A promotora de Justiça e ex-secretária de Meio Ambiente do Estado, Ana Luiza Avila Peterlini de Souza, concedeu entrevista ao , apontando que as maiores demandas na questão ambiental por parte do Ministério Público Estadual (MPE) são o combate ao desmatamento ilegal, à exploração ilícita de produtos florestais e os incêndios florestais. Atualmente, Peterlini está atuando na 15ª Promotoria Cível - Defesa do Meio Ambiente Natural.
Ana Luiza abortou que o MPE tem acompanhado anualmente a política pública estadual de prevenção e combate às queimadas e aos incêndios florestais.
Além disso, ela destacou que o desmatamento ilegal, a drenagem de áreas úmidas, os barramentos ilegais de cursos d’água e a captação clandestina de recursos hídricos, dentre outras ações cotidianas, influenciam na quantidade de áreas queimadas, já que “está diretamente relacionada à redução da área inundada e ao tempo de permanência da água no Pantanal”.
Confira na íntegra a entrevista
VGN - Como se dá a atuação do Ministério Público no âmbito ambiental?
Ana Luíza Peterlini - O Ministério Público do Estado atua na proteção do meio ambiente natural (fauna, flora, solo, recursos hídricos, minerais) em busca do desenvolvimento sustentável, assim como na organização dos espaços urbanos, por meio do acompanhamento e da execução de políticas públicas, da elaboração de normativas, e da defesa de bens e direitos de valor ambiental natural, artístico, histórico, estético, turístico e paisagístico. Para tanto, adota as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis.
VGN - Em todo o Estado, quantos promotores de Justiça atuam nessa área?
Ana Luíza Peterlini - Importante esclarecer que há Promotorias de Justiça com atribuição especializada e exclusiva na defesa do meio ambiente localizadas nas cidades polo, como Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Barra do Garças, Sinop e Cáceres. Nas demais Promotorias localizadas no interior, há sempre um membro do Ministério Público que atua na área ambiental, cumulando sua função com outras várias atribuições.
VGN - Quais são as principais demandas das Promotorias do meio ambiente? E os maiores desafios?
Ana Luíza Peterlini - As principais demandas das Promotorias de Justiça são o combate ao desmatamento ilegal, à exploração ilícita de produtos florestais, além dos incêndios florestais, da drenagem de áreas úmidas e da poluição, dentre outros. Há inúmeros desafios a serem enfrentados. A legislação brasileira é muito protetiva; contudo, ainda é carente de cumprimento e implementação. Há uma grande tolerância da população e do Poder Público em relação às degradações ambientais, o que acaba estimulando a continuidade das lesões ao meio ambiente. Portanto, há a necessidade de maior conscientização da população quanto à finitude dos recursos naturais e ao respeito ao meio ambiente e à qualidade de vida. O Poder Público também precisa agir com maior rigor, intensificando o monitoramento, a fiscalização e a punição dos infratores ambientais.
VGN - No mês de junho, o Pantanal de Mato Grosso registrou a maior média de área queimada desde 2012, segundo a série histórica do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em apenas 30 dias, mais de 411 mil hectares do bioma foram consumidos pelo fogo, enquanto a média histórica é de pouco mais de oito mil hectares no mesmo período. Quais medidas o Ministério Público tem adotado para reduzir esses índices alarmantes?
Ana Luíza Peterlini - O Ministério Público tem acompanhado anualmente a Política Pública Estadual de prevenção e combate às queimadas e aos incêndios florestais, por meio de procedimento administrativo. Já realizamos audiências públicas para entender melhor a problemática e ouvir as sugestões e proposições da sociedade em geral. Também exigimos do Estado a apresentação e implementação dos Planos de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais nas principais Unidades de Conservação do Estado, especialmente no Pantanal. Além disso, foram viabilizados recursos oriundos de transações com infratores, via Banco de Projetos (BAPRE/MPMT), no total de R$ 2.118.207,15 para a construção de corixo antrópico na Transpantaneira, bem como para a contratação da elaboração dos Planos de Manejo da APA Cabeceiras do Rio Cuiabá, do Parque Estadual Encontro das Águas e da Estrada Parque Transpantaneira.
Além de acompanhar as ações adotadas pelo Poder Público, o MP responsabiliza criminal e civilmente aqueles que utilizam o fogo de forma ilegal durante o período proibitivo.
Importante lembrar que essas são medidas diretas adotadas pelo MPMT para essa questão específica, mas a atuação ministerial contra o desmatamento ilegal, a drenagem de áreas úmidas, os barramentos ilegais de cursos d’água e a captação clandestina de recursos hídricos, dentre outras ações cotidianas, também influencia na quantidade de áreas queimadas, já que está diretamente relacionada à redução da área inundada e ao tempo de permanência da água no Pantanal.
Nesse sentido, vale esclarecer que o Ministério Público recebe automaticamente, desde a implantação do Sistema SIGA Autuação, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, a notificação de todos os autos de infração lavrados contra infratores ambientais. A partir disso, são instaurados os procedimentos devidos para responsabilização cível e criminal desses agentes. Este é apenas um dos canais de comunicação, pois o MPMT também busca responsabilizações com base em notícias de infrações advindas de outros órgãos públicos, como IBAMA, PMMT, Ouvidoria, bem como de ofício.
VGN - O MPE criou algum comitê ou participa de algum órgão específico como forma de uma atuação mais ativa ou próxima neste trabalho de controle e fiscalização nos crimes ambientais no Pantanal?
Ana Luíza Peterlini - Não houve a criação de um grupo específico, mas a atuação tem sido ativa, de forma integrada com todos os órgãos e atores atuantes na defesa ambiental do Pantanal. O Ministério Público está em constante contato com a SEMA, IBAMA, ICMBio, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Militar, Polícia Judiciária Civil e Organizações Não Governamentais. Também participamos do CEDIF (Comitê Estratégico para o Combate ao Desmatamento Ilegal, à Exploração Florestal Ilegal e aos Incêndios Florestais) e do Comitê do Fogo. Ambos são comitês compostos por todos os órgãos públicos que atuam no Estado de Mato Grosso relacionados ao desmatamento e aos incêndios florestais, buscando implementar estratégias e ações conjuntas para enfrentar o tema.
VGN - Após a tragédia no Rio Grande do Sul, houve mudança dos setores mais refratários às preocupações ambientais em Mato Grosso?
Ana Luíza Peterlini - Alguns setores passaram a se preocupar com o tema, pois, de fato, as mudanças climáticas têm afetado atividades econômicas, como a agricultura e a pecuária. Portanto, ainda que tardiamente, a questão ambiental entrou na pauta de discussões. Há necessidade de ações urgentes para mitigar as mudanças climáticas e promover a adaptação à nova realidade. Nesse sentido, é premente a adoção de medidas que possam contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa, como a redução do desmatamento e dos incêndios ilegais.
VGN - Há casos de alterações de normas ambientais no Estado, como a "Lei do Transporte Zero" e a Lei Complementar 788/2024, que permite o desmatamento de áreas de Reserva Legal em propriedades rurais para mineração. Como vem sendo a atuação do MPE nessas questões?
Ana Luíza Peterlini - A competência para propositura de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) em face de leis inconstitucionais é do Procurador-Geral de Justiça. Algumas ADIs têm sido propostas nesse sentido, inclusive em relação à alteração que permitiu a mineração em áreas de Reserva Legal. Essas ações tramitam no TJMT.
VGN - Por que, em casos de leis polêmicas como essas, principalmente na questão ambiental, o Ministério Público deixa de ser consultado pelos governantes? O papel do órgão também não é orientar os gestores por meio de recomendações?
Ana Luíza Peterlini - Não há obrigação legal de consultar o Ministério Público durante a elaboração de normativas, mesmo quando o tema envolve o meio ambiente. Os Poderes Executivo e Legislativo Estadual possuem seus próprios órgãos jurídicos de consultoria, que orientam sobre a legalidade e constitucionalidade das normas.
Contudo, em várias ocasiões, o Ministério Público é convidado a participar dos debates sobre normas infralegais, para evitar a elaboração de normas ilegais ou inconstitucionais. Nessas oportunidades, temos feito recomendações de caráter jurídico e técnico.
VGN - O Ministério Público já quantificou o impacto que as diferentes greves dos servidores de meio ambiente, como do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), tiveram sobre as ações de fiscalização e de proteção das unidades de conservação?
Ana Luíza Peterlini - De fato, sentimos uma redução na fiscalização do Ibama em temas importantes no Estado, como desmatamento e degradação florestal. Porém, acredito que o Ministério Público Federal, que trata das demandas de âmbito federal, poderia fornecer informações mais precisas sobre esse impacto.
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