O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta terça-feira (24.12) o Decreto 12.341/2024, que regulamenta o uso da força e de instrumentos de menor potencial ofensivo pelas polícias de todo o país. A normativa consta no Diário Oficial da União (DOU).
O texto atualiza uma portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública de 2010, a primeira norma editada sobre o tema.
O decreto recomenda a utilização prioritária de armas não letais por policiais, abordagens mais humanizadas, sem caráter discriminatório. “Os profissionais de segurança pública deverão priorizar a comunicação, a negociação e o emprego de técnicas que impeçam uma escalada da violência. O emprego de arma de fogo será medida de último recurso”, diz trecho do documento.
O texto cita que não é legítimo o uso de arma de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros; e veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros.
A normativa prevê que Estados, Distrito Federal e municípios que quiserem receber dinheiro do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional "para ações que envolvam o uso da força", ou seja, para comprar armas, munição e instrumentos não-letais, terão que seguir as regras federais estabelecidas no decreto.
Além disso, o texto prevê a criação de um Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, que terá como finalidade o monitoramento de mortes por ação policial e mortes de profissionais da segurança pública.
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DECRETO Nº 12.341, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2024
Regulamenta a Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, para disciplinar o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84,caput, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e nos art. 3º, art. 4º,caput, inciso IX, art. 5º,caput, incisos IV e XI, e art. 7º da Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018,
D E C R E T A :
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Este Decreto disciplina o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública, com vistas a promover eficiência, transparência, valorização dos profissionais de segurança pública e respeito aos direitos humanos.
Parágrafo único. A classificação dos instrumentos de menor potencial ofensivo obedecerá ao disposto no art. 23 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, nos art. 4º e art. 7º da Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e no Decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019.
Art. 2º São princípios gerais de uso da força em segurança pública:
I - a legalidade;
II - a precaução;
III - a necessidade;
IV - a proporcionalidade;
V - a razoabilidade;
VI - a responsabilização; e
VII - a não discriminação.
Parágrafo único. O uso da força em segurança pública deverá observar as seguintes diretrizes gerais:
I - o uso da força e de instrumentos de menor potencial ofensivo somente poderá ocorrer para a consecução de um objetivo legal e nos estritos limites da lei;
II - as operações e as ações de aplicação da lei devem ser planejadas e executadas mediante a adoção de todas as medidas necessárias para prevenir ou minimizar o uso da força e para mitigar a gravidade de qualquer dano direto ou indireto que possa ser causado a quaisquer pessoas;
III - um recurso de força somente poderá ser empregado quando outros recursos de menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos;
IV - o nível da força utilizado deve ser compatível com a gravidade da ameaça apresentada pela conduta das pessoas envolvidas e os objetivos legítimos da ação do profissional de segurança pública;
V - a força deve ser empregada com bom senso, prudência e equilíbrio, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, com vistas a atingir um objetivo legítimo da aplicação da lei;
VI - os órgãos e os profissionais de segurança pública devem assumir a responsabilidade pelo uso inadequado da força, após a conclusão de processo de investigação, respeitado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório; e
VII - os profissionais de segurança pública devem atuar de forma não discriminatória, sem preconceitos de raça, etnia, cor, gênero, orientação sexual, idioma, religião, nacionalidade, origem social, deficiência, situação econômica, opinião política ou de outra natureza.
CAPÍTULO II
DO USO DIFERENCIADO DA FORÇA
Art. 3º A força deverá ser utilizada de forma diferenciada, com a seleção apropriada do nível a ser empregado, em resposta a uma ameaça real ou potencial, com vistas a minimizar o uso de meios que possam causar ofensas, ferimentos ou mortes.
§ 1º Os profissionais de segurança pública deverão priorizar a comunicação, a negociação e o emprego de técnicas que impeçam uma escalada da violência.
§ 2º O emprego de arma de fogo será medida de último recurso.
§ 3º Não é legítimo o uso de arma de fogo contra:
I - pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros; e
II - veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros.
§ 4º O emprego de arma de fogo ou de instrumento de menor potencial ofensivo deverá ser restrito aos profissionais devidamente habilitados para sua utilização.
§ 5º Sempre que o uso da força resultar em ferimento ou morte, deverá ser elaborado relatório circunstanciado, segundo os parâmetros estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública.
CAPÍTULO III
DA CAPACITAÇÃO
Art. 4º Na capacitação de profissionais de segurança pública sobre o uso da força, os órgãos de segurança pública deverão observar as seguintes diretrizes:
I - obrigatoriedade e periodicidade anual da capacitação sobre uso da força;
II - realização da capacitação no horário de serviço; e
III - adoção de conteúdo que aborde procedimentos sobre o emprego adequado de diferentes tipos de armas de fogo e de instrumentos de menor potencial ofensivo.
Parágrafo único. A matriz curricular nacional de que trata a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, deverá ser atualizada para adequação ao disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto.
CAPÍTULO IV
DA IMPLEMENTAÇÃO
Art. 5º Para implementação do disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto, compete ao Ministério da Justiça e Segurança Pública:
I - financiar, conforme a disponibilidade orçamentária, ações que se destinem a implementar o disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto;
II - formular, implementar, monitorar e avaliar ações relacionadas ao uso da força que incluam diagnósticos, padronização de procedimentos, doutrina, capacitação e aquisições de equipamentos, entre outros aspectos;
III - ofertar consultoria técnica especializada para ações relacionadas ao uso da força pelos órgãos de segurança pública;
IV - desenvolver, com a participação dos órgãos de segurança pública, materiais de referência para subsidiar a implementação do disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto, especialmente quanto:
a) ao uso de algemas;
b) à busca pessoal e domiciliar; e
c) à atuação em ambientes prisionais;
V - disponibilizar atas de registro de preços para aquisição de armas de fogo, de instrumentos de menor potencial ofensivo e de equipamentos de proteção individual, para eventual adesão dos órgãos de segurança pública;
VI - realizar ações de capacitação sobre o uso da força;
VII - incentivar ações de conscientização, discussão e integração dos órgãos de segurança pública com a sociedade civil sobre o uso da força;
VIII - promover a difusão e o intercâmbio de boas práticas sobre o uso da força;
IX - fomentar pesquisas e estudos, com ênfase na avaliação de impacto, sobre o uso da força;
X - estabelecer ações para a redução da vitimização dos profissionais de segurança pública e da letalidade policial;
XI - consolidar e publicar dados nacionais relativos ao uso da força pelos profissionais de segurança pública; e
XII - desenvolver medidas para informar a população sobre as políticas de uso da força e como reportar condutas inadequadas na ação dos profissionais de segurança pública.
Art. 6º Para implementação do disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto, os órgãos de segurança pública deverão observar as seguintes diretrizes:
I - elaboração e atualização de atos normativos que disciplinem o uso diferenciado da força, inclusive de instrumentos de menor potencial ofensivo;
II - registro e publicação de dados sobre o uso da força;
III - disponibilização de equipamento de proteção individual e de, no mínimo, dois instrumentos de menor potencial ofensivo a todo profissional de segurança pública em serviço;
IV - instituição de programas continuados de atenção à saúde mental dos profissionais de segurança pública que se envolvam em ocorrências de alto risco;
V - implementação, monitoramento e avaliação de ações relacionadas ao uso diferenciado da força, que incluam diagnósticos, padronização de procedimentos e aquisições, entre outros aspectos;
VI - implementação de ações para a redução da vitimização dos profissionais de segurança pública e da letalidade policial;
VII - capacitação sobre o uso diferenciado da força;
VIII - fomento a pesquisas e estudos sobre o uso da força, com ênfase na avaliação de impacto;
IX - normatização e fiscalização da identificação dos profissionais de segurança pública, de forma a possibilitar a individualização de suas ações durante o serviço; e
X - normatização da atuação dos profissionais de segurança pública em situações que envolvam gerenciamento de crises, busca pessoal, busca domiciliar, uso de algemas e providências a serem adotadas nos casos em que o uso da força resultar em lesão corporal ou morte.
CAPÍTULO V
DOS MECANISMOS DE CONTROLE E MONITORAMENTO
Art.7º São diretrizes para atuação dos mecanismos de fiscalização e de controle interno dos órgãos de segurança pública na supervisão do uso da força:
I - garantia da transparência e do acesso público a dados e informações sobre o uso da força;
II - disponibilização de canais de denúncia e orientações de registro e acompanhamento de reclamações sobre o uso da força, nos meios de comunicação oficiais, de forma clara e acessível;
III - garantia do processamento eficaz e transparente das reclamações sobre o uso da força; e
IV - fortalecimento da atuação das corregedorias e ouvidorias dos órgãos de segurança pública.
Parágrafo único. Para fins do disposto no art. 5º,caput, inciso XI, as ocorrências relacionadas ao uso da força serão formalmente registradas pelos órgãos de segurança pública, segundo parâmetros estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, quando:
I - resultarem em lesão corporal ou morte; ou
II - envolverem o emprego de armas de fogo ou de instrumentos de menor potencial ofensivo em ambientes prisionais.
Art. 8º Ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública instituirá Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força - CNMUDF, com a finalidade de monitorar e avaliar a implementação das políticas relativas ao uso da força de que trata este Decreto.
§ 1º O ato de que trata ocaput:
I - disporá sobre:
a) a composição do colegiado, garantida a participação da sociedade civil;
b) as suas competências; e
c) a sua forma de funcionamento;
II - observará o disposto no Capítulo VI do Decreto nº 12.002, de 22 de abril de 2024; e
III - preverá, entre as finalidades do comitê:
a) a produção de relatórios que contenham análises e orientações sobre temas relacionados a este Decreto;
b) o acompanhamento da implementação do Plano Nacional de Segurança Pública, em relação à redução da letalidade policial e da vitimização de profissionais de segurança pública;
c) a proposição de indicadores de monitoramento e avaliação do uso da força;
d) o estímulo à produção e à difusão de conhecimentos técnico-científicos relacionados ao uso da força;
e) a elaboração de orientações para programas e ações relacionados ao uso da força; e
f) a articulação com os comitês estaduais e distrital sobre o uso da força, de modo a promover o intercâmbio de informações e experiências e a redução da letalidade policial e da vitimização de profissionais de segurança pública.
§ 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, quando instituírem comitês de monitoramento do uso da força, observarão as mesmas finalidades previstas para o comitê de que trata ocaput, garantida, no que couber, a participação de representantes da sociedade civil.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 9º O repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional para ações que envolvam o uso da força pelos órgãos de segurança pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios está condicionado à observância do disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto.
Art. 10. O Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública editará normas complementares necessárias à execução do disposto neste Decreto.
Art. 11. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 23 de dezembro de 2024; 203º da Independência e 136º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Enrique Ricardo Lewandowski