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A ação penal é contra o governador de Mato Grosso Mauro Mendes e a juíza do Trabalho, aposentada compulsoriamente, Carla Reita Faria Leal
O juiz da 7ª Vara Federal de Mato Grosso, Paulo Cézar Alves Sodré, manteve o prosseguimento da ação penal movida pelo Ministério Público Federal, contra o governador de Mato Grosso Mauro Mendes e a juíza do Trabalho, aposentada compulsoriamente, Carla Reita Faria Leal, por suposta fraude em venda de imóvel arrematado em leilão trabalhista.
O imóvel, um apartamento de luxo em Cuiabá, segundo denúncia, foi adquirido em dezembro de 2009, inicialmente por Mendes em leilão público promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho – órgão vinculado a então juíza e posteriormente, o imóvel foi repassado para Carla Reita.
Nas respostas escritas à acusação, as defesas sustentaram a aplicação do princípio da consunção, para que o crime de fraude processual (CP, art. 348) absorva o crime de falsidade ideológica (CP, art. 299). Com a absorção, pugnaram as defesas pela declaração de extinção da punibilidade, ante a prescrição do crime de fraude processual.
Contundo, ao manifestar sobre a consunção, o MPF sustentou, em síntese, que o crime de falsidade ideológica não pode ser considerado como crime meio para o delito de fraude processual, porque a falsidade foi praticada dois anos após a consumação do crime de fraude processual e serviu para impedir a punição administrativa da juíza na Justiça do Trabalho.
A defesa da juíza aposentada reiterou a necessidade de aplicação do princípio da consunção e argumentou, quanto à cota ministerial, que o MPF inovou a tese acusatória, ao afirmar que a falsidade ideológica não serviu para possibilitar a consumação da fraude à arrematação, pois na denúncia, a acusação narra exatamente que a falsidade serviu como meio para assegurar a fraude à arrematação. Ainda, que se acolhesse a nova tese acusatória, a falsidade ideológica seria um pós-fato impunível, ou seja, mero exaurimento do crime de fraude à arrematação.
Já a defesa de Mauro Mendes juntou cópia do acórdão de agravo de instrumento do TRF1 e reiterou a aplicação do princípio da consunção, nos seguintes termos: ausência de justa causa material para o prosseguimento do processo, pois o TRF1, no julgamento de recurso da ação de improbidade administrativa movida contra os acusados na 8ª Vara Cível desta SJ/MT, entendeu que a corré Carla Reita não atuava como magistrada no processo trabalhista em que houve a arrematação do imóvel; e que o TRF1 realizou a análise exauriente das provas e concluiu que não existe ilegalidade na aquisição do imóvel. Ainda, a inaptidão dos novos argumentos lançados pelo MPF para afastar a aplicação do princípio da consunção, que atribuiu a mera questão da contemporaneidade, o que destoa da narrativa inicial da denúncia, que afirmou exatamente que a falsidade ideológica teria servido para dar aspecto de legalidade à arrematação apontada como fraudada.
Em nova manifestação, o MPF ponderou que a decisão proferida pelo TRF1 no agravo de instrumento, interposto nos autos da ação de improbidade administrativa não vincula o juízo criminal, porque as esferas criminal e cível são independentes. E ainda, asseverou que a decisão do agravo de instrumento não analisou o mérito da ação, mas questão preliminar e ainda não transitou em julgado.
Ao analisar as teses defensivas apresentadas nas respostas escritas à acusação, o juiz federal destacou que no que concerne ao princípio da consunção, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ressalta que para a aplicação do referido princípio, necessário se faz o preenchimento dos seguintes requisitos: a relação de dependência entre os crimes (ausência de autonomia delitiva); exaurimento do potencial lesivo da conduta a ser absorvida e inexistência de desígnios autônomos.
E destacou: “Como bem observado pelo MPF, em 02 de dezembro de 2009 o acusado Mauro Mendes arrematou o imóvel em hasta pública e dois anos depois, no dia 07/12/2011, o imóvel foi transferido para a acusada Carla Reita. Destarte, com a narrativa clara do desdobramento cronológico da ação, está afastada a aplicação do princípio da consunção, ante a autonomia das condutas, porquanto se houve a falsidade ideológica, ela foi praticada dois anos depois da consumação do suposto crime de fraude à arrematação. Não há que se falar em relação de crime meio e crime fim”.
O magistrado observa que o potencial lesivo, em tese, da fraude à arrematação não se exauriu com a transferência do imóvel. “Esse potencial lesivo, se confirmada a fraude, reflete em muitos outros âmbitos, notadamente com efeitos fiscais (declaração de bens de imposto de renda), civis (servir de garantia para e crédito) e penais (decorrentes da utilização desse documento apontado como falso), enfim, caso comprovada a fraude, ainda persistiria a potencialidade lesiva da falsidade ideológica, não havendo que se falar em exaurimento do falso, ainda mais considerando que esse falso, em tese, foi praticado dois anos depois da suposta fraude à arrematação” justificou.
No que concerne à tese de ausência de justa causa material para prosseguimento da ação penal, porque o TRF1, no julgamento de recurso da ação de improbidade administrativa movida contra os acusados na 8ª Vara Cível desta SJ/MT, entendeu que Carla Reita não atuava como magistrada no processo trabalhista em que houve a arrematação do imóvel, o magistrado federal ressaltou “que a independência das instâncias, conforme foi reconhecido pela própria defesa de Mauro Mendes, não traz efeito vinculativo do julgado à esfera penal”.
“O julgamento cível não possui o condão de alterar a trajetória da ação penal, mormente neste momento processual, considerando que a denúncia foi recebida à luz de indícios de materialidade e autoria delitiva e dependeria, para acolher a tese, julgar o mérito da prova documental e concluir a culpa ou inocência dos acusados, subtraindo a instrução criminal e impedindo os debates em contraditório judicial. De outro lado, a decisão do agravo de instrumento ainda não é definitiva, como bem ressaltado pelo MPF” enfatizou.
Diante disso, Sodré manteve a ação penal. “Por não vislumbrar a ocorrência das situações previstas nos artigos 395 e 397, ambos do Código de Processo Penal, mantenho o recebimento da denúncia e determino o prosseguimento do processo em seus demais termos, em conformidade com o artigo 399 do mesmo diploma legal”.
Ao final, o magistrado ressaltou que verificou que, até o presente momento, o MPF não se manifestou sobre a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal e, portanto, intimou o órgão federal. “Deste modo, intime-se o MPF para que se manifeste no prazo de 10 (dez) dias sobre a proposta. Com o oferecimento do acordo, intimem-se as defesas para manifestação no mesmo prazo. Manifestando-se negativamente o MPF, ou deixando transcorrer in albis o prazo para manifestação, façam-me os autos conclusos para designação de audiência de instrução” diz.
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