TSE
Ministro Herman Benjamin vota pela cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico
Ao concluir a apresentação de seu voto na manhã desta sexta-feira (09.06), o ministro Herman Benjamin votou pela cassação da chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer, por entender que houve abuso de poder político e econômico na campanha de ambos na última eleição presidencial. Benjamin é o relator das três ações (Aije 194358, Aime 761 e RP 846) do PSDB e da Coligação Muda Brasil, cujo julgamento pelo Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou na terça-feira (6).
De acordo com o relator, “é incontestável a ocorrência de tais crimes”, o que o leva a reconhecer “pelo fundamento do conjunto da obra, os vícios que levam a cassação da chapa formada pela Coligação Com a Força do Povo”.
“Aplicando a jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, meu voto é pela cassação da chapa presidencial eleita em 2014, pelos abusos que foram apurados nesses processos”, destacou.
O ministro Herman Benjamin informou que, após ampla análise das provas e fatos, constatou nos autos os seguintes ilícitos: “propina-gordura” ou “propina-poupança” na Petrobras; pagamento feito pela empresa Keppel Fels à Mônica Moura em 2014; contrato da Sete Brasil com a construção de navios-sonda e a distribuição de propinas ao PT; “propina ou caixa dois gordura” ou “propina ou caixa dois poupança” à conta corrente permanente da Odebrecht; compra de apoio político para a chapa da Coligação Com a Força do Povo, no caso, o episódio da compra de tempo de propaganda no rádio e na televisão; setor de Operações Estruturadas da Odebrecht e o pagamento de caixa dois a “Feira” em benefício de Mônica Moura em prol da campanha da coligação em 2014. E, finalmente, acrescentou o ministro, ilícitos comprovados em relação aos gastos da Coligação Com a Força do Povo na eleição de 2014.
O relator rejeitou como ilícitos que configurariam abuso de poder político ou econômico o caixa três ou “barriga de aluguel” de doação eleitoral, no caso, a relação da Odebrecht com a cervejaria Petrópolis, o pagamento de propinas e a sua destinação eleitoral nas obras da usina de Belo Monte e de Angra 3, o pagamento de Eike Batista a Mônica Moura e João Santana e o pagamento pela empresa Toyo Setal à Gráfica Atitude em benefício do PT.
“Neste voto, eu tentei ser e me comportar como os ministros desta Casa, os de hoje e os de ontem, e quero dizer que, tal qual cada um dos seis outros ministros desta bancada, eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão”, afirmou o relator.
Questionado se seu voto seria aplicado à chapa ou aos candidatos individualmente, o relator foi enfático: “A minha conclusão é pela unicidade da chapa. Estou aplicando a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Ninguém elege vice-presidente da República. No Brasil, elegemos uma chapa, que esteja irmanada para o bem ou para o mal”, disse ele.
Estrutura do voto - Com 550 páginas, o voto do relator foi estruturado de forma a analisar detalhadamente cada prova contida nos autos como depoimentos, provas documentais e periciais. O ministro Herman começou a apresentar seu voto na tarde de quinta-feira (8), seguindo na sessão noturna e finalizando na manhã de hoje, com três sessões exclusivas para exposição de seus argumentos.
Por diversas vezes ele ressaltou que existe vasta comprovação de que tanto o Partido dos Trabalhadores (PT) quanto o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) receberam, de maneira continuada, propinas de empresas com contratos com a Petrobras, destinadas à eleição. Segundo ele, isso teria ocorrido tanto por meio de doações oficiais como por caixa dois. O ministro denominou as quantias repassadas como “propina-poupança” e “propina-gordura”.
Herman Benjamin disse que as propinas vinculadas a contas correntes da Petrobras representavam “um projeto de financiamento de propina-gordura de longuíssimo prazo”, totalizando R$ 22 bilhões. “Era tanto dinheiro de propina que não havia nem como controlar. Propina era paga duas vezes, propina não era cobrada, ou era paga e quem recebeu e nem sabia que fazia jus aquela propina”, ressaltou.
Ele afirmou que nem seria necessário constatar o recebimento da propina para cassar uma chapa, bastaria apenas ter ocorrido caixa dois na campanha, ou seja, recursos arrecadados e “não declarados” na prestação de contas.
“Eu trouxe documentos e depoimentos prestados à Justiça Eleitoral que demonstram, a meu juízo, que ao longo dos anos, por intermédio de contas correntes mantidas com empresas contratadas pela Petrobras, os cofres partidários foram engordados desequilibrando a paridade de armas no pleito e configurando abuso de poder econômico”, disse ele ao destacar que somente este ilícito já bastaria para a cassação da chapa.
Odebrecht - O relator detalhou a atuação da empreiteira Odebrecht no esquema ilícito para financiamento da campanha presidencial de 2014. Ao analisar e-mails e depoimentos com a confissão dos executivos, inclusive do então presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, ele destacou uma conta corrente mantida pela empreiteira com o valor de R$ 150 milhões para atender as demandas da campanha.
O objetivo do voto, segundo o relator, é demonstrar que os valores eram realmente impressionantes. “Os valores não oficiais eram muito maiores do que os valores oficiais. No caso da Odebrecht, superam em muito os valores oficiais repassados. Isso não foi prática de um único partido ou coligação. A Odebrecht utilizou e abusou do método clandestino de apropriação de reputação dos candidatos brasileiros em quase todos os partidos”, enfatizou.
O ministro leu alguns e-mails que foram trocados por executivos da Odebrecht comprovando a negociação durante a campanha e demonstrando que a empresa mantinha contato com Guido Mantega para negociar o destino do dinheiro. O ex-ministro atuaria como um tesoureiro não oficial, indicando, por exemplo, quais partidos deveriam receber dinheiro em troca de ceder tempo de propaganda no rádio e na televisão.
“É um emaranhado, mas, no final das contas, tudo se resume numa conta ilícita de R$ 150 milhões que era utilizada na campanha”, disse o relator ao afirmar que Marcelo Odebrecht herdou não apenas a empresa, mas também uma cultura de propinas tendo sofisticado todo o esquema.
“Ele é a terceira geração de uma empresa que dominou os poderes constituídos no Brasil desde a abertura das portas, lá atrás, como uma pequena empresa. Ele é o administrador de um grande grupo econômico e um dos maiores e mais sofisticados esquemas de corrupção do mundo e não só do Brasil”, ressaltou
O ministro enfatizou ainda que a corrupção veio com registro. “E quando isso vem com documentos que não contrariam, eu não tenho como votar diferente. Não posso ser mais realista do que o dono do dinheiro, especialista num esquema de corrupção”.
Mônica Moura e João Santana - Parte do dinheiro na tal conta corrente serviu também para pagar os marqueteiros da campanha, João Santana e Mônica Moura. O relator lembrou que esses pagamentos, em torno de R$ 70 milhões, foram feitos de forma irregular, conforme os próprios marqueteiros confessaram em seus depoimentos.
“Resta claro que a inexistência de comprovante de pagamento é algo natural, até porque o pagamento foi feito mediante a entrega de dinheiro em espécie, jamais se poderia exigir um recibo de tal transação”, disse o relator.
Gráficas de fachada - O ministro Herman Benjamin também apresentou em seu voto as conclusões de uma força-tarefa constituída no TSE para analisar eventuais desvios de recursos de campanha repassados pela chapa a três gráficas: a Rede Seg, a VTPB e a Focal, que, juntas, teriam recebido cerca de R$ 56 milhões.
Conforme informou o relator, no que se refere ao quadro societário da Rede Seg, as diligências comprovaram a existência de fraude. “Era uma empresa de fachada, sem qualquer capacidade operacional” e, segundo o ministro, certamente não produziu material para a campanha da coligação.
Já quanto à VTPB, as conclusões são de que a empresa não possui capacidade operacional, além de não ter comprovado a maior parte das contratações e movimentações financeiras realizadas, embora cerca de 90% do seu faturamento tenham decorridos dos serviços prestados à campanha da coligação.
No que se refere à gráfica Focal, no entanto, o ministro a afastou das ilicitudes, por possuir “capacidade operacional”, apesar de sua operação também estar “repleta de inconsistências”.
Segundo informou o relator, tais empresas não foram capazes de comprovar a existência de subcontratos – que, em tese, justificariam o montante pago pela chapa –, não apresentando “sequer argumentos para afastar as inconsistências ou incongruências”.
“A prova é vasta de que muitos recursos foram desviados para pessoas físicas e jurídicas sem qualquer causa jurídica para tanto. Quando se nota, porém, que a quase totalidade do faturamento da VTPB e da Focal foi oriundo de repasses da campanha, resta evidente que houve desvio de recursos. São valores capazes de mudar uma campanha presidencial”, afirmou Benjamin.
Ao destacar a responsabilidade objetiva do comitê de campanha por desvios ocorridos na campanha eleitoral, conforme apontado pela perícia e pelas diligências realizadas, o ministro afirmou que os gastos declarados pelas três gráficas não foram integralmente comprovados. “Os serviços de tais empresas constituem verdadeira cortina de fumaça, (...) que busca sustentar uma ‘aparência de legalidade’”, observou.
No entender do relator, “não há como negar a existência da quebra do dever jurídico por parte do comitê de campanha. Não se está aqui afirmando que não houve o fornecimento de material por parte de tais empresas. Não se pode admitir, contudo, que os expressivos valores, que alcançam a casa de R$ 56 milhões, não sejam suficientemente justificados na prestação de contas”, enfatizou o ministro.
Concluindo seu voto, o relator afirmou: “Existindo provas robustas da responsabilidade da chapa, por irregularidades eleitorais, reconheço a ocorrência de abuso de poder político e econômico”, com base no artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar (LC) nº 64/1990.
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