Aplicada pela primeira vez em uma eleição para presidente, a Lei da Ficha Limpa torna inelegíveis os políticos que tenham sido condenados por órgãos colegiados da Justiça ou por casas legislativas. Na opinião do juiz eleitoral Márlon Reis, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a lei, que já havia sido aplicada nas eleições municipais de 2012, é “uma inovação sem precedentes no sistema eleitoral”.
“Nós sempre acreditamos que o processo de aplicação da Lei da Ficha Limpa fosse demandar algumas eleições. Trata-se de uma inovação sem precedentes no sistema eleitoral. E é natural que a Justiça Eleitoral consuma algumas eleições até sedimentar uma jurisprudência. Mesmo assim, consideramos que a aplicação da lei tem sido bastante proveitosa e eficiente”, disse o magistrado, que foi um dos redatores da minuta da lei.
Para ele, ao tirar dos políticos ficha suja a possibilidade de se eleger, a Lei contribui para tornar as regras do direito eleitoral mais eficientes.
De acordo com Reis, em 2012, cerca de 1,2 mil candidatos tiveram seus registros indeferidos pela Justiça Eleitoral, com base na lei. “É um número formidável. A Lei da Ficha Limpa ampliou o número de casos de inelegibilidade. Ela retirou do direito eleitoral o mito de que uma condenação precisa transitar em julgado para que haja uma inelegibilidade”, disse Reis que também é presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe).
A Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) permite que seja considerada inelegível, por oito anos, qualquer pessoa que tenha sido condenada por um órgão colegiado da Justiça e de casas legislativas (como de políticos que tenham tido suas contas rejeitadas pelos parlamentares). Antes da lei, para ser considerada inelegível, a pessoa tinha que ter sido condenada em última instância, sem direito a recursos.
Também podem ser considerados inelegíveis pela Justiça funcionários públicos que tenham sido demitidos em decorrência de processo administrativo ou judicial e pessoas que tenham tido seus registros profissionais cassados por seus órgãos de classe em decorrência de infração ético-profissional.
A professora de direito eleitoral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Vânia Aieta, que também atua como advogada de candidatos perante a Justiça Eleitoral, faz críticas à lei e diz que a norma tem brechas que tornam subjetiva a decisão sobre a possibilidade de um candidato poder concorrer.
A advogada usa, como exemplo, os julgamentos sobre improbidade administrativa que, segundo ela, precisam definir a existência de dolo (intenção) e dano ao Erário para enquadrar o candidato na Lei da Ficha Limpa.
“Essas minúcias têm uma carga de subjetividade no momento da decisão judicial. Dependendo de quem esteja julgando, de quem seja o intérprete [da lei], você vai ter julgamentos mais favoráveis ou mais desfavoráveis. A meu ver, aqui no Tribunal Eleitoral [do Rio] há pessoas com situações muito mais gravosas que foram liberadas e outras que foram condenadas por situações de menor monta”, afirma.
A especialista da Uerj acredita que o melhor julgamento sobre o candidato deve vir do próprio eleitor. Para Vânia, é ele que deve separar o bom do mau candidato. Márlon Reis, por sua vez, diz que não existe lei que não seja passível de interpretação.
No Distrito Federal, por exemplo, o candidato ao governo José Roberto Arruda terá seu destino político definido hoje pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Condenado em segunda instância por improbidade administrativa, Arruda, que já foi governador do DF, lidera as pesquisas de intenção de voto.
Na sessão, às 19h, os ministros vão decidir se confirmam o entendimento do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que negou o registro da candidatura do ex-governador às eleições de outubro, com base na Lei da Ficha Limpa. Arruda foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e perdeu seus direitos políticos por oito anos por improbidade administrativa, enriquecimento ilícito e dano ao patrimônio público. O advogado de Arruda, Francisco Emerenciano, vai sustentar que a decisão do TJDFT foi posterior ao pedido de registro de candidatura e, por isso, não poderia impedi-lo de entrar na disputa. Ainda segundo o advogado, Arruda solicitou à Justiça Eleitoral seu registro no dia 4 de julho e a decisão do TJDFT foi tomada em 9 de julho.
Nas ruas, pessoas ouvidas pela Agência Brasil defendem a lei. “Acho a lei corretíssima. Ajuda muito, mas o eleitor poderia fazer sua parte, independente da lei”, afirma o funcionário público Ivan Melo, de Alagoas.
O pintor carioca Irapuã Pina diz que acha a lei muito “correta”. “Já ouvi falar dessa lei. Todo mundo tem que ter a ficha limpa, mas principalmente o político, que tem que dar o exemplo. É muito complicado deixar só na mão do eleitor a escolha. A Justiça tem que intervir, sim”.
Outras pessoas entrevistadas pela Agência Brasil nem sequer conheciam a lei, mas ao saberem o que a norma prevê, disseram apoiá-la. “Não conheço a lei, mas concordo plenamente com ela [depois de ouvir a explicação da reportagem], porque impede que políticos com ficha suja voltem à política. Eu mesma sempre procurei não votar em candidatos que tenham alguma coisa suja em sua vida”, disse a recepcionista Adriana Santiago.
Outro que disse desconhecer a lei, o porteiro paraibano José da Silva considera importante uma lei que impeça candidatos ficha suja de concorrer. “Se ele tem ficha suja, a Justiça tem que tirar fora [da eleição], com certeza. Tem que entrar só político que possa guiar melhor o país”, conta.
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