"Vida! Vida! Vida!" Com os braços para cima, batendo palmas e com sorrisos estampados nos rostos, parlamentares das bases mais conservadoras da Câmara dos Deputados celebraram a aprovação do Projeto de Lei 5069/2013, que cria uma série de dificuldades para mulheres vítimas de estupro serem submetidas legalmente a um aborto. Mas só eles e seus colegas pareciam realmente contentes.
Enquanto gritavam a palavra de ordem que supostamente ampara o projeto – a de proteger a vida, que, de acordo com o discurso dos defensores do PL, cuja autoria inclui Eduardo Cunha, passa a ser válida a partir da fecundação do espermatozóide no óvulo –, as duas únicas mulheres membros titulares da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadânia da Casa (CCJ), responsável por sua aprovação, se mostravam desoladas.
"Este projeto é um dos maiores retrocessos do Brasil para os direitos duramente conquistados pelas mulheres. Com sinceridade, vou fazer de tudo pra derrubá-lo no Plenário da Câmara", diz ao iG a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), uma das parlamentares que fazem parte dos membros titulares da CCJ, aqueles com direito a voto – a outra é Maria do Rosário (PT-RS). Ela classifica o projeto, que ainda tem de passar pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial, como inconstitucional.
"É deprimente observar que, numa votação desta importância, a sub-representação feminina na Câmara faz com que direitos adquiridos por mulheres vítimas da violência, presentes no código penal, corram risco de ser prejudicados em nome da religiosidade demagoga que diminui o debate em uma questão de defender a vida ou a morte, como se fosse uma coisa tão simples assim. Hoje, realmente estou chateada."
O projeto de lei não altera os casos em que a prática é regularizada – quando a gravidez coloca em risco a vida da gestante; quando a gestação é consequência de um estupro; ou no caso de o feto ser anencéfalo. Mas cria enormes empecilhos para a realização do aborto legal, como previsto na Lei 12.845, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2013.
O texto prevê, por exemplo, a obrigação de exame de corpo de delito para comprovar a violência sexual sofrida pela vítima em decorrência do estupro – o que aqueles contrários a ele chamam de um segundo abuso sexual, praticado a mando do Estado. Atualmente, o testemunho da pessoa no serviço de saúde é suficiente para o procedimento, sem exigência de provas.
Além disso, o projeto pede o aumento de pena a profissionais saúde que tratarem ou mesmo informarem essas pessoas de como proceder em caso de desejo de abortar após estupro – o que pode incluir perigosamente a distribuição das chamadas pílulas do dia seguinte. Na legislação atual, se uma mulher relata ter sido vítima de estupro, recebe gratuitamente uma pílula do dia seguinte como medida para evitar a fecundação. É a chamada profilaxia da gravidez – termo que deputados da base conservadora também querem eliminar da legislação por, para eles, dar a entender que a gestação é tratada como doença.
Coordenadora-executiva da Católicas pelo Direito de Decidir, ONG que luta pela legalização do aborto no País, a psicóloga Rosângela Talib chama de absurdas as normas propostas pelo projeto, para ela, uma criminalização de todas as mulheres.
"Achar que nós, mulheres, somos um bando de mentirosas, que tudo o que queremos é sair inventando um estupro para conseguir métodos anticoncepcionais e o próprio aborto, é um completo absurdo. Os parlamentares têm o direito de defender a vida, mas não podem querer instituir o que pensam ao resto da população. As religiões são importantes às pessoas, mas são de âmbito privado. Não dá para uma visão religiosa pautar questões ligadas à moral", critica ela.
Entre os 66 deputados titulares na CCJ, apenas dois, ou 3% deles, são mulheres. Somando os suplentes, o número cresce um pouco, com sete parlamentares do sexo feminino, ou 5,3% do total de 132 deputados dentro do grupo.
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