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Política Sábado, 31 de Dezembro de 2016, 09:26 - A | A

Sábado, 31 de Dezembro de 2016, 09h:26 - A | A

política

Prefeitos vão iniciar mandatos com queda de receitas e cortes de gasto

Folha de São Paulo

prefeitos

 

Apertem os cintos, 2017 vai começar. Após dois anos de crise, os novos prefeitos iniciam seus mandatos num cenário de ainda mais contenção de gastos, menos investimentos e no qual prometer cortes de despesas virou até promessa de campanha

"É fechar a torneira, mesmo. Tem que saber lidar com a escassez", diz Marcio Lacerda (PSB), presidente da Frente Nacional de Prefeitos e prefeito de Belo Horizonte que será sucedido por Alexandre Kalil (PHS) no domingo (1º).

A crise econômica encolheu as receitas das capitais: onze tiveram queda real desde o início do mandato, e só seis não viram a arrecadação cair neste ano. Muitas iniciaram um rigoroso ajuste fiscal, que deve continuar em 2017.

"Quem assume tem a oportunidade política de cortar mais. E isso é necessário", afirma Lacerda. "Quem está entrando já sabe que a economia não vai crescer. No máximo, vai parar de cair”.

Em Vitória (ES), onde o prefeito reeleito, Luciano Rezende (PPS), diz que cortar gastos é "igual cortar unhas", até o horário de expediente foi reduzido para economizar. Servidores que têm celular viram a conta reduzida a um terço, de R$ 150 para R$ 45 - e quem gasta mais tem o valor descontado em folha.

Há dois anos, ninguém ganha reajuste salarial na cidade devido à queda de receitas, que é uma das mais agudas entre as capitais: 15,7% desde o início da gestão.

Em São Paulo, o prefeito eleito João Doria (PSDB) já anunciou a venda da maior parte da frota municipal e mandou os servidores usarem Uber, além de reduzir as secretarias de 27 para 22 e em 15% os valores de contratos.

A atual gestão estima que a receita neste ano será 6% menor que o previsto –uma perda de aproximadamente R$ 3 bilhões. Para fazer a conta fechar, pelo menos R$ 800 milhões foram remanejados de outros setores neste fim de ano para subsidiar o transporte público e custear a saúde, entre outras áreas.

"Na ponta, o que não pode faltar é remédio no posto e professor em sala de aula", diz Lacerda, de Belo Horizonte.

A capital mineira reduziu a frequência da limpeza pública, segurou progressões de professores, cortou iluminação de Natal, acabou com o cafezinho e eliminou o regime noturno em algumas escolas.

No Recife, a gestão de Geraldo Júlio (PSB), reeleito, foi "ao limite da criatividade", de acordo com o secretário da Fazenda Ricardo Dantas, para cortar custos.
A prefeitura reduziu as entradas dos postos de saúde, por exemplo, de seis para três, para economizar com portaria; substituiu vigias armados por porteiros ou alarmes; e mexeu em contratos para pagar por produtividade. Para 2017, Recife terá seu próprio Uber: um aplicativo de compartilhamento da frota, para reduzir os gastos com carros.

Em Curitiba, onde a arrecadação caiu quase 5% neste ano, tanto o atual prefeito quanto o eleito já enfrentam protestos contra cortes.

O primeiro, Gustavo Fruet (PDT), cancelou um edital de financiamento de projetos culturais. O que vai assumir, Rafael Greca (PMN), quer adiar um festival de música programado para janeiro.

"Enquanto a saúde de Curitiba correr riscos, não haverá música", declarou Greca, que diz pretender investir o dinheiro economizado em postos de saúde e hospitais.

ENDIVIDAMENTO

Mesmo com os cortes, alguns prefeitos vão assumir com dívidas crescentes e até salários atrasados.

Em Porto Alegre, a prefeitura precisou parcelar o 13º, e chegou a anunciar que quem quisesse recebê-lo precisaria fazer um empréstimo, a ser quitado pela próxima gestão –plano que acabou sendo abortado.

A dívida da cidade triplicou, principalmente por causa de obras da Copa –o que também aconteceu no olímpico Rio, que verá o gasto com juros dobrar em 2017.

"Muitos municípios se veem forçados a contrair empréstimos para conseguir fazer algo, porque quase metade do orçamento vai para saúde e educação", afirma o economista François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais.

No Rio, o prefeito eleito Marcelo Crivella (PRB) vai reduzir as secretarias pela metade. Em 2017, a previsão é que a prefeitura arrecade R$ 1,36 bilhão a menos que neste ano –queda de 4,3%.

CRISE COMPROMETE SERVIÇOS

Com cortes cada vez maiores, especialistas apontam o risco de que as prefeituras encolham, e a qualidade do serviço público fique prejudicada.

"A crise é cruel, porque ela tira a receita de um lado e, do outro, aumenta a demanda", afirma o secretário da Fazenda de Recife, Ricardo Dantas.

Com o desemprego crescente, as famílias recorreram ao SUS e à escola pública. No último ano, 1,5 milhão de pessoas deixaram de ter plano de saúde no país. A demanda pelo SUS em algumas cidades, como Curitiba, subiu 40%.

Do outro lado, com queda de receitas, os serviços ficaram comprometidos.

"O prefeito pode não ter cortado serviço, mas deixou de investir", diz a presidente do sindicato dos servidores de Vitória, Waleska Timoteo. "Não dá para tapar o sol com a peneira e dizer que isso não está afetando a população."

Segundo ela, escolas de Vitória tiveram a verba de manutenção reduzida, há atrasos na entrega de medicamentos e o quadro de servidores está congelado.
"O ajuste fiscal é necessário, mas não dessa forma. Sem servidor, não há sustentabilidade, e o município não vai dar conta da realidade", afirma.

Em Belo Horizonte, servidores da saúde se queixam de que a qualidade dos insumos caiu, e que a revisão de contratos atrasou a entrega de medicamentos.

Um estudo da Frente Nacional de Prefeitos, porém, mostra que as prefeituras procuraram poupar a saúde e a educação dos cortes: em geral, as áreas mantiveram a mesma proporção do orçamento ou até mais. O sacrifício maior foi dirigido a outras áreas, como cultura, habitação e lazer. "Aqui, o mais atingido foi assistência social", diz o sindicalista Ivam Martins, servidor municipal em Porto Alegre.

As capitais também absorveram a demanda de municípios menores, que, em piores condições financeiras, cortaram serviços.

"Aqui na região metropolitana do Recife já fecharam maternidade", diz Dantas. "Agora, cada um vai pagar o custo da falta de disciplina fiscal."

Prefeitos, secretários e economistas ouvidos pela Folha dizem que, se a economia não se recuperar no curto prazo, a precariedade tende a aumentar.

Eles apontam algumas bombas-relógio para a próxima gestão: uma delas é o reajuste das tarifas de transporte público. Sem dinheiro, as prefeituras devem diminuir a participação na tarifa -e a conta vai sobrar para os usuários.

Os prefeitos reivindicam a criação de um imposto sobre o combustível para ajudar a pagar a conta, mas a pauta depende de aprovação do Congresso.

A previdência é outra despesa crescente.

"É algo difícil de conter, porque existem direitos adquiridos", afirma a secretária de Finanças de Curitiba, Eleonora Fruet.

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