Um gasto de R$ 386,12 com combustível num só dia - dinheiro suficiente para abastecer dois tanques e meio de um Bora - e o relato de um ex-motorista da deputada do Rio Myrian Rios (PSD) podem comprovar a suspeita levantada pelo GLOBO: recursos do cartão-combustível da Alerj são facilmente desviados. Anderson Souza da Silva, de 35 anos, que por cerca de um ano e meio dirigiu o carro da parlamentar, diz que ela usou verba pública para abastecer o carro particular dela e até o da irmã, Maria Helena. A deputada não quis comentar as acusações.
Os casos teriam acontecido em 2011, quando o sistema de abastecimento da frota da Alerj era administrado pela Sodexo do Brasil. Em abril deste ano, como a coluna noticiou, os cartões-combustível passaram a ser gerenciados Trivale Administração (Vale Card), cujos sócios são réus em processos de lavagem de dinheiro e até uso de trabalho escravo. O contrato é de R$ 2.656.800. Ainda em abril, o MP do Rio abriu inquérito para investigar o caso.
Anderson Silva conta que o cartão ficava com a própria deputada ou com Maria Helena, irmã dela, que não é funcionária do gabinete. Com isso, todo o abastecimento era feito com permissão de uma das duas.
- O chefe de gabinete dizia para ela não usar o cartão no carro particular, mas ela falava que era benefício dela. Lembro que, por duas vezes, usaram o cartão até para abastecer o carro da Maria Helena, que era um Vectra na época.
O GLOBO teve acesso a uma planilha com os gastos do cartão-combustível da deputada Myrian Rios entre agosto e outubro de 2011. Uma análise nesses dados reforça as acusações do ex-motorista. Naquele trimestre, houve dia em que o cartão foi usado três vezes e a soma dos gastos permitiria comprar mais combustível do que pode comportar o tanque de 55 litros de um Bora, o carro oficial dos deputados.
Foi o que aconteceu em 17 de agosto. Há um gasto de R$ 164,64 no Piraquara Auto Posto, em Realengo, um de R$ 161,50 no Posto Aconchego, em Senador Camará, e outro de R$ 59,98 no Posto Quatro Estrelas, no Humaitá.
O total é de R$ 386,12. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, o preço médio do litro da gasolina naquele período era de R$ 2,82. Portanto, pela média, seria possível comprar somente naquele dia 137 litros, o que equivale a dois tanques e meio de um Bora.
O gasto no Piraquara é suficiente para encher o taque do carro oficial. Contudo, um abastecimento semelhante é feito no Posto Aconchego, que fica distante 7,2 km. Aliás, com o volume comprado naquele 17 de agosto de 2011, o carro oficial da deputada teria combustível para ir a Belo Horizonte e voltar.
No dia 3 de outubro de 2011, cartão da parlamentar foi usado novamente três vezes num mesmo dia. O gasto total foi de R$ 206,59. Em outras oito ocasiões, o gasto diário passou dos R$ 200, tendo o cartão sido usado duas vezes num mesmo dia. Em 10 de agosto, por exemplo, o gasto foi de R$ 333,28.
De agosto a outubro de 2011, o cartão da deputada Myrian Rios foi usado para pagar 70 abastecimentos. Todos na cidade do Rio. Quinze deles foram feitos no Posto Pequena Cruzada, na Lagoa, próximo à casa da parlamentar.
- O cartão da Alerj só era usado nesse posto para abastecer o carro particular da deputada. Eu abastecia o carro oficial em postos na Zona Oeste, perto da minha casa – conta Silva.
Nesse período, o total de gastos do cartão-combustível neste posto na Lagoa foi de R$ 1.632,33. Aliás, no Pequena Cruzada, o cartão da Alerj foi usado, no dia 21 de outubro, para realizar uma compra de R$ 3. O ex-motorista diz não saber o que foi comprado.
Anderson Silva revela algo ainda mais grave do que o uso do dinheiro público para fins particulares.
Uma vez por mês, Myrian Rios vai à sede da rádio católica Canção Nova, em Cachoeira Paulista, em São Paulo, gravar um programa religioso, atividade sem qualquer relação com seus compromissos parlamentares.
O ex-motorista conta que, nestas viagens, eles iam no carro particular da deputada. Mas o veículo era sempre abastecido com o cartão da Alerj. E na sede da Canção Nova, segundo Anderson, Myrian apresentava as notas fiscais referentes ao abastecimento e pedia ressarcimento.
- Uma vez até levei uma bronca porque esqueci de pegar a nota - conta.
Segundo um deputado estadual do Rio, que pediu para não ser identificado, há uma orientação para que o cartão-combustível só seja usado apenas em "missões parlamentares".
- O deputado pode até abastecer o carro particular desde que esteja usando o veículo para algo que tem relação com seu mandato, com suas obrigações parlamentares. Cabe a corregedoria da Alerj analisar se houve quebra de decoro nesses casos - explica o político, que analisou o caso sem saber das acusações contra a colega de parlamento.
Anderson trabalhou com Myrian Rios de meados de 2010 até 1º de novembro de 2011. Ele foi indicado por um membro do PDT, antigo partido dela. Mas, em outubro de 2011, a deputada migrou para o PSD e demitiu os funcionários com ligação com o PDT, inclusive Anderson. As exonerações foram publicadas no Diário Oficial de 3 de novembro daquele ano. No dia em que foi demitido, ele fotografou com o próprio celular o painel do carro. Segundo ele, para se proteger de qualquer acusação. Em outubro, o veículo, que era usado há nove meses, tinha 34.163 quilômetros rodados.
- Eles poderiam dizer que eu tinha rodado a mais com o carro, então tive a ideia de fazer a foto - conta.
A deputada Myrian Rios foi procurada e no dia 27 de maio deste ano informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não tem nada a declarar sobre esse assunto". Quase um mês depois, a parlamentar permaneceu em silêncio.
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