Nesta entrevista, o professor Gilmar Severino Lucena de Souza, coordenador do curso de Marketing e Inteligência de Dados e docente nos cursos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), analisa as pesquisas eleitorais e os fatores que podem ter causado discrepâncias entre os resultados das pesquisas e das urnas. Gilmar também lidera o Núcleo de Tecnologia Educacional do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (UNICEPLAC).
Mestre em Engenharia Biomédica pela Universidade de Brasília (UnB), desenvolveu um sistema inteligente de captura de movimento para atletas utilizando uma Unidade de Medida Inercial (UMI). Possui ainda especialização em Gerenciamento de Projetos e graduação em Ciências Econômicas, ambas pela Universidade Católica de Brasília. Atualmente, está cursando Análise e Desenvolvimento de Sistemas no Centro Universitário Projeção, onde também atua como professor tutor.
Com expertise em Ciência de Dados e no uso de estatísticas avançadas, o professor Gilmar tem contribuído de forma significativa para a aplicação prática do conhecimento tecnológico. Como pesquisador da Universidade de Brasília, alia tecnologia e educação, formando profissionais preparados para os desafios do mercado.
Reconhecido por sua liderança acadêmica e habilidades interdisciplinares, o professor Gilmar é referência em projetos que integram tecnologia, ensino e gestão estratégica, promovendo a excelência acadêmica e profissional de seus alunos e equipes.
VGN - Na sua opinião, professor Gilmar, a que fatores o senhor atribui a discrepância entre os resultados das eleições municipais em Mato Grosso e as previsões realizadas pelos institutos de pesquisa, com exceção do Atlas do UOL?1
Gilmar - É impossível determinar com precisão as causas para resultados tão discrepantes sem uma análise aprofundada das questões metodológicas das pesquisas em questão. Podemos, no entanto, fazer inferências gerais sobre os fatores que influenciam a acurácia dessas medições. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma organização profissional chamada American Association for Public Opinion Research (AAPOR), que estabelece diretrizes e práticas recomendadas para a condução e divulgação de pesquisas de opinião pública. Tais diretrizes envolvem elementos como transparência e divulgação completa dos achados, ética na condução das pesquisas, métodos rigorosos de amostragem, controle de qualidade e consistência, e explicitação de margens de erro e dos responsáveis pelos resultados, além do ajuste e ponderação dos dados.Mesmo com a adoção dessas práticas, as pesquisas de intenção de voto não conseguem prever com total exatidão o resultado eleitoral. Há variáveis externas que impactam diretamente a acurácia das pesquisas e que, muitas vezes, são difíceis de controlar. Por exemplo, a opinião pública pode mudar rapidamente nas últimas semanas ou dias que antecedem a eleição. Movimentos de última hora, eventos políticos, debates e revelações na mídia podem influenciar o comportamento do eleitorado, fenômenos que nem sempre são captados em pesquisas realizadas anteriormente.
No caso de Mato Grosso, é possível que a composição demográfica e geográfica do Estado apresente desafios adicionais para a representatividade da amostra. Locais específicos, como áreas urbanas e rurais, podem exibir padrões de comportamento eleitoral muito diferentes. Se a amostra não for suficientemente representativa, os resultados não refletem a realidade da população como um todo. Além disso, as margens de erro tornam-se ainda mais perceptíveis em regiões com populações diversificadas, como Mato Grosso, o que pode contribuir para discrepâncias.
VGN - Como o senhor avalia o impacto dos erros das pesquisas na credibilidade dos institutos de opinião pública perante o eleitorado e os partidos políticos, especialmente em cenários como os de Cuiabá e Várzea Grande?
Gilmar - É fundamental lembrar que as pesquisas de opinião são uma "fotografia" do momento em que foram realizadas, não capturando tendências ou mudanças de opinião que possam ocorrer posteriormente. Resultados discrepantes entre pesquisas e eleições reais são comuns em diferentes contextos e servem como um lembrete das limitações inerentes aos métodos utilizados e às amostras aplicadas.A população precisa compreender que as pesquisas de opinião não têm caráter preditivo absoluto; elas são uma tentativa de interpretar um determinado momento. Apesar disso, quando os resultados das urnas diferem amplamente das previsões, pode haver um impacto negativo na credibilidade dos institutos, tanto perante o eleitorado quanto perante os partidos políticos. Isso reforça a importância de garantir maior transparência metodológica e de educar o público quanto às limitações naturais desses levantamentos.
É fundamental lembrar que as pesquisas de opinião são uma "fotografia" do momento em que foram realizadas, não capturando tendências ou mudanças de opinião que possam ocorrer posteriormente
VGN - O caso de Cuiabá, em que o candidato considerado favorito pelas pesquisas sequer chegou ao segundo turno, revela uma possível falha metodológica? Que mudanças o senhor considera necessárias na condução das pesquisas eleitorais?
Gilmar - O Brasil avançou significativamente, nos últimos anos, no processo de levantamento de opiniões em termos metodológicos. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. A Resolução do TSE nº 23.727, de fevereiro deste ano, é um exemplo desse progresso. Atualmente, existe um Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais, que exige o registro de diversos dados, especificando aspectos técnicos sobre a metodologia e a execução das pesquisas.
Entre as informações que devem ser declaradas estão: o período de realização da pesquisa, o tamanho da amostra, a margem de erro, o nível de confiança, o público-alvo, a fonte pública dos dados utilizados para elaboração da amostra, a metodologia adotada e, principalmente, o nome do contratante e a origem dos recursos investidos na pesquisa. Para verificar se houve falhas metodológicas, é necessário analisar o relatório completo da pesquisa, que só é disponibilizado após o término das eleições.
Atualmente, cabe ao Ministério Público Eleitoral, aos partidos, federações, coligações ou candidatos verificar se as pesquisas divulgadas estão cumprindo as exigências da legislação eleitoral, já que o controle das pesquisas eleitorais, em regra, ocorre mediante provocação. O TSE alerta que qualquer impugnação deve indicar, de forma objetiva, a deficiência técnica ou a manipulação alegada, apresentando evidências ou solicitando prazo para realização de prova técnica, cujo custo será assumido pelo autor da impugnação.
Para melhorar a condução das pesquisas eleitorais, são necessárias mudanças que ampliem a transparência, a precisão e a confiança pública. Isso inclui exigir que os institutos de pesquisa divulguem detalhadamente suas metodologias, utilizando amostragens mais representativas e diversificando os canais de coleta, como telefone, entrevistas presenciais e métodos digitais. A divulgação mais frequente das pesquisas, especialmente em períodos próximos à eleição, e a revisão da forma como as margens de erro são calculadas poderiam refletir melhor a diversidade socioeconômica e cultural da população.
É importante que a população esteja ciente de que, no Brasil, é proibida a realização de enquetes ou sondagens não científicas. Além disso, recomenda-se que os partidos políticos implementem auditorias independentes para garantir o cumprimento das melhores práticas. Por fim, é essencial investir na educação do público quanto à interpretação dos resultados das pesquisas, incluindo o entendimento sobre margens de erro e suas limitações. Essa conscientização é fundamental para que o eleitor compreenda que as pesquisas representam apenas uma fotografia do momento, e não uma previsão exata dos resultados eleitorais.
VGN -Em Várzea Grande, a vitória da candidata do PL contrariou todas as projeções realizadas durante a campanha. O senhor acredita que houve o voto silencioso (voto oculto) ou uma subestimação do engajamento popular por parte dos institutos?
Gilmar - Mais uma vez é difícil falar sobre cenários específicos, especialmente envolvendo um colégio eleitoral relativamente pequeno do ponto de vista estatístico. Não é possível fazer prognósticos concretos sem uma análise detalhada. Mas é possível supor que os institutos de pesquisa tenham subestimado o engajamento popular em torno da candidatura vencedora. Fatores como mobilização de base, campanhas eficazes nas redes sociais e eventos locais podem ter impulsionado a candidatura de forma mais significativa do que as pesquisas conseguiram captar. A metodologia utilizada, incluindo a seleção da amostra e o período de coleta de dados, também pode ter influenciado na precisão das projeções.
VGN -Por fim, professor, o fenômeno observado nessas eleições em Mato Grosso pode ser interpretado como um sinal de que o eleitorado está mais imprevisível ou que as técnicas tradicionais de pesquisa estão desatualizadas diante das novas dinâmicas sociais e tecnológicas?
Gilmar - O fenômeno observado nessas eleições em Mato Grosso pode ser interpretado como uma combinação de ambos os fatores. Por um lado, o comportamento do eleitorado parece cada vez mais dinâmico e imprevisível, refletindo uma maior capacidade de mudança de opinião e de influência por acontecimentos recentes, como campanhas digitais intensas e temas emergentes que podem ganhar força nas redes sociais. Esse dinamismo dificulta a captação precisa de tendências e intenções de voto em um cenário onde o engajamento e o acesso à informação mudam constantemente. Por outro lado, as técnicas tradicionais de pesquisa podem realmente estar desatualizadas frente às novas realidades sociais e tecnológicas. Métodos que antes eram eficazes podem não acompanhar mais a amplitude e a diversidade dos canais de comunicação e de influência.
A amostragem baseada apenas em entrevistas telefônicas ou presenciais, por exemplo, pode deixar de captar uma parte expressiva do eleitorado, especialmente entre os jovens e aqueles mais engajados digitalmente. A atualização dos métodos, com a inclusão de dados digitais e novas abordagens, pode ser crucial para ajustar as pesquisas eleitorais ao cenário atual.
VGN - Na sua opinião o que falta para os Institutos?
Gilmar - Precisamos de uma regulamentação mais detalhista e de um trabalho constante de atualização e aprimoramento dos instrumentos de coleta, metodologias e ferramentas de divulgação de resultados.
VGN - Será que a metodologia está errada ou o fator de insegurança pode ter contribuído para que os institutos não alcancem as pessoas que residem em prédios e condomínios fechados?
Gilmar - Não é possível afirmar isso. Somente os relatórios podem apontar para esses eventos.Gilmar - Não podemos afirmar isso, apenas os relatórios apontam para esses eventos.
VGN - Em sua opinião, o fato de o ex-presidente Jair Bolsonaro ter desacreditado as pesquisas pode ter influenciado os resultados eleitorais ou a percepção dos eleitores sobre a confiabilidade delas?
Gilmar - Difícil compreender o impacto entre ambos os episódios. Do ponto de vista técnico, somente um estudo aprofundado seria capaz de entregar uma resposta mais fidedigna.
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