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Artigos Terça-feira, 28 de Janeiro de 2025, 13:43 - A | A

Terça-feira, 28 de Janeiro de 2025, 13h:43 - A | A

Ana Alice Valim Fim*

A Ação Popular como instrumento de controle social e defesa dos interesses difusos e coletivos

Por Ana Alice Valim Fim*

Ao se analisar a realidade brasileira, qualquer um pode observar que um dos mais graves problemas que nos assola é a má gestão do patrimônio público, que muitas vezes é subvertido de modo a beneficiar interesses privados, em detrimento do interesse da coletividade.

De acordo com a Transparência Internacional (2023) , organização sem fins lucrativos cujo propósito é o combate à corrupção, “no último ano, o Brasil perdeu 2 pontos no Índice de Percepção da Corrupção e caiu 10 posições, terminando na 104ª colocação entre os 180 países avaliados. “Esse resultado segue a tendência de queda dos últimos 10 anos, sendo que o Brasil pontuou 43 no IPC de 2014.

Essa decadência se dá, dentre muitos motivos, também pelo enfraquecimento dos sistemas de Justiça, que “tem um impacto significativo na capacidade de o Estado enfrentar e prevenir a corrupção.”.

Dessa forma, a legalidade dos atos do Poder Público é essencial para alcançar a boa governança e a construção de um Estado democrático, íntegro e ético, pois somente com a boa atuação da Administração Pública e gestão do patrimônio público é possível garantir que os recursos públicos sejam devidamente utilizados em prol da coletividade.

Nesse passo, a Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, incisos II e III), impulsionou a criação de mecanismos para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos em sua plenitude. Um desses mecanismos é a Ação Popular, instrumento de controle dos atos da Administração Pública, que possibilita o controle social e a democracia participativa, garantindo um jeito certo e eficaz de proteger a moralidade administrativa.

Ainda, é um instrumento que permite ao cidadão participar das decisões do governo, expressando o princípio da soberania popular, conforme estabelecido no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal.

Por meio do conhecimento da função da ação popular, percebe-se que a atividade administrativa do Estado também está sujeita ao controle jurisdicional, sendo garantido a qualquer cidadão o direito de questionar em juízo a eventual lesão aos seus direitos fundamentais. Por isso a ação popular se apresenta como um mecanismo essencial para a defesa dos direitos coletivos, garantindo que a administração dos bens e recursos públicos esteja alinhada com os interesses públicos.

Nessa senda, ao versar sobre o tema, a Constituição de 1988 prevê no artigo 5º, inciso LXXIII, que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.”

Ou seja, a Constituição confere a qualquer cidadão brasileiro, desde que quite com suas obrigações eleitorais, conforme disposição da Lei 4.717/65 que regula a ação popular, a possibilidade de questionar ato lesivo do Estado. Isso porque os indivíduos que satisfaçam a condição de cidadão preenchem a condição da ação de legitimidade ad causam.

A exigência de comprovação da quitação eleitoral não é mero capricho legislativo, mas decorre da natureza eminentemente política desse instrumento, que permite ao cidadão fiscalizar a atuação do Estado. Ao exigir a quitação eleitoral, a lei garante que apenas aqueles que exercem a cidadania de forma plena possam utilizar essa importante ferramenta de controle social. Essa comprovação para ingresso em juízo pode ser feita mediante a juntada do título eleitoral, ou documento que a ele corresponda, nos termos do artigo 1º, §3º da Lei 4.717/65.

Apesar da ação popular ser um mecanismo de garantia da democracia, o cidadão não possui capacidade postulatória, sendo necessário ser devidamente representado por advogado regularmente constituído, salvo na situação de ser o próprio cidadão advogado (art. 103, parágrafo único, CPC). Ainda, é importante ressaltar que o artigo 6, §5º da Lei 4.717/1965 permite a “qualquer cidadão se habilitar como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular.”. Assim, para fortalecer a defesa da causa, outros podem atuar como coautores ou auxiliar o autor na ação.

A ação popular é uma das exceções à regra de que não se pode pleitear, em nome próprio, direito alheio, já que visa defender o direito difuso pertencente ao povo brasileiro de possuir uma administração que preserve o patrimônio público e coletivo em todas suas dimensões. O Des. Leomar Barros Amorin de Souza afirma no mesmo sentido que “a ação popular não se presta à defesa de direitos próprios, mas ao amparo de interesses coletivos, pois o autor não é beneficiário imediato da ação.”

Para mais, lançando mão dos conceitos do processo civil, é elementar compreender as causas de pedir próxima e remota da ação popular. A causa de pedir nada mais é que o motivo pelo qual alguém proporia uma ação. Nesse âmbito, a causa de pedir remota é o conjunto de fundamentos jurídicos que embasam a propositura da ação. No caso da ação popular, a causa de pedir remota “se traduz no direito público e subjetivo a demandar que o gerenciamento da coisa pública seja probo, eficaz e responsável” (CUNHA, p. 55) .

Já a causa de pedir próxima, qual seja, os fatos da vida real que deram ensejo a necessidade de atuação jurisdicional, deve constituir provas de que um agente público ou autoridade, dentre os listados no art. 6º e seus parágrafos da Lei 4.717/65, por ação ou omissão, lesou ou está em vias de lesar os bens jurídicos por esta ação tuteláveis.

Para além disso, é preciso aferir o inescapável binômio ilegalidade-lesividade, gerador do interesse de agir. Isso porque deve haver uma relação de causa e efeito entre o ato ilegal praticado pelo agente ou autoridade e a lesão ao bem jurídico tutelado.

Assim, para que a ação seja aceita, é fundamental demonstrar dois elementos essenciais: a ilegalidade do ato e que esse ato causou prejuízo ao patrimônio público ou a outros bens protegidos (lesividade). Se comprovados esses dois elementos, os responsáveis podem ser condenados a reembolsar os cofres públicos ou pagar indenizações pelos danos causados, conforme previsto nos artigos 11 e 14 da Lei nº 4.717/1965.

O fato é que a ação popular, tão importante instrumento de cidadania, ainda é muito pouco conhecido e utilizado. De acordo com estatísticas da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário , nos últimos 5 anos foram protocoladas apenas 12.156 ações populares em todo o Brasil. Este número representa 0,015% de todas as ações novas do 1º grau do mesmo período.

Já os atos ofensivos aos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural no Brasil foram incontáveis, impossíveis de serem apreciados pelos próprios órgãos de controle e fiscalização, que muitas vezes são coniventes com a corrupção e até se beneficiam dela. É por esse motivo que o controle social precisa ser feito pela população.

O controle social é essencial para garantir que a Administração Pública atue com transparência, eficiência e responsabilidade na gestão dos recursos públicos, permitindo que a sociedade fiscalize e exija dos governantes o cumprimento das leis e o atendimento ao interesse público.

A ação popular constitui um instrumento excelente para o exercício do controle social, permitindo que qualquer cidadão exerça seu direito político de participação. Contudo, caso o cidadão não disponha de recursos para contratar um advogado ou não queira se expor à represália, é recomendável que denuncie tais atos ao Ministério Público ou à Polícia Federal.

Além disso, organizações da sociedade civil podem ser aliadas nesse processo. Uma sugestão da autora é o Observatório Social de Mato Grosso (OSMT), uma entidade não governamental que atua na fiscalização das contas públicas, promovendo a transparência e a integridade na gestão governamental. O OSMT tem se destacado por denunciar possíveis irregularidades em órgãos públicos, como nomeações ilegais e benefícios desproporcionais concedidos a servidores. O OSMT pode ser encontrado no site https://observatoriosocialmt.org e no Instagram @observatoriomatogrosso.

Nas acertadas palavras de Paulo Lobo Saraiva, “num país de tanta corrupção política, a utilização da ação popular poderá ser um freio cívico a essa anarquia institucional. Quanto mais o povo tiver acesso aos negócios públicos, mais garantia terá a sociedade na defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e material de sua gente.”

Assim, quanto maior for a consciência do povo acerca da ação popular, maior será o seu uso contra os abusos e as lesões ao patrimônio público, consagrando dessa forma o viés democrático de participação cidadã nos atos estatais.

*Autora: Ana Alice Valim Fim, membro da Liga Acadêmica de Formação em Advocacia (LAFA), discente do curso de Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso e membro do bservatório Social de Mato Grosso (OSMT).

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