Nos últimos anos, o uso da Inteligência Artificial (IA) tem sido um tema central no setor audiovisual, trazendo para a mesa discussões com entusiasmo e preocupações. Automatização de tarefas de edição e melhora na criação de efeitos especiais, são algumas das ferramentas fornecidas pela IA. No entanto, o uso da tecnologia também levanta preocupações éticas, especialmente no que diz respeito a criação de deepfakes e manipulações de vídeo, exigindo regulamentação e vigilância para mitigar esses riscos.
A evolução da computação gráfica e do audiovisual com a Inteligência Artificial é a mudança mais impactante que testemunhei em quase três décadas de carreira
Em seus mais de trinta anos de atuação no mercado audiovisual, o publicitário Keydson Alves Barcelos, formado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), posiciona-se como defensor do acesso à cultura e à arte, sendo referência na comunicação regional. Com formações em Cinema, Semiótica, Neurolinguística e Tecnologia da Informação, o Diretor de Arte e Fotografia conversou com o VG Notícias sobre Inteligência Artificial, campanhas políticas, qualidade em comunicação e outros temas igualmente atuais e relevantes.
Confira abaixo a entrevista na íntegra com Keydson Alves Barcelos:
VGN - Como o uso da inteligência artificial (IA) está sendo incorporado - ou temido - na produção audiovisual?
Keydson Alves - A inteligência artificial (IA) está sendo incorporada na produção audiovisual de diversas maneiras. Ela automatiza tarefas de edição, melhora a criação de efeitos especiais, e personaliza conteúdo para diferentes públicos, aumentando a eficiência e a criatividade. Ferramentas de IA, como algoritmos de aprendizado de máquina, são usadas para analisar grandes volumes de dados, aprimorar a qualidade de imagens e vídeos, e até gerar roteiros e diálogos.
Por outro lado, a IA também é temida, sua capacidade de criar deepfakes realistas levanta sérias preocupações sobre a autenticidade e a integridade do conteúdo. A manipulação de vídeos e áudios pode ser usada para disseminar desinformação, enganar o público e prejudicar a reputação de indivíduos. Essas questões éticas e de segurança exigem regulamentação rigorosa e vigilância constante para evitar abusos
VGN - Em ano de eleições, uma coisa não muda: programa eleitoral de rádio e TV entra no ar. Não seria uma ferramenta que já ficou para trás na conquista do voto?
Keydson Alves - O peso dos programas de TV permanece significativo, gerando uma forte ressonância no jornalismo e na opinião pública. Embora as redes sociais tenham ganhado importância, elas não se bastam. A TV e o rádio oferecem uma abrangência e um impacto que as mídias sociais ainda não conseguem igualar. As campanhas eleitorais investem pesadamente em estratégias de comunicação nesses meios tradicionais para alcançar uma audiência ampla e diversificada.
A combinação de métodos tradicionais e digitais redefine as estratégias de comunicação. A eficácia de uma campanha eleitoral depende da capacidade de integrar diferentes meios de comunicação para transmitir mensagens claras e impactantes, promovendo um processo eleitoral justo e democrático.
VGN - O que é necessário para que esses programas sejam atrativos? Destacaria alguma dica aos candidatos e suas equipes?
Keydson Alves - Para que os programas eleitorais sejam atrativos e eficazes, é essencial que os candidatos e suas equipes foquem em mensagens claras e concisas, abordando as preocupações dos eleitores de forma objetiva. É importante humanizar o candidato por meio de histórias pessoais e exemplos concretos, criando uma conexão emocional com o público. Investir em boa qualidade visual e auditiva é crucial, garantindo uma apresentação profissional com boa iluminação, som claro e imagens de alta qualidade. Outro ponto que merece atenção é a acessibilidade, é importante que todos tenham acesso à informação.
Dica importante: As regras sobre o uso de campanhas eleitorais estão disponíveis no site do TSE e devem ser revisitadas sempre que possível, é crucial respeitar todas as normas eleitorais e estar preparado para monitorar e responder a quaisquer violações. Importante lembrar que o uso de efeitos visuais e gráficos deve ser atrativo, mas sem exageros. Qualquer conteúdo gerado por IA deve ser claramente identificado para manter a transparência, evitando deepfakes e outras manipulações. Exemplo disso foi o cenário das últimas eleições na Argentina em 2023, Milei e Sergio Massa foram os campeões de produção de conteúdo deepfakes, gerando um intenso debate sobre a autenticidade dos vídeos reais.
VGN - Você está no mercado audiovisual há quase 30 anos. Entre as mudanças, qual a mais impactante?
Keydson Alves - Estou no mercado audiovisual há quase 30 anos e, entre as inúmeras mudanças, a mais impactante foi a evolução da computação gráfica com a Inteligência Artificial. Nos anos 90, a computação gráfica era bem limitada, trabalhosa, onerosa, mas revolucionou a produção audiovisual.
Um exemplo marcante é o case do filme em computação gráfica do VLT, que demonstrou como essa tecnologia pode transformar a narrativa visual. Lideramos um intenso trabalho de criação audiovisual para apresentar ao imaginário local, por meio de uma peça publicitária, o que era o modal. Infelizmente, a obra do VLT não se consolidou. Apesar dessas inovações, o poder do storytelling permanece inalterado. A capacidade de conectar emocionalmente com o público e utilizar a narrativa como ferramenta de venda continua sendo essencial. O componente emocional é crucial para criar uma conexão autêntica e eficaz com o público.
VGN - O cinema regional experimenta uma onda de novas produções, impulsionadas pelas Leis Aldir Blanc e Rouanet. Há público já formado para que produtoras audiovisuais caminhem de forma independente?
Keydson Alves - Essas leis têm fornecido o suporte financeiro necessário para que muitas produtoras audiovisuais regionais iniciem ou expandam seus projetos. No entanto, a sustentabilidade dessas produtoras de forma independente ainda enfrenta desafios significativos. Há um público formado e crescente interessado em produções regionais, o que é encorajador. Programas e filmes de sucesso, como as produções de Nico e Lau e os trabalhos em conjunto com cineasta cuiabano Luiz Marchetti, demonstram que há uma demanda por conteúdo que reflita a cultura e as histórias locais. No entanto, para que as produtoras possam caminhar de forma independente, é essencial uma abordagem mais mercadológica. Qualificar o audiovisual enquanto negócio é crucial. Isso inclui a profissionalização das equipes, estratégias eficazes de marketing e distribuição, e a busca por novos modelos de financiamento além das leis de incentivo. A capacitação em gestão e empreendedorismo é vital para que as produtoras regionais possam se estabelecer e prosperar no mercado.
VGN - Você acredita que a regulamentação atual é suficiente para lidar com os avanços da IA na criação de deepfakes e outras manipulações em campanhas políticas?
Keydson Alves - Ao longo desses quase 30 anos de experiência em campanhas eleitorais, observei muitas mudanças nas regras do jogo. A mais intrigante de todas é a que estamos vivenciando atualmente: a chegada da Inteligência Artificial (IA). A IA pode ajudar significativamente no processo eleitoral de diversas maneiras.
Por outro lado, a IA também pode atrapalhar no processo eleitoral. Ela pode ser usada para criar conteúdos falsos, como deepfakes, que distorcem a realidade e enganam os eleitores, colocando em risco a integridade do processo eleitoral. Além disso, a capacidade da IA de segmentar eleitores com precisão pode ser usada de forma ética questionável, criando bolhas informacionais e manipulando emoções para influenciar o comportamento de voto. Bots automatizados podem inundar redes sociais com mensagens específicas, influenciando indevidamente a opinião pública e criando uma percepção falsa de apoio ou oposição.
As leis existentes serão experimentadas pela primeira vez para combater a desinformação nas propagandas eleitorais, porém, também há um movimento de grandes marcas atuando nesse propósito, as grandes marcas globais como ADOBE, AMAZON, GOOGLE, IBM, META e MICROSOFT estão em comum acordo de combater o uso enganoso gerado por IA, principalmente em eleições. Esse acordo é conhecido como Tech Accrod to Combat Deceptive Use of AI in 2024 Elections (Acordo tecnológico para combater o uso enganoso de IA nas eleições), acelerando o desenvolvimento de tecnologia para detectar uso de IA na geração de conteúdo e alertar quando prejudicial à rede de distribuição desse conteúdo.
VGN - Em sua opinião, quais são as competências mais importantes que os profissionais de publicidade e cinema devem desenvolver para trabalhar com IA?
Keydson Alves - De modo geral, para trabalhar com IA, os profissionais de publicidade e cinema devem entender os fundamentos de IA e machine learning, além de serem proficientes na análise de dados para interpretar o comportamento do público e medir a eficácia das campanhas.
Cito aqui algumas habilidades relevantes: Familiaridade com ferramentas de IA para criação automatizada de conteúdos e software; Ética e transparência para evitar manipulação e garantir autenticidade e conhecimentos básicos de programação computacional.
VGN - Quais são os aspectos éticos mais preocupantes do uso de IA em produção audiovisual, como a criação de deepfakes e a manipulação de imagens?
Keydson Alves - Os aspectos éticos mais preocupantes do uso de IA em produção audiovisual incluem a criação de deepfakes e a manipulação de imagens, que podem enganar o público, espalhar desinformação e prejudicar a reputação de indivíduos. A falta de transparência e a dificuldade em distinguir conteúdos reais de falsos também levantam questões sobre a autenticidade e a confiança nas mídias digitais. Engajar e enganar são bem parecidos, não confunda: Na vida, a linha entre conquistar corações e manipular mentes é mais tênue do que se imagina.
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