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Entrevista da Semana Sábado, 18 de Maio de 2024, 15:00 - A | A

Sábado, 18 de Maio de 2024, 15h:00 - A | A

entrevista da semana

Geólogo diz que existe risco de alagamentos e inundações em Várzea Grande

MT teve 1600 ocorrências de desastres entre 2013 e 2024 com 17 mortes, mas não possui equipe técnica permanente contra eventos extremos

Gislaine Morais/VGN

Os desastres causados pelas chuvas no Rio Grande do Sul têm levantado alerta para todos os estados brasileiros que em algum momento já passaram por episódios de enchentes e inundações. A maior tragédia climática da história do estado gaúcho já dura cerca de 20 dias, e deixou até o momento pelo menos 154 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas. Noventa e oito pessoas ainda estão desaparecidas.

Com alerta de que municípios de Mato Grosso já registraram episódios de desastres, a reportagem do conversou com o geólogo Caiubi Kuhn, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e presidente da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO). Ele alerta que, ao contrário do que apregoa o imaginário popular, a Usina do Manso não garante o fim das inundações em Cuiabá e principalmente em Várzea Grande, pois fortes chuvas no lado direito do rio Cuiabá, onde está localizada a cidasde, podem aumentar o volume da água e provocar enchentes. 

Caiubi também fez um alerta sobre a precariedade da Defesa Civil do estado, citando como exemplo, que o órgão não possui equipes técnicas permanentes, e não disponibiliza setor técnico para dar suporte aos municípios no caso de um evento extremo.

Confira entrevista na íntegra:

VGN - Qual o papel do Governo estadual, Defesa Civil estadual diante de eventos de desastres nos municípios?

Caiubi Kuhn - Conforme a lei de defesa civil, o governo estadual tem a função de dar suporte aos municípios. E em caso de grandes desastres, ou seja, quando o desastre excede a capacidade de gestão do município, o governo assume um papel fundamental para lidar com o impacto do desastre, e quando são desastres ainda maiores, o governo federal também deve auxiliar.

VGN – A Defesa Civil tem quadros técnicos para ajudar os municípios?

Caiubi Kuhn - A Defesa Civil de Mato Grosso se empenha para fazer seu melhor, porém ela também não possui equipes técnicas permanentes, ou seja, o estado não possui um setor técnico para dar suporte aos municípios. Essa realidade precisa ser mudada urgentemente, tanto a Defesa Civil estadual, como municípios grandes como Cuiabá e Várzea Grande, precisa ter equipes técnicas e focarem no desenvolvimento das ações de prevenção e no planejamento das cidades e das ações, visando reduzir o impacto de um evento extremo que veja a ocorrer. As ações de prevenção reduzem muito o número de mortes, os danos econômicos, ambientais e sociais que os desastres podem causar. Ou seja, é fundamental que o estado e os municípios foquem nestas ações, para evitar o pior.

VGN – Sabe como é feita a avaliação de áreas de risco por parte da Defesa Civil e como é possível facilitar a retirada de pessoas de locais de risco de alagamento?

Caiubi Kuhn - É preciso considerar a proximidade com o rio, ou o tamanho da bacia hidrográfica, a declividade, e com isso a velocidade do escoamento superficial também. Uma informação importante é o histórico de inundações e alagamentos anteriores também. As informações sobre áreas de risco não devem ser consideradas só pela defesa civil, na verdade, a parte a mais importante para prevenção, está em considerar a análise de risco no desenvolvimento do planejamento urbano. Por exemplo, não pode permitir a construção de bairros em áreas que possuem histórico de inundação e alagamentos, ou caso existam construções, é preciso desenvolver ações visando a reduzir o risco. Essas ações podem ser desde obras até mesmo ações educativas de orientação e educação da população. E é claro, possuir planos de ações emergenciais em caso de ocorrência de um desastre, considerando os mais diversos cenários. Os municípios e o estado precisam investir em prevenção, em gestão, e estarem preparados caso ocorra um desastre.

VGN - Mato Grosso possui 40 cidades com maior risco de deslizamentos de solo e alagamentos, de acordo com o governo federal. Somente nestes municípios podem ocorrer desastres?

Caiubi Kuhn - Em Mato Grosso, 40 cidades estão na lista de mais suscetíveis às ocorrências de deslizamentos, enxurradas e inundações, a serem priorizados nas ações do governo federal relacionadas a gestão de risco e de desastres naturais. Porém, quando olhamos os dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), entre janeiro de 2013 e 10 de maio de 2024, foram mais 1600 ocorrências de desastres, registrados em 136 municípios do estado, causaram 17 mortes e deixaram 568 feridos, 1985 desabrigados, e 9719 desalojados. E ainda precisamos considerar que existe muita subnotificação, ou seja, os dados reais ainda seriam bem maiores que esses.

VGN - Quais desastres mais ocorrem no estado?

Caiubi Kuhn - Entre os desastres que ocorrem no estado com frequência são incêndios florestal, seca e estiagem, onda de calor, tempestade, alagamentos, inundações, enxurradas, erosão fluviais, ravinas e voçorocas, deslizamentos, quedas de blocos entre outros. Alguns dos desastres que ocorreram na última década afetaram muitas pessoas.

VGN - Pode citar alguns municípios e os episódios de desastres que sofreram essas cidades?

Caiubi Kuhn - Os mais recentes foram alagamentos que ocorreram em Campo Novo do Parecis, em 2017, que afetou milhares de pessoas. E também em Cáceres em 2024. Porém, desastres de décadas de anteriores foram ainda mais fortes, como a enchente de 1974 que deixou mais de 24 mil desabrigados em Cuiabá e Várzea Grande.

Outro evento muito significativo ocorreu em 2001, onde após chuvas intensas, alagamentos e inundações em Cuiabá, ocasionando a morte de 15 pessoas, e deixando mais de 5 mil pessoas desabrigadas.

VGN – Alguns desastres são recentes. O senhor acredita que seria mais um ponto de alerta para os gestores estaduais e municipais?

Caiubi Kuhn - Já ocorreram eventos extremos em Mato Grosso, e isso deve servir sim de alerta para nós, pois esses eventos podem ocorrer novamente, da mesma forma que no Rio Grande do Sul. Lá já tinham ocorrido anteriormente eventos de inundações muito grandes, como a que ocorreu em 1941, e outras menores nos anos 1967, 2015, 2023.

O desastre atual no Rio Grande do Sul, é o de maior proporção já registrado, porém, esses eventos anteriores já indicavam que aquelas áreas poderiam ser afetas. A mesma lógica temos que aplicar em Mato Grosso, é preciso considerar o histórico de desastre de cada área, pois a tendência é que eventos que já ocorreram, voltem a se repetir, e com maior intensidade devido ao aquecimento do planeta.

VGN – Em Mato Grosso, a Usina do Manso possui algum impacto que impede alagamentos em Cuiabá e Várzea Grande mesmo com fortes chuvas?

Caiubi Kuhn - A Usina do Manso possui a capacidade de reter uma grande quantidade de água, no caso da ocorrência de chuvas muito intensa na bacia do Rio Manso, porém caso ela já esteja na capacidade máxima, terá que abrir as comportas, o que também aumentaria o volume de água no Rio Cuiabá. E caso as chuvas ocorram em grande intensidade na margem direita do Rio Cuiabá, ou seja, do lado do município de várzea Grande, podem sim ocorrer novas inundações no rio, e alagar regiões próximas. Uma outra coisa que precisa ser considerada no planejamento urbano, é que em Mato Grosso existem registros de chuvas concentradas, como as que ocorreram em 2001 em Cuiabá, neste caso, se elas ocorrerem no perímetro urbano podem inundar bairros, em especiais aqueles que são muito planos e que estão próximos aos rios.

VGN - A cidade de Várzea Grande é uma das cidades sob risco de alagamento, quais são as medidas que poderiam ser adotadas. Acredita que a defesa civil do município tem um cronograma para isso?

Caiubi Kuhn - Acredito que tem muito para ser feito ainda. E não acho que o município esteja preparado atualmente para um evento extremo. Para mudar essa realidade, o primeiro passo seria a Várzea Grande ter uma equipe técnica permanente para gestão de risco. Para realizar as ações de prevenção é preciso que exista uma equipe técnica. Da mesma forma, é fundamental que as informações e estudos técnicos sejam incorporadas no planejamento municipal. Além disso, se o município fizer os estudos e projetos, ele pode conseguir inclusive captar recursos federais para realizar as ações para gestão das áreas de risco. A cidade está na lista dos 40 municípios prioritários do Governo Federal. Conforme esse levantamento, 980 pessoas vivem em áreas de risco no município. Porém, acho que esse número ainda é subdimensionado. Alguns bairros de Várzea Grande possuem muitas residências próximas a cursos de água, seja o rio Cuiabá, ou córregos menores, em bairros como o da Manga, que existem residências que estão na beira do córrego. O que significa, que caso ocorra uma chuva com um volume muito elevado naquela região, essas residências serão facilmente inundadas. Esse é apenas um exemplo, mas existem vários outros locais. Basta conversar com os mais antigos, que é comum escutar relatos de inundações e alagamentos.

 
 

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