A professora Zara Figueiredo Tripodi, do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), aceitou no início deste ano o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para liderar a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC).
A Secadi, anteriormente dissolvida na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), torna-se fundamental para enfrentar desafios educacionais, especialmente no âmbito da diversidade e inclusão.
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e com pós-doutorado na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), Zara possui vasta experiência acadêmica. Seu papel na Secadi destaca-se pela abordagem estratégica na formação inicial de professores, com foco em áreas historicamente carentes.
Durante o VI Seminário Diversidade e Educação para as Relações Étnico-Raciais, promovido pela Prefeitura de Várzea Grande, Zara enfatizou a missão da Secadi em reduzir desigualdades de aprendizagem, ressaltando a importância de políticas diferenciadas para grupos específicos, como jovens e adultos, indígenas e quilombolas, destacando a necessidade de uma abordagem intersetorial.
Em entrevista exclusiva ao , Zara discutiu a visão estratégica da Secadi para o desenvolvimento educacional no Brasil, abordando programas e iniciativas em andamento. Ela ressaltou a importância de políticas específicas para grupos historicamente desfavorecidos, como a educação especial e a formação para Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Confira entrevista na íntegra:
VGN - Qual é a visão estratégica da Secretaria de Educação Continuada do Ministério da Educação para o desenvolvimento contínuo da educação no Brasil?
Zara Figueiredo - A Secadi desempenha um papel estratégico nesse contexto, abrigando diretorias específicas para grupos como raça e quilombola, indígena, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Especial na perspectiva inclusiva e bilíngue de estudos. Essas áreas, historicamente negligenciadas em termos de formação nas licenciaturas, encontram-se sob a alçada da Secadi. Essa abordagem é crucial, pois os profissionais que ingressam na sala de aula frequentemente possuem uma formação inicial limitada. Assim, a Secretaria se torna estratégica ao concentrar esforços na superação dessa lacuna por meio de programas de formação continuada para esses grupos.
VGN - Poderia compartilhar os principais programas ou iniciativas atualmente em andamento para promover a educação continuada no país?
Zara Figueiredo – Ao analisar o currículo universitário, observamos que o percentual de formação destinado à Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Especial, quilombola e indígena é substancialmente baixo. A Secretaria concentra seus esforços exatamente nessas áreas de política que demandam maior atenção. Se examinarmos os dados de formação de professores no Brasil, veremos que a Educação Escolar Indígena, por exemplo, não ultrapassa 30% dos profissionais em exercício. É essa disparidade que a Secretaria busca corrigir.
Se examinarmos os dados de formação de professores no Brasil, veremos que a Educação Escolar Indígena, por exemplo, não ultrapassa 30% dos profissionais em exercício. É essa disparidade que a Secretaria busca corrigir.
VGN - Como a Secretaria de Educação Continuada está trabalhando para garantir o acesso equitativo à educação ao longo da vida, considerando diferentes grupos demográficos e regiões do Brasil?
Zara Figueiredo – Este é um ponto crucial. Quando abordamos equidade e inclusão, é essencial reconhecer que as políticas concebidas em escala perdem sua eficácia ao lidar com situações específicas. Equidade significa distribuir políticas públicas e recursos sociais de maneira diferenciada para atender às necessidades específicas daqueles que mais precisam. Não se trata os desiguais da mesma maneira. Se pessoas desiguais são tratadas com a mesma abordagem, apenas acentua as desigualdades. Nesse sentido, a Secadi concentra suas políticas de forma exata.
Por exemplo, ao abordar a educação de jovens e adultos, que enfrenta o desafio de 9,3 milhões de pessoas não alfabetizadas no Brasil, é impraticável adotar uma abordagem uniforme para esse grupo diversificado. É necessário desagregar esse contingente considerando diferenças como idade, localização urbana ou rural e outros marcadores sociais.
Não podemos aplicar a mesma política para jovens não alfabetizados urbanos da mesma forma que para indivíduos não alfabetizados com 55 anos ou mais. Precisamos considerar uma abordagem diferenciada, como incluir o componente óculos na política para pessoas rurais de 55 anos ou mais. Isso requer uma abordagem intersetorial, pois é crucial que saibam ler para se sentirem motivados.
Ao discutir políticas de equidade e inclusão, é imperativo considerar esses marcadores, tanto sociais quanto regionais, para criar intervenções relevantes e eficazes.
VGN - Poderia destacar os principais desafios enfrentados pela Secretaria e as estratégias adotadas para superá-los na promoção da educação continuada?
Zara Figueiredo - Os grandes desafios residem no histórico de políticas educacionais que negligenciaram os grupos mais vulneráveis. Isso resultou em uma cascata de desigualdades que a extinção da Secretaria agravou, especialmente considerando a falta de foco prévia nesses grupos. Em um país onde os direitos sociais, especialmente educacionais, não são sólidos, a extinção da Secretaria destinada a esses grupos durante uma pandemia amplifica as dificuldades.
A descontinuidade da Secretaria interrompeu o processo de consolidação da formação continuada para esses grupos, tornando a reestruturação mais desafiadora, dada a conjunção com a pandemia. A reinstituição da Pasta pelo presidente Lula é crucial para recuperar o atraso e avançar. Isso demanda desenhos de formação continuada assertivos e robustos, especialmente adaptados aos grupos vulneráveis. Além disso, é essencial construir estratégias eficazes para envolver os entes federados na implementação da política educacional, estabelecendo parcerias sólidas com municípios e Estados. O sucesso da política do MEC depende da colaboração efetiva em todos os níveis governamentais.
VGN - Como a Secretaria está abordando a inclusão e a diversidade na educação continuada, garantindo que todos os cidadãos tenham oportunidades iguais de acesso?
Zara Figueiredo - As oportunidades não podem ser uniformes; pelo contrário, devem ser diferenciadas para favorecer aqueles com menos recursos. A igualdade de oportunidades, na verdade, perpetua a desigualdade. Recentemente, o presidente Lula e o ministro Camilo anunciaram uma política de fortalecimento da educação especial com uma abordagem inclusiva. Estamos priorizando a formação continuada, planejando capacitar 1 milhão e 300 mil professores que nunca receberam treinamento nessa perspectiva inclusiva.
Um exemplo é a formação continuada inédita para professores em comunidades quilombolas. Agora, reconhecemos a necessidade de formação especializada, inclusive em nível de especialização, para a educação quilombola. Queremos garantir que todas as crianças, independentemente de deficiências, estejam na escola regular. Isso requer professores, gestores e toda a comunidade educacional devidamente capacitada para lidar com diversas situações, como a presença de profissionais de disciplina nas escolas.
Estamos expandindo a educação do campo e aprimorando a educação escolar indígena, incluindo alfabetização nas línguas próprias e a expansão do Prolinde, programa de formação inicial para educadores indígenas. Além disso, em breve, o ministro lançará o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo, com abordagens específicas para atender diferentes públicos.
VGN - Em termos de aprendizado ao longo da vida, como a Secretaria está incentivando a atualização e reciclagem profissional, especialmente em setores sujeitos a mudanças rápidas?
Zara Figueiredo - É crucial considerar a sustentabilidade em todos os desenhos de formação da Secadi. Além de oferecer a formação, um passo fundamental é a criação do que chamamos de comitê de governança. Esse comitê desempenha um papel vital ao estabelecer mecanismos de gestão para facilitar a implementação pelos entes federados, permitindo que eles ajam de forma independente mesmo diante de mudanças.
Uma abordagem essencial na política de formação é capacitar os entes federados para que, em um ciclo de dois anos, possam caminhar com suas próprias pernas. Isso cria uma capacidade instalada vital para a política. Em cenários de mudança política ou crises, como a pandemia de Covid, as redes estarão preparadas para assumir os próximos passos de forma autônoma. A ênfase está na sustentabilidade dos processos de formação continuada, garantindo que perdurem efetivamente ao longo do tempo.
VGN - Quais são os objetivos de longo prazo da Secretaria da Educação Continuada para contribuir para um sistema educacional mais robusto e adaptável no Brasil?
Zara Figueiredo - O objetivo é reduzir as desigualdades de aprendizagem, não apenas por meio de cursos de formação aprimorados e melhorias na infraestrutura escolar, mas também abordando a disparidade presente. Atualmente, essa desigualdade é significativa, afetando alunos negros, quilombolas e indígenas, resultando em 9 milhões de pessoas não alfabetizadas.
Em médio e longo prazo, a Secadi visa diminuir essa lacuna na aprendizagem, que está diretamente ligada à restrição da cidadania. A formação de profissionais é crucial, considerando que há redes com salários atrativos, mas com baixa qualidade de aprendizagem. A atratividade da carreira envolve não apenas salários competitivos, mas também boas condições de trabalho e uma formação robusta, destacando a importância do magistério para a sociedade.
Uma política educacional eficaz requer a abordagem de vários pontos de desigualdade, desde infraestrutura escolar até monitoramento contínuo. Esse enfoque abrangente, aliado à interdisciplinaridade, é essencial para garantir uma educação de qualidade tanto no presente quanto no futuro.
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