O médico Murillo de Souza Campos partiu para Mato Grosso em maio de 1910 para se juntar à Comissão Rondon, que percorria o estado com o objetivo de pacificar as relações com os indígenas e construir linhas telegráficas destinadas a conectar a Amazônia ao restante do país.
Formado em medicina em 1908 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Murillo ingressou no Exército em um período em que o comando exigia de seus médicos um papel científico: descrever doenças, apresentar suas causas e, quando possível, indicar a probabilidade de cura dessas enfermidades.
O relato de Murillo foi publicado no artigo "Notas do interior do Brasil: do Rio de Janeiro a Cuiabá (via Goiás)" em 1913. Metade deste artigo, dedicado à medicina Bororo, foi objeto de estudo do doutor em História Robson Mendonça Pereira.
Em seu relato, Murillo descreve que a prática terapêutica era um privilégio de casta. No entanto, havia médicos jorubocuro ou jorubo cure, um tipo de curandeiro que era introduzido desde a infância, geralmente pelo pai, no "segredo das doenças e no conhecimento dos remédios".
Robson Mendonça descreveu, em seu artigo, 24 plantas medicinais mencionadas por Murillo. Em alguns casos, o médico do Exército não conseguiu identificar o nome não indígena da planta, o que dificultou sua localização.
Na sua exposição, Murillo Campos constatou que os curandeiros bororos utilizavam determinadas plantas medicinais como recursos preventivos contra doenças, conhecidas como bôevéboe. O médico militar mencionou os seguintes usos e aplicações terapêuticas: 1º A fricção do corpo com as folhas de atugoboétagurêu (unha de vaca). 2º A fricção do peito com o carvão de buoquedaga (tucum). 3º a lavagem do corpo com o infuso de djorubotoboépa ou betaódjorubo (faveira d’anta). 4º Aplicação em diversas partes do corpo do kidoguro de ocoïca (marmelada preta) ou de coguridjorubo (hortelã do cerrado), sumagaï (jatobá do campo), e emaï (piúva); e ecoïpo (pequi), aroécodudireu (paineirinha); djorubopagadureu (herva de passarinho).
O médico citou, em seu artigo, como os curandeiros bororos enfrentavam a malária. Entre os recursos indicados para tratar os acessos da doença, destacam-se o chá por infusão das folhas da carobinha do cerrado e o chá da entrecasca do paratudo, este último recomendado tanto para a anemia pós-malárica quanto para o amarelão.
"Os casos de malária eram significativos entre os bororos. Campos diagnosticou nove casos entre os 81 índios examinados (a população das cinco colônias era estimada em 1.001 indivíduos). O trânsito de tropas militares e de expedições científicas pelo destacamento militar de Sangradouro, bem como a existência, desde 1900, da Estação Telegráfica de São Lourenço e de um posto indígena recém-instalado pelo SPI, podem ter contribuído significativamente para a maior circulação de doenças entre os bororos", relata o artigo de Robson Pereira.
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