Homenageado pelo Globo no fim do ano passado com o prêmio Faz Diferença, Joaquim Barbosa era, até recentemente, uma unanimidade na casa editorial dos Marinho.
Não é mais. Ontem, num artigo contundente, Ricardo Noblat desceu o sarrafo no presidente do Supremo Tribunal Federal. Questionou sua qualificação jurídica e afirmou que ele só foi escolhido para o STF em função da cor da pele, além de criticar, evidentemente, sua falta de compostura para o cargo que exerce (leia mais aqui).
Herói da imprensa conservadora até recentemente, Barbosa vinha sendo poupado de críticas até pelo Estado de S. Paulo, onde um de seus repórteres foi agredido de forma covarde e injusta pelo chefe do Poder Judiciário.
No site da revista Istoé, num artigo primoroso, Paulo Moreira Leite discute a essência das coisas. O "atrito" entre Barbosa e Ricardo Lewandowski, que gerou a polêmica recente, não trata de uma questão apenas formal ou relativa à educação dos magistrados. Trata de um direito assegurado pela Constituição, que o chefe do Judiciário tenta negar aos réus (leia aqui).
Barbosa, no entanto, ganhou uma aliada: a jornalista Miriam Leitão, que, no próprio Globo, questiona o artigo de Noblat, defendendo o preparo intelectual de Barbosa e até sua educação. Recentemente, ela o entrevistou para o Globo. Na reportagem (leia aqui), Barbosa se disse perseguido pela imprensa que investigava até seu imóvel em Miami, comprado por meio de uma offshore e registrado no nome de empresa com sede em imóvel funcional do STF. Curiosamente, a reportagem na Folha foi escrita por Matheus Leitão, filho da colunista do Globo, mas Miriam não o questionou.
Em seu artigo de hoje no Globo, Miriam Leitão exalta as qualidades do ministro, mas parece se deixar levar por um sentimento de culpa. Como ela própria há vários anos se dedica ao tema racismo e defende políticas públicas como cotas, parece enxergar nas críticas ao presidente do STF um viés também racista. "Como já escrevi várias vezes neste espaço: acho que o racismo brasileiro é o problema; e ele tem causado sofrimento demais aos negros, e apequenado o destino do Brasil", disse ela.
Ocorre que a polêmica atual nada tem a ver com a questão racial. Barbosa está sendo criticado até pela OAB por ter cassado a palavra de um colega, o que seria inconstitucional, e por tentar negar aos réus, na base da intimidação, um direito assegurado por lei.
Abaixo, o artigo de Miriam Leitão contra Ricardo Noblat:
Questão de ordem - MIRIAM LEITÃO
O ministro Joaquim tem comprovado saber jurídico. Se não fosse isso, ele não teria construído o sólido relatório sobre a complexa Ação Penal 470 e nem teria conseguido ser acompanhado pelos seus pares. Eleitor do ex-presidente Lula e da presidente Dilma, ele demonstrou o maior dos valores que um juiz precisa ter: separar suas preferências políticas do julgamento da ação.
O ministro Joaquim Barbosa tem educação de berço, no que é o mais relevante: seus pais o ensinaram o valor da educação e da acumulação do conhecimento num país, e numa geração, que deixou pobres e negros fora da escola. Para perseguir os sonhos plantados na casa que nasceu é que ele foi tão longe. Poderia ter ficado em qualquer dos bons cargos que atingiu: gráfico do Senado, oficial de chancelaria. Mas o filho do pedreiro quis atravessar outras fronteiras, aprender várias línguas, fazer mestrado, doutorado, viver em outros países e entender o mundo.
A admiração que tenho por sua trajetória de vida e sua obstinação; a coincidência que tenho com várias de suas avaliações sobre o Brasil não me fazem apoiar todos os seus atos e palavras. Também não gostei do conflito entre ele e o ministro Ricardo Lewandowski. "Chicana" é uma palavra que o meio jurídico abomina. Demorar-se em falas excessivamente longas que nada acrescentam de novo, e, na maioria das vezes, para acompanhar o relator, é um hábito que o ministro Lewandowski deveria abandonar. Isso protela o que já foi exaustivamente discutido. Pelo tempo dedicado ao julgamento dessa ação não se pode dizer que o Supremo Tribunal, ou seu presidente, tenha tido pressa. Tudo está sendo feito no devido processo legal. Quando era revisor, era natural que o ministro Lewandowski convocasse tanta atenção para si, seus pensamentos e votos. Agora, o alongamento não faz sentido.
Sei que a economia tem assuntos aos quais eu deveria dar atenção. A pauta está cheia. O dólar dispara, a confiança dos empresários cai, o fluxo de capitais se inverte. São esses os temas preferenciais deste espaço.
Mesmo assim, me ponho a falar de Joaquim Barbosa. O detonador da escolha para o tema de hoje foi a coluna de ontem do meu colega e amigo Ricardo Noblat. Dela discordo tão profundamente que quis registrar.
Ele disse que "falta a Joaquim grande conhecimento de assunto de Direito" e citou como fonte, "a opinião quase unânime de juristas de primeira linha que preferem não se identificar". Neste ponto, falha o jornalista Ricardo Noblat. Acusação grave fazem estes "juristas quase unânimes", mas sobre eles recai o manto protetor do anonimato. E estas fontes, protegidas, não explicam como pessoa sem grande conhecimento de Direito consegue o apoio, nos seus votos, de jurista do patamar de um Celso de Mello, o decano do STF. Isso para ficar apenas em um exemplo.
Noblat sustenta que Joaquim foi escolhido por sua cor. É louvável que o ex-presidente Lula tenha procurado ver os talentos invisíveis. Fernando Henrique procurou uma mulher e isso não desmerece a jurista Ellen Gracie. Países com diversidade - e que discriminam por cor e gênero - devem buscar deliberadamente o fim da hegemonia dos homens brancos nas instâncias de poder.
Já discordei várias vezes do presidente do STF, mas mais profundamente me divorcio das frases de Noblat: "há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para reagir à discriminação". Como já escrevi várias vezes neste espaço: acho que o racismo brasileiro é o problema; e ele tem causado sofrimento demais aos negros, e apequenado o destino do Brasil.
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