O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou provas obtidas mediante ingresso domiciliar sem mandado judicial e absolveu um morador de Cuiabá, preso por porte ilegal de arma de fogo de numeração suprimida e de posse de arma de fogo. A decisão é do dia 19 de abril, proferida pelo ministro do STJ, Jesuíno Rissato - desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Consta dos autos que o morador de Cuiabá, E.V.D.O.A., foi preso em 03 de março de 2016, no bairro Pedra 90, por supostamente portar e manter e sob sua guarda um revólver municiado da marca taurus, calibre ponto 38, numeração de série suprimida, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. Em denúncia criminal, o Ministério Público do Estado afirmou que ele portava a arma de fogo na via pública e, ao perceber a aproximação dos policiais militares, fugiu e entrou na sua casa, momento em que os policiais militares o perseguiram e o abordaram no interior da residência, quando apreenderam a arma de fogo. A Polícia chegou até ele por meio de denúncia anônima. Ele foi condenado a pena de 3 anos de reclusão, no regime inicial aberto, e pagamento de 10 dias-multa.
Contudo, no STJ, a defesa de E.V.D.O.A., representada pelos advogados Marta Xavier da Silva e Pedro Rodrigues da Silva Neto, alega violação ao artigo 5º, XI e LVI, da CF, defendendo a ilicitude das provas obtidas, em tese, mediante invasão de domicílio e, por consequência, aduzem a fragilidade das provas na condenação do crime de porte ilegal de arma de fogo de numeração suprimida e de posse de arma de fogo.
Conforme a defesa, também houve violação ao artigo 157 do Código de Processo Penal, diante da nulidade da prova carreada aos autos, pois obtida mediante invasão de domicílio sem que presente elemento mínimo com aptidão de justificar a diligência, baseando-se a força policial apenas em denúncia anônima.
Leia também: Com nove painéis, I Workshop de Ciências Criminais de Várzea Grande começa nesta quinta (27)
A tese foi aceita pelo ministro. “Como se vê, segundo os depoimentos dos policiais: "diligenciaram até o local, chegaram na residência, que o acusado estava na frente da residência com o portão aberto, que desceu e deu a ordem de parada, mas ele correu para dentro da residência". A tentativa de fuga da ré e o fato de terem sido encontrados objetos ilícitos, a posteriori, não convalidam a abordagem policial. Se não havia fundada suspeita de que no imóvel havia droga ou objetos, ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à invasão de domicílio, justifique a medida”, diz trecho da decisão.
O ministro convocado diz, ainda, que conforme entendimento firmado na Corte Superior, a despeito de nos crimes permanentes o estado de flagrância se protrair no tempo, tal circunstância não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos e seguros de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se uma situação de flagrância.
“Consoante entendimento desta Corte Superior, "[a]s circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude 'suspeita', ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente"”, cita decisão.
O ministro conclui: “Assim, ausentes evidências da prática de crime em desenvolvimento no interior da residência, inválida é a prova obtida mediante sua violação. Reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da invasão de domicílio, bem como as delas derivadas, a sentença deverá ser anulada, absolvendo-se o recorrente, por ausência de provas da materialidade do delito. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a nulidade das provas obtidas mediante ingresso domiciliar sem mandado e absolver o recorrente da imputação trazida na denúncia (art. 386, II e VII - CPP), determinando-lhe a soltura incontinenti (se encarcerado), se por outro motivo não estiver preso”.
Entre no grupo do VGNotícias no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).