bairro Ipase, em Várzea Grande. A perícia acusou Campos Neto como responsável pelo acidente e, consequentemente, pela  morte  do  condutor  da motocicleta.

Na época, Campos Neto apresentou resposta à acusação e negou que estava em alta velocidade. Ele afirmou não ter visto a vítima, e que a visão da via em que a vítima trafegava era obstaculizada por um  muro, razão pela qual, adentrou pela avenida e somente viu a motocicleta quando esta colidiu.

Em 2009 a denúncia foi encaminha ao STJ, porque Campos Neto tornou-se conselheiro do TCE, e com isso ganhou foro privilegiado. A defesa dele solicitou ao STJ que o laudo pericial fosse considerado “imprestável” ou “nulo”, mas a proposta foi rejeitada pelo relator do caso, ministro Humberto Martins.

No entanto, nas alegações finais, o MPF recomendou a absolvição de Campos Neto por falta de provas. "A despeito de a denúncia narrar fortes indícios de materialidade do delito, supostamente praticado pelo réu, o conjunto probatório produzido não é capaz de apontar, de forma clara e específica, sua culpa na conduta que lhe é imputada. Apesar de concluir pela culpa do réu, o laudo pericial não deve prevalecer, pois os próprios peritos constataram que o local era inidôneo. Além disso, os peritos concordaram que a velocidade da Pajero poderia ser menor do que 35 quilômetros por hora” diz trecho do documento enviado pelo MPF ao STJ.

O STJ acatou a decisão e absolveu Campos Neto. “A imputação de conduta imprudente, que na denúncia vem caracterizada pela condução de veículo em velocidade incompatível para a via, não restou confirmada pela prova pericial. Verifica-se que a prova testemunhal colhida tampouco se presta a demonstrar que o acusado tenha efetivamente violado o dever de cuidado objetivo na condução de veículos automotores”,  diz trecho do voto do relator, ministro Humberto Martins.

O relator observou ainda, em decisão proferida em dezembro último, que as afirmações elaboradas na denúncia não foram confirmadas pelos elementos colhidos durante a instrução processual.

“Ante o  exposto,  valendo-me  da  manifestação  ministerial,  bem  assim, alicerçando o meu entendimento nas lições do eminente e saudoso Ministro desta Corte, voto  no sentido  de  absolver  o  réu  da  prática  do  crime  imputado  na  denúncia,  por evidente falta de provas” escreveu Martins, absolvendo Campos Neto por falta de provas.

 

Veja decisão na íntegra:

 

AÇÃO PENAL Nº 593 - MT (2009?0181024-8)

 

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
RÉU : G D DE C N
ADVOGADO : DARLÃ MARTINS VARGAS

 

EMENTA
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. ESCLARECIMENTOS AO LAUDO PERICIAL ASSINADO POR UM ÚNICO PERITO OFICIAL. VALIDADE. FALTA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO.
1. Mesmo quando o art. 159 do CPP, com a redação dada pela Lei 8.862?94, exigia que o laudo fosse assinado por dois peritos oficiais, não gerava nulidade o fato de serem os esclarecimentos ao laudo pericial assinados por um único perito oficial.
2. A condenação pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor requer a demonstração, acima de uma dúvida razoável, de que o acusado violou o dever de cuidado objetivo, norma geral que fundamenta a proibição de resultados lesivos decorrentes da execução inadequada de ações socialmente perigosas, como é o trânsito de automóveis.
3. Não fornecendo a prova produzida elementos suficientes para efetivamente demonstrar que uma  conduta culposa do acusado tenha sido a causa da morte da vítima, a absolvição do acusado é medida que se impõe.
Ação penal julgada improcedente, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE Especial do Superior Tribunal de Justiça: A Corte Especial, por unanimidade, julgou improcedente a ação penal, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Raul Araújo, Sebastião Reis Júnior, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho.
Licenciado o Sr. Ministro Gilson Dipp, sendo substituído pelo Sr. Ministro Jorge Mussi.
Convocados os Srs. Ministros Raul Araújo e Sebastião Reis Júnior.
Esteve presente, dispensada a sustentação oral, o Dr. Darlã  Martins Vargas, pelo réu.
Brasília (DF), 17 de dezembro de 2012(Data do Julgamento).
MINISTRO FELIX FISCHER
Presidente
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator
AÇÃO PENAL Nº 593 - MT (2009?0181024-8) (f)

 

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
RÉU : G D DE C N
ADVOGADO : DARLÃ MARTINS VARGAS

 

RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
Trata-se de processo-crime em que o Ministério Público Federal imputa a GONÇALO DOMINGOS DE CAMPOS NETO a prática do crime previsto no art. 302 do Código Brasileiro de Trânsito (Lei 9.503?87).
Segundo narra a denúncia, por volta das 14h30 do dia 13.9.2003, o réu, conduzindo sem a devida cautela um veículo Mitsubishi Pajero, placa DEH-9727?MT, teria abalroado a motocicleta Honda CG-125, placa JZA 0604?MT, conduzida por MILTON CÉSAR DE CARVALHO, causando-lhe a morte.
Aduz a denúncia que o acusado dirigia seu veículo “em velocidade incompatível para a via, chegando ao final da via local, em ato contínuo, avançando a sinalização de parada obrigatória, adentrou na via coletora, interceptando a trajetória da motocicleta pilotada pela vítima, lhe causando os ferimentos letais descritos no laudo Pericial”.
Notificado, o acusado apresentou resposta à acusação, na qual impugnou o laudo pericial e afirmou que a acusação desconsiderou os depoimentos prestados pelas testemunhas oculares do fato, alegando, ainda, ter havido culpa exclusiva da vítima, que trafegava em velocidade superior à permitida.
A denúncia foi recebida em 26.10.2012 pelo órgão especial do TJ?MT, dado que, à época, o acusado ocupava o cargo de Deputado Estadual em Mato Grosso.
Em seu interrogatório, o acusado afirmou serem verdadeiros os fatos, mas alegou não ter visto a vítima trafegando com sua moto pela via secundária, apenas tendo avistado um automóvel ainda distante. Aduziu que no local a visão da via em que trafegava a vítima é obstaculizada por um muro, razão pela qual adentrou a via e somente viu a motocicleta quando esta colidiu com a porta do veículo por ele conduzido. Afirmou, ainda, que trafegava em baixa velocidade, pois sabia que a via em que iria entrar era a preferencial, e, além disso, havia saído de uma casa distante cerca de 200 metros da esquina onde ocorreu o acidente.
Às fls. 585?586, o acusado apresentou defesa prévia, em que arrolou testemunhas.
Inquirida a testemunha Gilmar Lopes da Fonseca, arrolada pela acusação (fl. 733).
Em 17.6.2009, ante a constatação de que o acusado fora empossado no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas de MT, foi declinada a competência em favor do STJ.
O Ministério Público Federal, pelo Subprocurador-Geral da República, ratificou os atos praticados e requereu a desistência da inquirição das testemunhas Admilson Barddal Vieira e Waldir Cardoso Resende Júnior, não localizadas.
Inquiridas as testemunhas de defesa Dario Francisco da Silva (fl. 804), Oscar da Costa Ribeiro, Odorico Raimundo da Costa e Ramon Monteagudo (fl. 810) e Cléber da Costa Soares (fl. 879). A testemunha Sérgio Ricardo, deputado estadual, apresentou declaração escrita informando somente ter tomado conhecimento dos fatos por meio da imprensa (fl. 827).
O Ministério Público informou não ter interesse na realização de diligências complementares. Intimada para esta finalidade, a defesa deixou escoar o prazo in albis.
Em alegações finais, o MPF requereu a absolvição do acusado, por falta de provas. Afirma o Parquet:
"A despeito da denúncia narrar fortes indícios de materialidade do delito, supostamente praticado pelo réu, o conjunto probatório produzido não é capaz de apontar, de forma clara e específica, sua culpa na conduta que lhe é imputada  [...] verifica-se que as duas testemunhas que presenciaram o fato afirmaram que a causa do acidente foi o excesso de velocidade do motociclista, que dirigia sem o capacete, o que poderia ter evitado sua morte. [...] Apesar do laudo pericial concluir pela culpa do réu, não deve prevalecer pois os próprios peritos constataram que o local era inidôneo [...] Além disso, na impugnação ao laudo os peritos concordaram que a velocidade da Pajero poderia ser menor do que 35 km?h (fls. 169-TJ).
Assim, tendo em vista o depoimento harmônico das duas testemunhas que presenciaram os fatos, do local da perícia ser inidôneo, pois o outro veículo estava prestando socorro à vítima, por não se ter certeza quanto à velocidade dos veículos envolvidos, e principalmente pela dinâmica do acidente que, ao que parece, ocorreu quando o veículo do réu já tinha entrado na via principalsendo colhido pela moto que vinha em alta velocidade, deve ser afastada a condenação do acusado por falta de provas suficientes para tanto."
A defesa, em suas alegações finais, requereu a absolvição do réu, alegando que a denúncia baseou-se em laudo pericial controverso, dado que os próprios peritos reconheceram que o local era inidôneo para o exame e, ante a impugnação ao laudo feita pela defesa, retrataram-se quanto à velocidade do veículo do acusado. O laudo seria, ainda, imprestável, dado que a resposta à impugnação da defesa fora firmada por um único perito. Aduz, ainda, que as testemunhas presenciais inquiridas foram unânimes em afirmar que houve culpa exclusiva da vítima, que trafegava sem capacete e em alta velocidade.
Os autos foram encaminhados ao revisor, nos termos do art. 237 do RISTJ.
É, no essencial, o relatório.
AÇÃO PENAL Nº 593 - MT (2009?0181024-8) (f)
EMENTA
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. ESCLARECIMENTOS AO LAUDO PERICIAL ASSINADO POR UM ÚNICO PERITO OFICIAL. VALIDADE. FALTA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO.
1. Mesmo quando o art. 159 do CPP, com a redação dada pela Lei 8.862?94, exigia que o laudo fosse assinado por dois peritos oficiais, não gerava nulidade o fato de serem os esclarecimentos ao laudo pericial assinados por um único perito oficial.
2. A condenação pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor requer a demonstração, acima de uma dúvida razoável, de que o acusado violou o dever de cuidado objetivo, norma geral que fundamenta a proibição de resultados lesivos decorrentes da execução inadequada de ações socialmente perigosas, como é o trânsito de automóveis.
3. Não fornecendo a prova produzida elementos suficientes para efetivamente demonstrar que uma  conduta culposa do acusado tenha sido a causa da morte da vítima, a absolvição do acusado é medida que se impõe.
Ação penal julgada improcedente, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
De início, cumpre afastar as alegações da defesa quanto à nulidade do laudo pericial por ter sido assinado por um único perito. Com efeito, a análise dos autos demonstra que o Laudo Pericial n. 02-07-004100?2003, acostado às fls. 71?130, foi firmado por dois peritos oficiais, cumprindo rigorosamente os termos do art. 159 do CPP, que, à época da elaboração do referido laudo, tinha a seguinte redação:
"Art. 159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais.  (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)"
Não há, portanto, qualquer nulidade no laudo. Aliás, chama atenção o fato de que o réu alega ser nulo tal laudo não em virtude de uma suposta irregularidade que lhe seja intrínseca, mas em razão do fato de os esclarecimentos prestados por ocasião da impugnação feita ao laudo pericial terem sido firmados por um único perito oficial.
Ocorre, entretanto, que, ainda que fosse possível declarar-se tal nulidade, ela se restringiria aos esclarecimentos técnicos, não atingindo o laudo. Com efeito, dispõe o art. 573, § 1º, do CPP que “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência”, pelo que, a contrario sensu, resta evidente que os atos antecedentes regularmente praticados não são contaminados por eventual nulidade relativa a ato posterior. Decorre daí que eventual declaração de nulidade atingiria unicamente os esclarecimentos prestados, mas não o laudo pericial.
Ademais, é de se notar que, mesmo antes da alteração do art. 159 pela Lei 11.690?2008, a jurisprudência pátria, em especial do STF, já havia pacificado o entendimento de que somente haveria nulidade na perícia realizada por um único perito caso este não fosse oficial, de modo que somente nesta hipótese é que teria aplicação a Súmula 361 do STF. Nesse sentido:
"EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PERITO FEDERAL CRIMINAL. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO NA ENTIDADE DE CLASSE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. LIBERDADE DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO [ART. 5º, INCISO XIII, DA CB?88]. PERITO OFICIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 361?STF. 1. Inexistindo previsão legal quanto à obrigatoriedade do registro do perito no órgão de classe, não cabe a exigência desse registro para a investidura no cargo de perito da Polícia Federal, tampouco para o exercício da função de perito oficial. 2. A Súmula 361 não é aplicável aos peritos oficiais. Validade do laudo pericial assinado por um só perito. Precedente. 3. A participação, na diligência de busca e apreensão, de um dos três peritos oficiais não tem a virtude de anular a perícia. O laudo pericial assinado por outros dois peritos tem plena validade. Ordem denegada." (HC 95595, EROS GRAU, STF.)
"E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIME DE LATROCÍNIO - REITERAÇÃO DOS FUNDAMENTOS REPELIDOS EM POSTULAÇÃO ANTERIOR - INADMISSIBILIDADE - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DOS EXAMES PERICIAIS SUBSCRITOS POR UM SÓ PERITO - NÃO-CARACTERIZAÇÃO - PERITO OFICIAL - SUPOSTA INSUFICIÊNCIA DA PROVA PENAL PARA JUSTIFICARDECRETO CONDENATÓRIO - QUESTÃO QUE ENVOLVE REEXAME DE FATOS E PROVAS - IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO "HABEAS CORPUS" - PEDIDO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, INDEFERIDO. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a inadmissibilidade de impetrações de "habeas corpus" que se limitam a reproduzir, sem qualquer inovação de fato ou de direito, os fundamentos repelidos em postulação anterior. A mera reiteração, em referido contexto, importa em não-conhecimento do novo pedido. - A exigência desubscrição do laudo pericial por dois peritos justifica-se, apenas, nos casos em que os "experts" são leigos. Revela-se válido, no entanto, o laudo técnico, quando elaborado por um só peritooficial. Precedentes. - Não cabe discutir, na via sumaríssima do processo de "habeas corpus", a alegação de insuficiência do conjunto probatório cujo exame, por magistrado competente, erespeitada a garantia constitucional do contraditório, motivou a formulação, contra o réu, de decreto penal condenatório. Precedentes. Inviável, desse modo, a pretendida análise do álibiinvocado pelo paciente como suporte de sua pretensão absolutória." (HC 70191, CELSO DE MELLO, STF.)
"PROVA PERICIAL - PERITO OFICIAL - NUMERO. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal esta sedimentada no sentido de entender valida a pericia quando realizada por um único perito oficial. A exigência de dois peritos pressupoe a hipótese prevista no par. 1. do artigo 159 do Código de Processo Penal - inexistência de peritos oficiais e realização do laudo por duas pessoas idoneas portadoras de diploma de curso superior, de preferencia com habilitação tecnica relacionada a natureza do exame. Precedentes: habeas-corpus n. 47.801?SP, relatado peloMinistro Adalicio Nogueira, perante a Segunda Turma, com acórdão publicado no Diario da Justiça de 4 de maio de 1970; recurso de habeas-corpus n. 50.780?SP e habeas-corpus n. 51.015?GO, ambos relatados pelo Ministro Barros Monteiro, perante a Segunda Turma, com arestos veiculados nos Diarios da Justiça de 4 de maio e 29 de junho de 1973, respectivamente. HABEAS-CORPUS - PROVA - DESCLASSIFICAÇÃO DO TIPO. O habeas não e o meio habil a desclassificação do tipo, considerada a necessidade de revolvimento da prova produzida. PENA - DOSIMETRIA - FASE - SUBSTANCIA TOXICA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO - ARTIGO 19 DA LEI N. 6.368?76. Uma vez fixada a pena-base, cumpre observar as atenuantes e agravantes, exsurgindo como última fase a do exame das causas de diminuição e aumento da pena - artigo 68 do Código Penal. Mostra-se revelador de vício de procedimento acórdão em que, após a fixação da pena-base, considera-se a causa de diminuição da pena prevista no paragrafo único do artigo 19 da Lei n. 6.368?76, para, a seguir, proceder-se a incidência da agravante - reincidência." (HC 73148, MARCO AURÉLIO, STF.)
Assim, seja porque o laudo foi assinado por dois peritos oficiais, seja porque os esclarecimentos poderiam ser assinados por um único perito oficial, não há que se falar em “imprestabilidade do laudo pericial” ou em nulidade do feito.
Afasto, pois, a preliminar de nulidade suscitada pela defesa.
No mérito, tenho que assiste razão ao Ministério Público Federal quando afirma que os elementos de prova constantes dos autos não são suficientes para ensejar uma condenação.
Com efeito, imputa-se ao acusado a prática “homicídio culposo na direção de veículo automotor”, conduta tipificada no art. 302 do Código Brasileiro de Trânsito. Como sói ocorrer em todo crime culposo, também aqui o tipo é aberto, limitando-se a lei unicamente a descrever o resultado da ação, mas não a ação típica, a qual é somente adjetivada. A configuração do crime, portanto, remete ao art. 18, II, do CP, o qual dispõe ser o crime “culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.
Assim, para a caracterização do crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, seria imprescindível a demonstração, acima de uma dúvida razoável, de que o acusado violou o dever de cuidado objetivo, norma geral que fundamenta a proibição de resultados lesivos decorrentes da execução inadequada de ações socialmente perigosas, como é o trânsito de automóveis.  Como afirma Juarez Cirino dos Santos:
"O conceito de risco permitido delimita de modo geral o cuidado objetivo exigido em ações perigosas.  Como regra, define os limites de permissibilidade social das ações perigosas; por exemplo, a sinalização de trânsito indica os limites objetivos na circulação de veículos: se a ação perigosa se contém nos limites do risco permitido, então resultados de dano não são atribuíveis à lesão do cuidado objetivo exigido, mas a fatores não controláveis. (Teoria do Crime, p. 37)."
Assim, para que pudesse ser julgada procedente a pretensão acusatória, deveria ficar suficientemente demonstrado que o acusado extrapolou o limite do risco permitido na condução de veículos automotores, agindo com imprudência, imperícia ou negligência.
Ora, na hipótese dos autos, a denúncia afirma ter ocorrido crime culposo em virtude de o réu ter supostamente conduzido seu veículo “sem a devida cautela”, trafegando “em velocidade incompatível para a via”, de tal modo que o réu, “avançando a sinalização de parada obrigatória, adentrou na via coletora, interceptando a trajetória da motocicleta pilotada pela vítima”.
Ocorre, entretanto, que tais afirmações não foram confirmadas pelos elementos colhidos durante a instrução processual, pelo menos não com o grau de certeza necessário para superar a dúvida razoável.
Com efeito, nem sequer a dinâmica dos fatos narrada na denúncia foi suficientemente demonstrada, dado que, apesar de a perícia inicialmente ter indicado que o veículo conduzido pelo acusado trafegava em velocidade incompatível para a via (estimada pelo laudo em 35 km?h – fl. 81), posteriormente, quando confrontado com os questionamentos técnicos elaborados pelo assistente indicado pelo acusado, o perito afirma que na verdade a estimativa da velocidade para o veículo do acusado baseou-se no cálculo da velocidade máxima possível para que o veículo fizesse a curva em segurança, considerando-se a sua trajetória. A afirmação feita no laudo, pois, refere-se à maior velocidade possível, e não à velocidade concretamente desenvolvida pelo veículo conduzido pelo acusado no momento dos fatos. Vale transcrever trecho dos esclarecimentos prestados:
"Como se observa do trecho do laudo, ao inferirmos a velocidade do veículo V2-Mitsubishi Pajero, consideramos que este ao se deslocar para a esquerda (em curva) no entroncamento emquestão poderia atingir uma velocidade máxima para que fizesse a curva com segurança.  Sendo esta velocidade de 35 Km?h. Portanto, esta velocidade poderia ser menor que 35 km?h, ondeconcordamos com o pedido de impugnação" (fl. 169).
Tem-se, portanto, que a imputação de conduta imprudente, que na denúncia vem caracterizada pela condução de veículo em velocidade incompatível para a via, não restou confirmada pela prova pericial.
Ademais, verifica-se que a prova testemunhal colhida tampouco se presta a demonstrar que o acusado tenha efetivamente violado o dever de cuidado objetivo na condução de veículos automotores. Na instrução processual somente foram inquiridas duas testemunhas que presenciaram os fatos, Gilmar Lopes da Fonseca, arrolado pela acusação, e Odorico Raimundo da Costa, arrolado pela defesa.
Em seu depoimento prestado em juízo, Gilmar Lopes Fonseca afirmou:
"Pela experiência de motorista, que a vítima passara com a motocicleta a uma velocidade de aproximadamente 60km?h e viu que quem dirigia o veículo Pajero estava trafegando e entrandonaquela via devagar e a motocicleta veio a colidir com o veículo no meio da porta do lado do motorista; que a Av. Pedro Pedrossian, por ser principal, tem que ser preferencial; que a pessoa do réu de imediato pediu ajuda para que fosse prestado socorro à vitima, sendo que o ora depoente colaborou com seus conhecimentos de medicina [...]" (fl. 733).
Vale notar que, ao ser ouvido no inquérito policial, a testemunha afirmou:
"Que em um sábado, por volta das 14:00 horas, saía de seu consultório e trafegava por essa avenida [Pedro Pedrossian] sentido ao Mercado Big Bom situado na praça do bairro Ipase, quando em dado momento um motoqueiro ultrapassou seu veículo em alta velocidade pela direita e seguiu como “bala”, estando esse condutor sem capacete na cabeça e com dois deles (capacete)presos na lateral da moto; Que essa avenida é reta com pequena sinuosidade para a direita, nisso percebeu que um veículo pajero saia de uma rua transversal, sem saída do tipo “T” e adentravadevagarinho na Pedro Pedrossian, quando então o motoqueiro colidiu na lateral esquerda desse veículo bam na altura da porta do motorista" (fls. 35?36).
Por seu turno, inquirido sob compromisso, Odorico Raimundo da Costa afirmou:
"No dia do acidente, por volta, mais ou menos, de 10 a 15 minutos para as 15 horas, eu descia da minha casa, que é na rua Pedro Pedrossian, sentido contrário do 4º Batalhão.  Então, ao descer, averiguei que vinha uma moto em sentido contrário. Motoqueiro não portando capacete, porque a primeira coisa que a gente vê num motoqueiro, se estiver de capacete, ou não, de frente, você vê. E ele ultrapassando um carro pela direita.  Logo à frente, na esquina, tinha um carro parado no lado direito, ele ultrapassou o carro em alta velocidade aí, nesse momento, o carro do deputado estava na esquina e então foi inevitável o acidente, a moto veio a colidir com o carro" (fl. 897).
Tem-se, pois, que a prova testemunhal não fornece elementos suficientes para permitir a conclusão de que a conduta do acusado tenha dado causa à morte do motoqueiro em virtude de condução imprudente. Na verdade, a partir da prova testemunhal, o quadro que se tem é de um motoqueiro que trafegava sem capacete, em alta velocidade, tendo ultrapassado um carro pela direita para, logo em seguida, colidir com o carro que era conduzido pelo acusado. Acresça-se a isso o fato de que o local oferece pouca visibilidade para o motorista que, vindo pela rua Capitão Costa (via em que trafegava o acusado), pretende entrar na Av. Pedro Pedrossian. Com efeito, do depoimento de Odorico Costa, colhe-se:
"Essa esquina [da rua Capitão Costa] tem dois muros, para a direita e para a esquerda. Então, ali atrapalha muito a visão do motorista, quem desce a comandante Costa para pegar a PedroPedrossian. [...] Por incrível que pareça, o local é próprio para acidente, porque não tem visibilidade para a direita e para a esquerda, mas não é com frequência acidente naquela esquina. Não tem acidente com frequência" (fl. 901).
Tal afirmação é corroborada pela fotografia à fl. 86, item 9.1 do anexo fotográfico do laudo pericial, que não deixa dúvidas quanto à pouca visibilidade no local para quem vai entrar na Avenida Pedro Pedrossian, especialmente numa situação em que, como afirmado pelas testemunhas, uma motocicleta trafegasse em alta velocidade pelo lado direito da avenida.
Assim, nada obstante o laudo pericial indicar ser o acusado o responsável pelo acidente e, consequentemente, pela morte do condutor da motocicleta, tenho que os elementos de prova colhidos não são suficientes para efetivamente demonstrar que a conduta culposa do acusado tenha sido a causa da morte da vítima.
Em face do exposto, em harmonia com a manifestação ministerial, julgo improcedente a pretensão acusatória, absolvendo o réu por falta de provas suficientes para a condenação, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.
É como penso. É como voto.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator

 

AÇÃO PENAL Nº 593 - MT (2009?0181024-8) (f)
VOTO-REVISÃO
A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:
O Ministério Público de Mato Gro

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