O ex-deputado estadual José Riva, que comandou a Assembleia Legislativa de Mato Grosso por 20 anos, na condição de presidente e 1º secretário da Mesa Diretora, está de volta ao Fórum de Cuiabá nesta quarta-feira (30.11) para ser interrogado em 17 ações penais.
Todas são relativas à Operação Arca de Noé, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 2002 para desarticular esquemas de desvios de dinheiro do Legislativo Estadual.
A somatória dos valores, que o Ministério Público Estadual (MPE) afirma que foram desviados dos cofres da Assembleia por meio de pagamento a empresas de fachada, ultrapassa os R$ 22 milhões, montante daquela época. Quem conduz os interrogatórios é a juíza titular da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Santos Arruda.
A expressiva quantidade de ações penais relacionadas aos mesmos fatos é resultado da estratégia do Ministério Público de separar as denúncias para cada uma das empresas que receberam os cheques da Assembleia Legislativa.
O ex-deputado e ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Humberto Bosaipo, também é réu em parte das ações, mas responde em separado. Existem ainda outros réus pelos crimes que também são processados em ações desmembradas. Em relação a Riva e Bosaipo, as ações tramitaram no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em função do foro por prerrogativa de função.
Ao término dos mandatos eletivos de ambos, os processos foram remetidos para a primeira instância e tramitam na 7 ª Vara Criminal de Cuiabá.
Acompanhe os principais momentos da audiência
15h55 - “Depois de fazer uma reflexão decidi fazer uma confissão e colaborar com a Justiça”, afirma Riva quando questionado por Selma Rosane sobre o porquê ele pediu para ser reinterrogado nas ações penais.
Ele começa falando de quando foi eleito presidente da Assembleia em janeiro de 1995 e na Casa já existia uma dívida de R$ 25 milhões junto à Real Factoring.
Relata que foi chamado para uma reunião juntamente com o deputado Gilmar Fabris (PSD) outros deputados da época e secretários. Ele diz que aceitou assumir o compromisso de pagar as dívidas.
Segundo ele, naquela época a Assembleia não tinha crédito na praça.
Riva disse ter combinado com o contador Agenor para que ele emitisse cheques dele pra cobrir despesas da Assembleia com voos, combustível para atender deputados e até passagens.
“Na época a Assembleia era um poder que não tinha o mínimo de crédito”. Ele garante que no caso da empresa Paranorte não houve desvio de dinheiro.
Segundo ele, a dívida da Assembleia era uma dívida monstruosa incluindo de salários de servidores. Elas vinham das gestões anteriores, de Humberto Bosaipo e Gilmar Fabris, mas não pode atestar se era unicamente das gestões de ambos ou se vinha de outras gestões anteriores às deles. Diz que era uma dívida que estava “represada”.
A questão da dívida nem operação fazia, só dava o cheque para pagar a dívida que já existia.
Da dívida de R$ 25 milhões, 65% era com João Arcanjo Ribeiro e o restante era com outros credores e agiotas.
Ele diz que teve época em que a Assembleia chegou a acumular cinco folhas de pagamento em atraso.
O dinheiro ia para factorings, para campanhas eleitorais e para credores.
Num determinado momento, Riva e Romoaldo Júnior que comandavam a Mesa Diretora recorreram a empréstimos consignados para pagar as folhas salariais.
Diz que as empresas de fachada surgiram a partir de 1999 e 2000. Algumas já existiam e outras foram abertas. Num determinado momento o deputado Humberto Bosaipo o chamou e disse que tinha como resolver a questão das dívidas em expor os fornecedores.
O Nilson Teixeira (contador da Confiança Factoring, de João Arcanjo Ribeiro) foi um dos criadores de algumas dessas empresas. Nesse contexto também entram os irmãos Joel e José Quirino réus na maior parte das ações penais. “Não sei até onde vai à participação deles na abertura dessas empresas”, relata Riva.
Teve uma época em que o governador Dante de Oliveira (já falecido) aceitou passar R$ 22 milhões para a Assembleia para pagar essas dívidas com João Arcanjo Ribeiro. Então a Assembleia emitiu várias notas promissórias para Arcanjo. Todo mês tinha que entregar R$ 700 mil para pagar as promissórias emitidas para Arcanjo.
Esses valores eram exatamente emitidos em nome das empresas investigadas na Arca de Noé. Riva relata que Dante de Oliveira sabia que o dinheiro seria usado para pagar a conta com João Arcanjo. “Se não pagasse ele [João Arcanjo] ia lá na Assembleia e ameaçava, fazia escândalo. Ameaçava todo mundo. Eu mesmo fui ameaçado”, revela Riva.
Posso garantir que essa dívida não surgiu naquela época, 80% dela já existiam. Ele concorda que algumas outras contas foram feitas na gestão dele porque o orçamento não era suficiente para cobrir as despesas e também para repassar para jornalistas e veículos de comunicação.
Em 1996 ele passou vergonha quando um jornalista do Programa Vip foi o cobrar por um cheque de R$ 12 mil e estava sem fundos. O cheque foi emitido em nome da Assembleia. Selma Rosane questiona qual era a finalidade de repassar dinheiro para jornalistas e veículos e ele disse que era para pagar serviços de “mídia”.
Riva revela ainda que uma rádio de João Arcanjo Ribeiro recebeu R$ 4,5 milhões da Assembleia sem prestar qualquer serviço. Ele é questionado, mas não sabe dizer o nome da rádio, diz apenas que era do grupo JAR.
“Os cheques eram emitidos para as empresas e descontados na boca do caixa para atender interesses e campanhas eleitorais ou repassados para superiores”, disse.
Riva explica que parte dos valores também era repassado para gráficas com notas emitidas a maior. O dinheiro era retirado do caixa da Assembleia ou os cheques eram entregues direto para as empresas de fachadas.
Riva admite que também usou parte dos valores em dinheiro emitidos para as empresas de fachada e descontados nas factorings para custear dívidas de suas campanhas políticas.
Relata que Humberto Bosaipo fez o mesmo ficando com cerca de R$ 2,5 milhões. Os valores eram usados como caixa 2.
“Isso financiava campanha de deputado e pagava factoring e dívida pessoal também”, diz Riva.
Juíza Selma Rosane detalha os valores que constam em um dos 17 processos e cita todos os nomes das empresas beneficiadas.
Riva relata que de cabeça não pode confirmar em detalhes. Mas confirma que as empresas eram usadas para pagamentos por meio de cheques da Assembleia.
Ele cita que a maioria dos deputados tinham casas de apoio para receber pessoas que vinham principalmente do interior em busca de atendimento na área da saúde e também bancavam custos e gastos com esse dinheiro.
Relata que não era somente para uso pessoal. “Algumas dessas empresas em algumas situações foram usadas para pagar dívidas até legais”, argumenta ele ao admitir ser difícil de provar cada caso em separado.
Selma Rosane segue lendo detalhes de diferentes ações penais e José Riva continua confirmando tratar-se de empresas de fachada que receberam pagamentos ilegais por meio de vários cheques emitidos pela Assembleia.
Selma Rosane questiona Riva sobre cheques encontrados na Piran Factoring, do empresário Valdir Piran. De acordo com o ex-deputado, houve uma operação na qual Valdir Piran adquiriu um crédito com João Arcanjo Ribeiro.
“Eles eram muito parceiros”, relata. Num determinado momento, segundo Riva, Vadir Piran foi até a Real Factoring e passou a ser detentor dos créditos.
Selma Rosane quer saber nomes de deputados ou ex-deputados também beneficiados pelos pagamentos ilegais feitos para as empresas de fachada. “Todo deputado que recebeu cheques vinculados a essas empresas com certeza foi beneficiado”, disse Riva.
“Tinham muitos deputados que operavam factoring é preciso separar isso e estou fazendo isso com muito cuidado”, argumenta Riva ao explicar que se algum deles usou cheques emitidos para as empresas de fachada foi para usar em campanha eleitoral.
Pelo menos um cheque foi localizado na conta do ex-deputado Humberto Bosaipo. Riva esclarece que naturalmente os cheques foram desviados e ele não tem como precisar como isso ocorreu.
“Se foi parar nas contas de deputado foi de forma indevida”, diz Riva ao explicar que os cheques foram emitidos para as empresas que não prestaram serviços e nem forneceram produtos para a Assembleia Legislativa.
Selma Rosane questiona Riva se Humberto Bosaipo tinha conhecimento do esquema. Ele atesta que sim. “Sabia e participava. Assim como eu ele tinha conhecimento pleno”, enfatiza José Riva.
“Essas empresas de fachada surgiram por ideia do deputado Bosaipo e eu aprovei”, detalha o ex-deputado ao responder perguntas da juíza sobre a participação dos demais réus pelos mesmos fatos.
Alguns dele como os irmãos Quirino, José Riva atesta que nem os conhecia, pois eram pessoas ligadas a Humberto Bosaipo.
Sobre Geraldo Lauro, ex-chefe de gabinete de Riva, o ex-deputado diz que seu aliado não sabia da origem das empresas, mas ele de fato assinou vários cheques. “Houve um período que ele assinou vários cheques, só emprestava o nome”.
Quanto ao réu Nilson Teixeira, funcionário de João Arcanjo, Riva confirma que tinha pleno conhecimento do esquema de cheques fornecidos para empresas de fantasmas para serem descontados na Confiança Factoring. “Ele com certeza sabia e endossava tudo”, atesta José Riva.
Selma Rosane quer saber como era a relação de Dante de Oliveira com os deputados. Riva resiste e diz que Dante já morreu então gostaria de falar isso. Seu advogado, Rodrigo Mudrovischt orienta que ele relate esses detalhes.
Riva relata que Dante de Oliveira também repassava valores para alguns deputados e esses paramentares então não participavam do esquema da Assembleia.
Ressalta, no entanto, tinha também alguns deputados que não pegavam dinheiro ilegal de nenhum dos lados, ou seja, nem dos cheques emitidos para empresas fantasmas e nem do então governador Dante de Oliveira.
“Então tem uma luz no fim do túnel”, questiona Selma Rosane. “Tem várias luzes”, responde Riva. A magistrada quer saber os nomes dos deputados que não recebiam repasses. “Eu vou citar isso, mas precisa ser no momento oportuno”
Só de agiota e factorings dá mais de R$ 25 milhões. “Decidi expor isso porque as pessoas que estão envolvidas nisso não conseguem mais sair, eles impõem uma alta taxa de juro e acaba que você fica preso”.
“Cheguei a cogitar a renunciar antes de começar isso. Se eu tivesse feito isso não estaria aqui hoje”, diz Riva ao relatar que fez um pacto pra conseguir a Mesa Diretora. Segundo ele, depois que entrou no esquema nunca mais conseguiu sair.
Conta que ganhou muito dinheiro, mas não ficava com nada, sofreu muito desgaste e até ameaças. “A prisão do Arcanjo foi um alívio. Pelo menos nos livramos daquela situação. Embora tínhamos acabado de pagar é bem possível que começasse de novo”, relata Riva para Selma Rosane.
“Aqui ninguém tinha coragem de enfrentar o Arcanjo. Eu não o escolhi ele já estava lá. Conheci o Arcanjo na reunião da Mesa para anunciar a dívida que já existia com ele”, argumenta Riva ao responder Selma Rosane sobre o motivo de ter aceitado se envolver no esquema onde João Arcanjo ditava as regras e impunha medo por meio de ameaças.
“Graças a Deus consegui sobreviver, não sei se valeu à pena. É lógico que não valeu a pena”, atesta Riva.
Confesso que tudo que fiz não fui forçado, ninguém colocou um revólver na minha cabeça. Antes de assumir aquela conta eu tinha opções, inclusive de renunciar. Eu participei de tudo, teve coisas que participei mais, outras participei menos”.
“O descrevi aqui foi o que eu vivi, que presenciei”, diz José Riva.
O promotor Sérgio Costa quer saber se os deputados Emanuel Pinheiro, José Carlos, Benedito Pinto, Nico Baracat (já falecido) também foram beneficiados no esquema. Riva não confirma nominalmente.
Responde da seguinte forma: “Todos os deputados que pegaram cheques derivados dessas empresas foi uma vantagem pessoal indevida independentemente de quem seja”.
Depois ele confirma que Emanuel Pinheiro também foi beneficiado. Segundo Riva, Emanuel Pinheiro foi beneficiado nos repasses feitos para a empresa Marinez Pacheco. A empresa recebeu cerca de R$ 4 milhões por meio de vários cheques.
Riva estima que tenha pagado para João Arcanjo cerca de R$ 45 milhões naquela época. Quando assumiu a dívida de R$ 25 milhões já existia na Assembleia.
Riva volta a confirmar que da dívida de R$ 25 milhões pelo menos 70% era devido para João Arcanjo resultado de campanhas eleitorais de deputados que ele emprestava dinheiro para os parlamentares serem eleitos antes de 1994.
Riva ressalta que foi eleito para o pleito de 1995 em diante.
“Teve deputado, gráfica e posto de gasolina beneficiados”, diz Riva.
“Nunca pedi um centavo para empreiteiro, não pedia retorno como muita gente faz. Eu repassava todos os valores das minhas emendas. Eu tinha credibilidade, tinha muita facilidade de levantar dinheiro”, revela José Riva ao responder questionamentos do promotor Sérgio Costa sobre doadores de sua campanha.
"Eu tinha muito crédito com essas pessoas”, atesta ele.
Lavagem de dinheiro - O promotor Sérgio Costa quer saber se Riva assume que lavou dinheiro usando a factoring do João Arcanjo.
Ele não confirma e diz que o dinheiro da Factoring não era limpo. “A maior parte do dinheiro da Factoring era caixa 2, várias operações eles nem lançavam”, atesta o ex-presidente da Assembleiaao pontuar que não pretende assumir culpa por algo que não fez.
18h19 - Promotor afirma quer vai requerer nas alegações finais que o depoimento de Riva de hoje seja transcrito para todos os outros processos em relação aos demais réus em ações que tramitam separadamente por causa dos mesmos fatos. Audiência é encerrada.
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