O recém-empossado desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), Wesley Sanchez Lacerda, concedeu entrevista ao portal #VGN, na qual destacou a importância do processo judicial eletrônico, bem como das audiências e sessões virtuais.
O magistrado ressaltou que seu período como promotor de justiça auxiliar da Corregedoria-Geral do Ministério Público Estadual (MPE) foi de grande relevância, permitindo-lhe visitar todas as comarcas do Estado. Essa experiência possibilitou o conhecimento aprofundado das demandas de cada unidade jurisdicional, o que lhe conferiu "uma visão panorâmica de todo o Estado" — um fator que considera essencial para o desempenho de suas funções no TJMT.
Por fim, o desembargador frisou que o Direito Humano ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado constitui, atualmente, um dos maiores desafios enfrentados pelo sistema de justiça.
Confira na íntegra a entrevista
VGN: Quais são as principais experiências e realizações profissionais que você acredita terem contribuído para conquistar essa nomeação como desembargador?
Wesley Lacerda: Sei que, na lista tríplice, havia dois agentes ministeriais de significativa estatura funcional. Acredito que o Governador tenha realizado uma análise técnica considerando o currículo e as funções que desempenhei ao longo da carreira. Por exemplo, o fato de eu ter acumulado, por um longo período, as funções de membro auxiliar da Corregedoria-Geral, da Procuradoria de Justiça Especializada (Criminal e Ambiental), da Coordenação do CIRA (Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos), da Coordenação do Núcleo de Ações de Competência Originária (NACO), bem como a Direção-Geral da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Além disso, meu currículo inclui três cursos de pós-graduação lato sensu, um mestrado e um doutorado.
VGN: Qual a importância do Quinto Constitucional para Vossa Excelência?
Wesley Lacerda: O chamado Quinto Constitucional tem uma função muito importante, pois oferece a oportunidade de trazer para o órgão judicante visões e enfoques diversos, a partir das perspectivas daqueles — advogados e membros do Ministério Público — que sempre tiveram contato direto com os destinatários da prestação jurisdicional. No momento de julgar, é fundamental compreender o impacto de uma decisão judicial na vida das pessoas, reconhecendo que há vida fora dos autos.
VGN: O senhor foi um promotor de Justiça respeitado, mas é evidente que a atividade de “denunciar” é consideravelmente distinta da atividade de julgar. Como foi sua preparação para essa “virada de chave”?
Wesley Lacerda: Realmente, essa "virada de chave" não é fácil; trata-se de uma maneira completamente diferente de atuar. Entretanto, desde 2019, fui convocado para atuar na segunda instância, o que me auxiliou bastante, já que estava afastado da função de "acusar" há algum tempo. Nesse período, como Procurador de Justiça, passei a emitir pareceres com a liberdade de acolher ou não as teses dos promotores de justiça de todo o Estado. Essa experiência acabou me preparando, de certa forma, para essa transição.
VGN: A pandemia desencadeou uma mudança repentina na forma de prestação da Justiça, que passou das audiências e sessões presenciais para as virtuais. Como o senhor enxergou esse período e qual é a sua avaliação das audiências e sessões virtuais?
Wesley Lacerda: Esse cenário proporcionou uma significativa evolução na prestação jurisdicional, tanto no âmbito da eficiência e celeridade quanto no acesso à Justiça. Contudo, apesar das vantagens do mundo virtual, acredito que a presença física do magistrado (e de qualquer outro servidor público), sempre que possível, ainda é essencial. O mundo pode ser digital, mas a vida permanece analógica. O cidadão precisa — e merece — sentir proximidade e a realidade concreta do Sistema de Justiça.
VGN: Como o senhor avalia o processo judicial eletrônico? Acredita que ele precisa de atualização?
Wesley Lacerda: Avalio o processo judicial eletrônico de forma extremamente positiva, considerando-o uma ferramenta fundamental para a pacificação social. No entanto, é evidente que, no campo da tecnologia, as mudanças ocorrem em ritmo acelerado. Portanto, as atualizações são inerentes e inevitáveis, sendo necessárias para acompanhar a evolução constante dessa área.
VGN: Desembargador, o senhor acredita que é necessária alguma providência para acelerar as execuções dos processos, após encerrada a fase de conhecimento?
Wesley Lacerda: Certamente, há sempre um limite para as responsabilizações patrimoniais: o próprio patrimônio da pessoa. Essa ideia remonta ao Direito Romano, quando a humanização das relações jurídicas foi introduzida pela Lex Poetelia Papiria, que proibiu a responsabilização corporal por dívidas. Atualmente, da mesma forma que as tecnologias podem ser utilizadas para ocultação patrimonial, elas também devem ser empregadas para a prospecção e busca por soluções definitivas.
Entendo que a efetivação das execuções na fase pós-conhecimento depende, em grande parte, de instrumentos tecnológicos e métodos alternativos de solução de conflitos, mais do que de novos mecanismos jurídicos ou processuais.
VGN: Na sua visão, quais são os desafios mais significativos que um magistrado enfrenta hoje em Mato Grosso, e como você pretende lidar com esses desafios?
Wesley Lacerda: Para um magistrado de 2º grau (desembargador), que possui jurisdição em todo o Estado, é fundamental ter uma visão panorâmica do território e compreender as especificidades e vicissitudes de cada comarca e seus respectivos termos. Veja, por exemplo, a Comarca de Comodoro, que tem como termo jurisdicional o município de Rondolândia, localizado a quase 400 km da sede da comarca.
Nos últimos oito anos, estive convocado como Promotor de Justiça Auxiliar da Corregedoria-Geral do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT). Nesse período, tive a oportunidade de visitar praticamente todas as comarcas do Estado, realizando correições nas respectivas promotorias, ouvindo promotores, advogados, juízes, delegados, prefeitos, vereadores e membros da comunidade em geral. Essa experiência me proporcionou, na medida do possível e com bastante humildade, uma visão panorâmica de todo o Estado de Mato Grosso, o que considero de suma importância para enfrentar os desafios do cargo. Afinal, quem permanece trancado em um apartamento, sem observar, ao menos de relance, o prédio como um todo antes de entrar, não compreende verdadeiramente onde está.
Além disso, minha experiência como professor em diversas áreas do Direito e coordenador de cursos de pós-graduação contribui para o constante aprimoramento técnico e humano, elementos indispensáveis para lidar com os desafios contemporâneos da magistratura.
VGN: Como o senhor enxerga o papel da educação jurídica na formação de um Judiciário mais comprometido com a justiça e a ética?
Wesley Lacerda: A formação acadêmica deve ser um processo permanente e contínuo, e isso vale não apenas para o mundo jurídico, mas para qualquer área do conhecimento. A primeira vez que entrei em uma sala de aula foi em 1996, na Faculdade UNIVAR, em Barra do Garças, para lecionar Direito Tributário. Também fui professor voluntário de Processo Penal na UFMT por dois anos. Atualmente, sou professor e coordenador de cursos de pós-graduação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT). Além disso, realizei três pós-graduações lato sensu, um mestrado e um doutorado.
Ao longo de todo esse tempo, jamais descuidei do aperfeiçoamento acadêmico. Contudo, é importante destacar que nunca solicitei afastamento para realizar essas atividades. E por que menciono isso? Porque acredito firmemente que, ao assumir um cargo público — remunerado com recursos do erário —, o primeiro compromisso do servidor deve ser com a função que escolheu desempenhar, seja como juiz, promotor ou outra atividade pública.
Ainda assim, reforço a importância do chamado aperfeiçoamento funcional. Justiça não é apenas celeridade; é, acima de tudo, qualidade técnica. Para que a justiça seja justa, ela deve ser isenta, desprovida de preconceitos e ignorâncias. As qualidades técnicas são indispensáveis nesse contexto. É por meio da busca constante pela formação contínua e permanente que aprendemos, diariamente, não apenas a aplicar a justiça, mas também a agir com ética. Afinal, é aprendendo que ensinamos e, ao ensinar, continuamos a aprender.
VGN: A sua experiência na Procuradoria de Justiça Ambiental Especializada trouxe uma perspectiva importante sobre o Direito Ambiental. Quais são os desafios que o senhor vê para o Direito Ambiental em Mato Grosso, considerando o contexto atual do Estado?
Wesley Lacerda: O Direito Humano ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado representa um desafio imenso, tanto em caráter global, fraterno e cosmopolita quanto inclusivo. Isso decorre das especificidades desse direito humano. Primeiramente, trata-se de um direito humano de autolimitação, exercido contra o próprio titular, impondo restrições ao seu modo de vida. Em outras palavras, é um direito de defesa contra si mesmo e, por isso, muitas vezes, não é exercido pelo próprio titular (o cidadão). A essa ausência de engajamento, denomino "falta de vontade de configuração".
Dessa forma, as questões ambientais frequentemente não recebem o "aval" popular, diferentemente de outras causas relacionadas a direitos fundamentais, como saúde, educação e liberdade. Essa ausência de protagonismo cidadão compromete o lastro popular necessário para fortalecer essas questões, que acabam obscurecidas por uma falsa ilusão de segurança jurídica. Um exemplo claro disso são os crimes ambientais, cujas tipificações e penas muitas vezes são desproporcionais e desarrazoadas. Para ilustrar, um peixe fora de medida pode ser tratado como uma infração mais grave do que a caça de uma onça-pintada. Outro exemplo é o fato de que crimes contra cães e gatos — animais domésticos que não se enquadram como essenciais ao uso comum do povo ou à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações — são considerados dos mais graves pela Lei nº 9.605/98.
Portanto, o problema principal não é a falta de conscientização. Hoje, a maior parte da população já possui acesso à informação, e o mundo digital desempenha um papel decisivo nesse processo. A verdadeira questão é a ausência de protagonismo por parte dos cidadãos, que são os titulares desse direito fundamental. Não se pode falar em concretização de um direito fundamental sem que o próprio titular esteja "ao lado da causa".
Somente com essa postura de engajamento ativo será possível melhorar as perspectivas ambientais. Sem isso, não há lei, Constituição, ação civil ou penal, tampouco sentença judicial condenatória que possa resolver a questão. A solução passa mais por uma mudança de postura do que por conscientização.
VGN: Como membro perpétuo da Academia Mato-Grossense de Direito, o senhor desempenha um papel relevante no cenário jurídico do Estado. Como acredita que a atuação acadêmica pode dialogar com a prática jurídica no TJMT?
Wesley Lacerda: Minha resposta à primeira pergunta abrange, em grande parte, esta questão. Contudo, acrescento que o ingresso na Academia Mato-Grossense de Direito representou um verdadeiro plus na minha trajetória. Trata-se de um ambiente profundamente democrático e pluralista, onde as questões acadêmicas são debatidas de maneira pacífica e hospitaleira. Essa dinâmica reflete exatamente o que deve ocorrer em um órgão cuja essência funcional é a "colegialidade", como são os tribunais.
Como já mencionei, a formação e o aperfeiçoamento devem ser processos permanentes. A atuação acadêmica tem o potencial de enriquecer a prática jurídica ao promover reflexões críticas, contribuir para o aprimoramento técnico e incentivar o desenvolvimento de soluções inovadoras para os desafios enfrentados pelo Judiciário.
VGN: O senhor assumiu a vaga deixada pelo desembargador Paulo da Cunha, cujo legado é amplamente reconhecido. Que valores e princípios pretende preservar, e quais inovações gostaria de trazer para o tribunal?
Wesley Lacerda: Certamente, alguns bastões que nos são passados possuem um peso imenso, quase insustentável. Este é um deles. O desembargador Paulo da Cunha foi um notável membro do Ministério Público de Mato Grosso que, como poucos, "vestiu a toga da magistratura" com excelência. Sua competência e honradez sempre serão referências para todos, especialmente para mim.
Foi ele quem, antes de qualquer outro, profetizou minha assunção à vaga que ocupava. Hoje, estou exatamente onde ele esteve: na 2ª Cadeira da 1ª Câmara Criminal. Se eu conseguir preservar o padrão de suas decisões, sua capacidade de diálogo e seu acolhimento ao "outro", já considerarei que toda minha vida funcional terá valido a pena.
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