Dois membros do Ministério Público de Mato Grosso são alvos de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) por suposta parcialidade e abuso processual em investigação.
Em sessão desta segunda (20.09), por maioria, o Conselho Nacional do Ministério Público, aceitou denúncia protocolada pelo empresário Eder Pinheiro, dono da Verde Transportes, e determinou a instauração de PAD contra a procuradora de Justiça, Ana Cristina Bardusco, e o promotor de Justiça, Ezequiel Borges. Veja voto na íntegra do relator, conselheiro nacional Luciano Nunes Maia Freire, no final da matéria.
O empresário alegou que os dois membros do MPE/MT teriam autuado de forma parcial e com nítido abuso processual na investigação de supostos crimes envolvendo a concessão dos serviços públicos de transporte coletivo no âmbito do Estado de Mato Grosso, razão pela qual teriam incorrido na prática de infração disciplinar por violação aos deveres funcionais estabelecidos no artigo 43 incisos I, II, VI e VIII, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, bem como no artigo 72, incisos I, II, VII, IX e X, da Lei Complementar estadual nº 27/1993.
A Corregedoria Nacional chegou a determinar o arquivamento do feito e o envio de cópia dos autos ao MPEMT, sob o argumento de que, em respeito aos princípios da eficiência e economicidade, aquele órgão correcional teria melhores condições de apurar a notícia de falta disciplinar veiculada na inicial.
Contudo, o empresário interpôs recurso interno e sustentou que a decisão viola o direito de petição, na medida em que é cabível Reclamação Disciplinar contra membros do Ministério Público perante o CNMP, inexistindo óbice à atuação direta do órgão de controle. Sustenta, ainda, que, diferente do alegado na decisão, o distanciamento do CNMP dos fatos narrados proporciona melhores condições de julgamento imparcial da matéria, considerando, inclusive, o fato de que as condutas teriam sido respaldadas pela Administração Superior do MPE/MT.
O Ministério Público de Mato Grosso informou que teria instaurado Reclamação Disciplinar para apuração dos fatos. Intimados para apresentar contrarrazões, Ana Cristina e Ezequiel arguiram, em síntese, que o recurso interno não preenche o pressuposto recursal previsto no artigo 153, parágrafo único, RI/CNMP, que as alegações recursais são genéricas e que a publicidade dada aos atos do MP/MT impugnados se deu de forma estritamente objetiva e para finalidade institucional. Além disso, defendem que o fato já se encontra em apuração, de forma suficiente, na Corregedoria Geral do MPMT.
Notificada do teor das informações prestadas pelo órgão correcional local, a Corregedoria Nacional se manifestou pelo seguimento do recurso interno.
Já o empresário, reforçou os argumentos expedidos na peça recursal e requereu o provimento do recurso interno interposto. Eder argumentou ofensa ao direito de petição, na medida em que os fatos não foram analisados pela Corregedoria Nacional, prática de lawfare, diante da alegação de “grande exploração midiática da prisão dele, efetivada em 25 de abril de 2018” e de vazamento de conteúdo de inquérito sigiloso à imprensa.
Em seu voto apresentado em maio deste ano e acompanhando em sessão desta segunda (20) por maioria dos membros do Conselho, o conselheiro nacional Luciano Nunes Maia Freire enfatizou que o recurso interno preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.
“A legitimidade e o interesse recursais estão presentes, pois a parte recorrente figura como autora da reclamação disciplinar e o seu arquivamento, portanto, evidencia a sucumbência da parte recorrente. Nesses termos, reputo que o artigo 153, parágrafo único do RI/CNMP encontra-se devidamente observado, razão pela qual rejeito a alegação da parte recorrida nesse ponto. Igualmente, está presente a tempestividade” destacou.
O conselheiro relata que os recorridos são membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso e, durante os fatos narrados no processo, eram promotores de Justiça que titularizavam promotorias de Justiça de Cuiabá, sendo Ezequiel na 6ª Promotoria, e Ana Cristina Bardusco na 14ª Promotoria de Justiça Criminal (Repressão à Sonegação Fiscal).
Consta do voto, que “nada obstante a dificuldade do Estado de Mato Grosso em realizar e concluir o devido processo licitatório nos contratos de concessão das linhas de transporte coletivo intermunicipal rodoviário, os membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, na seara cível e criminal, passaram a deflagrar procedimentos extrajudiciais, ações e intervenções judiciais no mercado do serviço público de transporte intermunicipal de passageiros e, assim agindo, manifestaram atuação funcional ofensiva à isonomia, à impessoalidade e à imparcialidade”.
“No presente recurso interno, o recorrente formula, em desfavor dos recorridos, alegações de violação ao princípio do promotor natural, parcialidade na atuação funcional com intuito de prejudicar a pessoa jurídica Verdes Transportes LTDA, vazamento de informações sigilosas em investigação criminal, lawfare processual e omissão de investigar e/ou favorecimento à pessoa jurídica Viação Novo Horizonte LTDA”.
O conselheiro frisa que a decisão de arquivamento da Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Mato Grosso não esclareceu três aspectos que autorizam a conclusão quanto à existência de violação aos princípios da impessoalidade, da imparcialidade e da boa-fé processual e conduzem a constatação de ocorrência de violação dos deveres funcionais de zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções e de desempenhar com zelo e presteza as suas funções, praticando os atos que lhe competir, fatos puníveis com penas de advertência até suspensão inferior a 45 dias.
“Em primeiro lugar, identifica-se a ausência de formulação de denúncia e respectiva conclusão da operação Rota Final, apuração criminal registrada sob nº 115154/2017 até hoje em andamento, não obstante a adoção de medidas cautelares, tais como a expedição de mandados de prisão e de busca e apreensão, e a farta veiculação de matérias jornalísticas a respeito da investigação, inclusive com o episódio de prisão midiática do autor do presente recurso interno em 25 de abril de 2018. Conforme se depreende dos autos, a operação Rota Final foi vastamente divulgada na mídia local, sobretudo em virtude das medidas cautelares restritivas de direitos fundamentais empreendidas, sem que tenha havido, mesmo depois de anos, a conclusão das investigações com a expressão da opinio delicti pelo Ministério Público. Tal fato é imputável aos recorridos, tendo em vista o teor da Portaria nº 820/2017-PGJ, que delegou, em 17 de outubro de 2017, as atribuições criminais originárias para promoverem atos investigatórios e processuais referentes aos fatos constantes do Inquérito Policial nº 115154/2017, número único nº 0115154-93.2017.811.0000, aos então promotores de Justiça ANA CRISTINA BARDUSCO SILVA e EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS (fl. 632). Portanto, decorridos mais de 3 anos da delegação da atribuição para o exercício da atividade investigativa, a justificativa apresentada pela recorrida revela-se frágil” cita trecho do voto.
Conforme o conselheiro, a justificativa apresentada por Ana Bardusco de que “os fatos investigados relacionados à operação Rota Final são complexos, e o número de envolvidos, bem como a própria dificuldade cotidiana na coleta de informações e dados no interesse dos trabalhos investigativos justificariam a elasticidade no seu prazo de conclusão, não significando, por outro lado, que máquina estatal está inerte”, não se mostrou suficiente para afastar a responsabilidade disciplinar pelo fato que configura, em tese, inobservância do dever funcional de desempenhar com zelo e presteza suas funções.
Além disso, o conselheiro observa que a atuação massiva do promotor de Justiça Ezequiel Borges em feitos que tramitam acerca de transportes público em Cuiabá, mesmo fora das atribuições da 6ª Promotoria de Justiça de Cuiabá, da qual é titular, de sorte a pôr em dúvida o cumprimento dos deveres de atuação com impessoalidade e imparcialidade em procedimentos extrajudiciais e processos judiciais acerca dessa temática.
“A título de exemplo, o recorrido atuou, fora de suas atribuições naturais na 6ª Promotoria de Justiça Cível de Cuiabá/MT, no mandado de segurança cível nº 1012084-46.2019.8.11.0041, em 19/6/2019, que tramitava na 5ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá, bem como no agravo regimental cível nº 1008256-68.2019, em 9/7/2019, e no processo judicial nº 1006494-17.2019 que tramitavam perante a Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça do estado do Mato Grosso. Salta aos olhos, ainda, a atuação no mandado de segurança cível nº 1010103-08.2019.8.11.0000, impetrado em 09/7/2019 diretamente perante o Tribunal de Justiça do estado de Mato Grosso em desfavor de ato de Conselheiro do Tribunal de Contas estadual. Nesta ocasião, o promotor de Justiça EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS, em manifesto excesso de linguagem, de forma pessoal e parcial e em violação ao princípio da boa-fé processual, imputou “atuação malévola dos agentes privados que dominam a exploração do serviço em regime precário e que não possuem interesse algum de perder o inaceitável privilégio” e atribuiu o fracasso da licitação “à empresa Verdes Transportes LTDA”” diz voto.
Ao final, o conselheiro afirmou haver contra os dois membros do MPE/MT, indícios suficientes de materialidade e autoria de condutas violadoras de seus deveres funcionais.
“Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do presente recurso interno e, no mérito, dar-lhe provimento a fim de que seja instaurado Procedimento Administrativo Disciplinar em face do promotor de Justiça EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS e da procuradora de Justiça ANA CRISTINA BARDUSCO SILVA, ambos membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, em razão de haver indícios suficientes de materialidade e autoria de condutas violadoras de seus deveres funcionais insertos nos artigos 190, VI, e artigo 134, incisos III e VI, da Lei Complementar Estadual do Mato Grosso nº 416, de 22 de dezembro de 2010, as quais, se comprovadas, darão ensejo à aplicação de penas de advertência, censura ou suspensão inferior a 45 dias, conforme disposto nos artigos 191 e 193 do referido estatuto legal. É como voto, eminentes Conselheiros e Conselheiras” diz voto do conselheiro nacional Luciano Nunes Maia Freire.
PAD
O Processo Administrativo Disciplinar irá apurar três fatos, confira abaixo:
FATO 1 – O promotor de Justiça EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS e a procuradora de Justiça ANA CRISTINA BARDUSCO SILVA conduziram investigação com atribuições conferidas pela Portaria nº 820/2017-PGJ, de 17 de outubro de 2017, apuração criminal registrada sob o nº 115154/2017, até então sem conclusão com a formulação da opinio delicti do Ministério Público, não obstante a adoção de medidas cautelares, tais como a expedição de mandados de prisão e de busca e apreensão e a farta veiculação de matérias jornalísticas a respeito da investigação, inclusive com o episódio de prisão midiática de EDER AUGUSTO PINHEIRO em 25/04/2018. Ao deixar de formular denúncia ou dar outra solução definitiva para investigação que se prolonga por anos, os membros do Ministério Público do estado de Mato Grosso violaram o dever funcional de desempenhar com zelo e presteza as suas funções.
FATO 2 – O promotor de Justiça EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS atuou, mesmo fora das atribuições da 6ª Promotoria de Justiça Cível de Cuiabá/MT de sua titularidade, de forma massiva nas demandas que tramitam acerca de transportes públicos, de sorte a fragilizar o cumprimento do dever de atuar com imparcialidade e impessoalidade em procedimentos extrajudiciais e judiciais acerca dessa temática, a exemplo do mandado de segurança cível nº 1010103-08.2019.8.11.0000, impetrado em 09/7/2019, perante o Tribunal de Justiça do estado de Mato Grosso, no bojo do qual em manifesto excesso de linguagem e flagrante violação à boa-fé processual, o promotor de Justiça em questão imputou à empresa Verdes Transportes LTDA “atuação malévola que domina a exploração de serviço em regime precário e que não possui interesse algum de perder o inaceitável privilégio. Dessa forma, o promotor de Justiça EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS laborou em violação aos deveres funcionais de zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções.
FATO 3 – A Dra. ANA CRISTINA BARDUSCO SILVA manifestou-se favoravelmente à Viação Novo Horizonte LTDA em investigação criminal nº 0031740-66.2018.8.11.0000 para que houvesse o fornecimento de cópia dos referidos autos em que contido material sigiloso fruto de interceptação telefônica e quebra de sigilo bancário e embora a pessoa jurídica postulante não fosse investigada, em parecer assinado em 20 de julho de 2018. Diante da evidente ilegalidade do acesso de conteúdo sigiloso concedido a terceiro durante investigação criminal, em 11 de setembro de 2018, portanto, um mês após a concessão do acesso, o deferimento foi revisto para impedir a extração de cópia das gravações oriundas da interceptação telefônica. Assim sendo, incorreu a representante do Ministério Público do estado de Mato Grosso em inobservância do dever funcional de desempenhar com zelo e presteza suas funções.
O PAD deverá indicar, atendendo à exposição circunstanciada acima realizada, a ocorrência da infração disciplinar prevista nos artigos 190, inciso VI, e 134, incisos III e VI, da Lei Complementar Estadual do Mato Grosso nº 416, de 22 de dezembro de 2010, sujeitando-se o promotor de Justiça Ezequiel Borges De Campos e a procuradora de Justiça Ana Cristina Bardusco Silva à pena de advertência até suspensão inferior a 45 dias, nos termos dos artigos 191 e 193 da mencionada Lei Complementar Estadual, em razão de prática de fatos consistentes em deixar de prezar pelo prestígio e dignidade da Justiça e de desempenhar suas funções com zelo e presteza, bem como agir com ofensa aos princípios da imparcialidade e da impessoalidade.
O Processo Administrativo Disciplinar terá o prazo de conclusão de 90 dias, prorrogável, motivadamente, pelo Relator, nos termos do artigo 90 do RI/CNMP.
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