José Dirceu, o principal réu do mensalão, está recolhido, mas não está quieto. Enquanto espera a sua vez de ser julgado, o que deve ocorrer somente a partir da próxima semana, o então “capitão do time”, assim definido pelo ex-presidente Lula nos primórdios do seu primeiro governo, tem se movimentado, e muito, entre as duas horas de viagem de carro que separam seus dois centros de operações: seu apartamento na Vila Madalena, bairro de classe média de São Paulo, e o condomínio Santa Fé, na área nobre da próspera cidade de Vinhedo, no interior do estado.
Além dos advogados, Zé tem conversado com seus companheiros do PT, entre eles José Genoino e o ex-presidente Lula. A definição do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) de que “ o mensalão não é o julgamento de Zé Dirceu, mas de Lula”, antes negada para a conveniência e estratégia de ambos, agora é assumida abertamente pelo ex-ministro e deputado cassado:
— Isso está evidente na tentativa de associação de Lula com Marcos Valério, repelida com veemência pelos partidos da base — afirma José Dirceu, ao receber o repórter do GLOBO no fechadíssimo condomínio, onde o visitante, para entrar, é obrigado a fazer um cadastro bem documentado e ser fotografado por uma câmera digital.
Sobre a presidente Dilma, Dirceu ressalta que tem evitado conversar com ela:
— Qualquer visita minha, ainda que não tenha esse objetivo, vai ser interpretada como uma conversa sobre o mensalão.
Quanto aos ministros de Estado, José Dirceu cita os mais próximos: Fernando Pimentel, do Desenvolvimento; Alexandre Padilha, da Saúde; Miriam Belchior, do Planejamento; Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, e, se deixasse, ele citaria 35 dos 37 ministros.
— O senhor não citou aí o ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Por quê?
— Nossas relações são formais.
— Nem a nova ministra Marta Suplicy o senhor citou.
— Hoje sou uma pessoa distante dela.
Zé, que sempre conviveu com a família, hoje está mais próximo dos seus quatro filhos, cada um de um relacionamento diferente. Com Clara Becker, viveu cinco anos sem revelar a sua verdadeira identidade, fazendo-se passar por um empresário com o nome falso de Carlos Henrique Gouveia de Melo. Até hoje, a ex-mulher e parentes dela só o chamam pelo nome de clandestinidade: “Carlos”.
Padre desejou boa sorte
Em Passa Quatro, onde mora a sua mãe, dona Olga, não há como fugir das missas dominicais. Ele foi padrinho de batismo, recentemente, de um sobrinho. Na hora da cerimônia, igreja lotada, o padre aproveitou para desejar boa sorte ao filho da dona Olga no julgamento do mensalão.
E sorte é o que Zé Dirceu vai mais precisar. Publicamente, ele se mostra convencido da absolvição e procura sempre transmitir esse otimismo à família e aos amigos. Mas, com o andar da carruagem, no fundo, já começa a trabalhar com o cenário B de pavor: a possibilidade de voltar à cadeia, desta vez dentro de um regime democrático. Estrategicamente, não lhe convém falar neste momento sobre o julgamento. Então, recorro à sua própria trajetória política como recurso estilístico para não comprometer ainda mais a sua situação: em vez de contar o que está pensando José Dirceu, vou relatar as impressões do ex-Carlos Henrique Gouveia de Melo.
Ele surpreende logo ao falar de seu algoz, o ministro Joaquim Barbosa, pois, embora mantenha as críticas mais ácidas ao relator do mensalão, reconhece a competência do relator do processo:
— Podemos questionar, e questionamos, os procedimentos de Joaquim Barbosa na condução do seu relatório, mas nunca negando sua formação e sua competência. Muito pelo contrário. O fato de ele ter notório saber jurídico é que torna mais contundente a crítica de que ele sabe, melhor do que ninguém, que não houve lavagem de dinheiro nem crime de peculato.
“AH, se eu tivesse 46 anos”
Carlos Henrique sabe que o seu sucessor José Dirceu corre risco de ser preso. Ele sabe como ninguém o que poderia acontecer numa situação como essa:
— Vocês acham que o Zé ficaria quieto na prisão? O Zé não para quieto em lugar nenhum. Nesses anos todos em que está afastado do governo, nunca deixou de fazer política. Viajou para todos os estados, acompanhou todas as alianças eleitorais. Hoje, tem mais força no PT do que antes. E ninguém pense que o PT iria abandoná-lo na prisão.
Absolvido ou condenado, não importa, Carlos Henrique acha que Dirceu e o próprio PT levariam no mínimo seis anos para recuperar a imagem.
— Ah, se eu tivesse hoje 46 anos! — lamenta o personagem de Zé Dirceu, sem dizer, contudo, o que faria.
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