O juiz da Vara Especializada em Ação Civil Púbica e Ação Popular, Bruno D' Oliveira Marques, determinou que o Estado de Mato Grosso anule o ato que nomeou “falso pediatra” nos quadros da Secretaria Estadual de Saúde, após 17 anos na função. A decisão do magistrado, proferida em 26 de março, atende Ação Civil Pública Anulatória de Ato Administrativo proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra U.A.L.D.P. e o Estado de Mato Grosso.
Consta dos autos, que o MPE instaurou inquérito civil após denúncia do Ministério Público Federal, apontar que U.A.L.D.P. apresentou documentos públicos materialmente falsos ao Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso-CRM/MT, à Sociedade Mato-Grossense de Pediatria – SOMAPE e a Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso. A denúncia do MPF foi devidamente recebida pelo Juízo da 7ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Mato Grosso.
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O MPE aduz que U.A.L.D.P. se formou médico pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT em 27 de janeiro de 1998, e chegou a cursar residência médica em pediatria. Contudo, ele foi reprovado pelo Colegiado do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Mato Grosso em 05 de dezembro de 2002, devido a várias faltas, atrasos e ausência injustificadas. Contudo, mesmo diante da reprovação, U.A.L.D.P., em março de 2004, confeccionou um certificado de conclusão de residência em pediatria com o timbre da UFMT, dirigiu-se ao consultório do médico A.J.D.A., que à época chefiava o departamento de pediatria da Faculdade de Ciências da UFMT, bem como ao consultório dos médicos C.E.D.C.M. e J.C.D.C., a fim de que lançassem assinatura no documento, o que foi feito.
O MPE relata que o médico A.J.D.A., desconfiado da situação, buscou perante à Comissão de Residência Médica – COREME cópia do referido certificado, ocasião em que descobriu que o documento não foi emitido por aquela comissão. Segundo o MPE, a falsidade dos documentos também foi revelada nas declarações dos médicos C.E.M.D.B. e J.C.D.C. e que a supervisora da Residência Médica em pediatria do Hospital Júlio Muller – HUJM, e o chefe de Departamento de Pediatria, encaminharam ao presidente do COREME em 13 de fevereiro de 2003, ofício informando que o médico requerido não teve notas mínimas exigidas no estágio em residência médica da clínica pediátrica e estava automaticamente desligado do curso.
Após a coleta da assinatura dos médicos, U.A.L.D.P. levou a documentação fraudulenta até o Conselho Regional de Medicina – CRMMT, a fim de obter o certificado de residência médica em pediatria. Contudo, o requerimento foi indeferido, uma vez que o documento apresentado não preenchia os critérios vigentes para registro do título de especialista.
O MPE pontua, ainda, que U.A.L.D.P. apresentou o mesmo documento à Sociedade Mato-Grossense de Pediatria a fim de prestar prova para obtenção do título de especialista em pediatria. No entanto, a comissão de sindicância invalidou a inscrição em razão da documentação apresentada.
U.A.L.D.P. participou do Concurso Público 001/2002-SES/MT e FCRDAC para provimento de cargos efetivos pertencentes ao quadro pessoal da Secretaria de Saúde – SES/MT, concorrendo para o cargo profissional de nível superior do SUS, no perfil profissional médico com complexidade da atribuição em pediatria e foi classificado conforme resultado publicado no Diário Oficial nº 23.406, de 03 de Julho de 2002. Em 29.01.2004, pelo Termo de Posse nº 1996/2003, o demandado foi empossado no cargo de profissional médico do SUS, médico pediatra.
Em 17.08.2004, a superintendente de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Secretaria de Estado de Saúde, ao constatar que o requerido não possuía o título de especialista em pediatria registrado no Conselho Regional de Medicina, oficiou ao Superintendente de Gestão de Pessoas da SAD a fim de que fosse averiguada a posse. No entanto, durante a verificação, U.A.L.D.P. informou a impossibilidade de apresentar o certificado, uma vez que o documento estava no Conselho Regional de Medicina para análise, e assim o demandado foi sendo mantido no cargo.
A partir do Relatório de Auditoria do SUS, que pontuou acerca da necessidade da anulação da posse do requerido, foi aberto o Processo Administrativo Disciplinar, que, no entanto, ficou suspenso para realização de perícia, sendo mantido o requerido no cargo. Não há informação nos autos quanto a conclusão do referido processo administrativo.
O MPE requereu, em sede liminar, a suspensão dos efeitos do Ato de Posse 1996/2003, o imediato afastamento dos servidores dos quadros de servidores da SES, e via de consequência, a suspensão da remuneração. No mérito, requereu a declaração de nulidade do ato de posse 1996/2003 que autorizou o ingresso de U.A.L.D.P. nos quadros da Administração Pública.
De acordo com o juiz, “padece de higidez o ato administrativo que investiu U.A.L.D.P. no cargo público de cargo profissional de nível superior do SUS, no perfil profissional médico com complexidade da atribuição em pediatria, na medida em que restou violado as condições presentes no edital de abertura do concurso público, edital esse que faz lei entre as partes, vinculando tanto a Administração Pública quanto os candidatos participantes do certame.
Em sua decisão, o juiz diz que as afirmações do requerido de que havia concluído a residência médica não comportam guarida, pois, os documentos emitidos pela Universidade Federal de Mato Grosso atestam que U.A.L.D.P. não concluiu o programa de residência médica e ainda, ele não trouxe em sede de contestação cópia do certificado original de conclusão da residência devidamente registrado no COREME, incumbência que lhe cabia, e que “em consulta ao site do CRM/MT, não há o registro da especialidade em pediatria, passados mais de cinco anos do ajuizamento da ação”.
Ademais, complementa o magistrado, “a declaração do requerido de que era comum os estudantes confeccionarem atestados e/ou certidão, não afasta o fato de que o requerido não possuía ao tempo da nomeação a especialidade médica exigida para ocupar o cargo por ele escolhido” justifica.
Segundo o juiz, a manutenção de U.A.L.D.P. no cargo ocupado além de violar as regras do concurso público, traz risco à sociedade na medida em que o requerido não detém a especialidade médica necessária para o ocupar o cargo que ocupa.
“Destarte nota-se que o requerido, com a intenção de ser investido no cargo de médico com especialidade pediátrica, mesmo tendo ciência acerca do seu desligamento do programa de residência médica, apresentou perante à Secretaria de Saúde declaração de realização de estágio em pediatria ao invés do certificado de conclusão do programa de residência médica em pediatria, informações que possivelmente induziram à Administração Pública em erro” destaca.
Conforme decisão, em sentença penal constantes dos autos U.A.L.D.P. foi condenado em primeira instância por uso de documento falso perante ao Conselho Regional de Medicina, com o propósito de adquirir o título de especialista em pediatria, face a Sociedade Mato-Grossense de Pediatria – SOMAPE, e ainda, diante da Secretaria de Saúde para garantir posse em cargo efetivo.
Para o juiz, U.A.L.D.P. “não desincumbiu de trazer aos autos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos dos alegados na exordial, razão pela qual, à vista dos documentos constantes nos autos que evidenciam de forma clarividente o descumprimento do requisito objetivo existente no Edital de Abertura de Concurso Público nº 001/2002- SES/MT e FCRDAC, a nulidade do Termo de Posse é medida que se impõe”.
Em sua decisão, o juiz diz que não existe informações nos autos se o requerido ainda se encontra investido na função pública, contudo, conclui: “de qualquer forma, dada a independência das instâncias cível, criminal e administrativa, entendo necessária a reapreciação da tutela de urgência requerida, face a flagrante ilegalidade do vínculo do requerido com a administração pública”.
Em sede cognição exauriente, o magistrado cita que restou demonstrada a plausibilidade do direito substancia invocado - fumus boni iuris -, pois o requerido não preenchia os requisitos necessários para a investidura no cargo. “Outrossim, preenchido o pressuposto do perigo de dano, na medida em que a sua permanência nos quadros de servidores da Secretaria de Estado de Saúde, além de violar o princípio da legalidade, onera os cofres do Estado” argumenta.
Dessa forma, o magistrado entende necessária à concessão da tutela de urgência, a fim de obstar o efeito suspensivo da apelação. “Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedente a presente Ação Civil Pública, pelo que declaro a nulidade absoluta do Termo de Posse nº 1996/2003, com efeitos ex tunc. Outrossim, diante do reconhecimento do direito e da presença do perigo de dano, com fulcro no art. 300 do supracitado Diploma Processual, concedo, nesta oportunidade, a antecipação da tutela, o que faço para suspender os efeitos do Ato de Posse nº 1996/2003, determinando o imediato afastamento do servidor U.A.L.D.P. dos quadros de servidores da SES e, via de consequência, a interrupção da sua remuneração até a reforma e/ou o trânsito em julgado do presente decisum” diz decisão.
O juiz ainda condenou U.A.L.D.P. ao pagamento das custas e despesas processuais, deixando de aplicar a condenação em relação aos honorários advocatícios, por serem incabíveis ao Ministério Público.
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