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Artigos Quarta-feira, 01 de Abril de 2020, 15:11 - A | A

Quarta-feira, 01 de Abril de 2020, 15h:11 - A | A

Luiz Henrique Lima*

O (mau) exemplo de Mbeki

Luiz Henrique Lima*

A história traz muitos exemplos de decisões desastrosas que produziram ou amplificaram tragédias. Algumas vezes por insensatez, outras por ignorância ou ganância. Em alguns casos, por combinação desses fatores.

A premiada historiadora estadunidense Barbara Tuchman escreveu um livro que deveria constar na bibliografia obrigatória para os gestores públicos – A Marcha da Insensatez – no qual analisa diversos episódios, desde a Guerra de Tróia à Guerra do Vietnam, em que os líderes políticos e militares adotaram decisões contrariando a opinião dos especialistas nos temas e conduziram seus povos à derrota, à ruína e à morte. Na obra, a autora procura identificar as razões que conduziram os dirigentes a fazerem as piores opções quando dispunham de suficientes elementos para fazer as escolhas menos danosas, ainda que eventualmente impopulares. É dela a citação de que “aprender com a experiência é uma aptidão quase nunca praticada”.

Há um trágico mau exemplo relacionado à Síndrome da imunodeficiência adquirida – AIDS, pandemia que se propagou nos anos 80 e 90 e desde então causou a morte de cerca de 30 milhões de pessoas no planeta.

Thabo Mbeki foi um extraordinário militante político na luta contra o apartheid sul-africano. Suas qualidades o fizeram ser indicado como vice-presidente do grande Nelson Mandela, primeiro presidente democrático da África do Sul, e posteriormente seu sucessor, tendo assumido em 1999. Contudo, ao contrário de Mandela que, tendo permanecido prisioneiro por 27 anos, manteve seu espírito livre, Mbeki se deixou aprisionar por preconceitos ideológicos.

Quando a pandemia da AIDS se espalhou pela África, Mbeki fez o seu governo abraçar a tese negacionista de que a doença não era causada por um vírus, mas por desnutrição e carência de vitaminas, e que por trás do consenso científico das autoridades internacionais de saúde estariam poderosos interesses econômicos da indústria farmacêutica, produtora de medicamentos antirretrovirais como o AZT. Mbeki chegou a recusar doações internacionais para prevenir o contágio entre gestantes e bebês. Com isso, mais de 10% da população sul-africana foi infectada e milhões morreram. Países vizinhos e bem mais pobres, como Botswana e Namíbia alcançaram resultados bem melhores no combate à AIDS.

Uma tese de doutorado da Escola de Saúde Pública de Harvard (hsph.harvard.edu) estimou que a estratégia equivocada conduzida por Mbeki provocou 330.000 óbitos evitáveis entre os anos de 2000 a 2005. Era um presidente legitimamente eleito que se colocou na contramão da comunidade médica e do que quase todos os demais países estavam fazendo.

A propósito, com a sua política de orientar sobre doenças sexualmente transmissíveis, distribuir preservativos e disponibilizar medicamentos na rede pública de saúde, o Brasil até recentemente era considerado um caso de sucesso na contenção da epidemia e na assistência aos doentes soropositivos.

Em nosso país, temos o bom exemplo de Oswaldo Cruz, um cientista-herói que superou formidável resistência ao promover campanhas de saneamento e vacinação em massa, combatendo a varíola, a peste bubônica e a febre amarela. Em 1904, enfrentou uma violenta revolta popular na capital, que durou vários dias e deixou um saldo de 30 mortos, 110 feridos e mais de 1.000 detidos. Com tudo isso, no início do século XX, no Brasil a ciência venceu a ignorância e o preconceito e salvou incontáveis vidas. Sabedoria de nossos bisavôs ...

Diante da inédita crise do COVID-19, qual o rumo que nossas autoridades seguirão? O bom exemplo de Oswaldo Cruz ou a calamitosa opção de Mbeki? Das decisões que estão sendo tomadas pode depender a vida de milhares de brasileiros.

*Luiz Henrique Lima é auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT, Graduado em Ciências Econômicas, Especialização em Finanças Corporativas, Mestrado e Doutorado em Planejamento Ambiental, Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia.

 

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