Em entrevista exclusiva ao , o Juiz Eleitoral Eustáquio Inácio de Noronha Neto fala sobre o papel da Justiça Eleitoral na defesa da democracia e os desafios da era digital.
Noronha Neto destaca a importância da Justiça Eleitoral como guardiã da democracia, garantindo o cumprimento das normas e o respeito aos direitos de todos os envolvidos no processo eleitoral. Para ele o eleitor também exerce um papel importante como parceiro da Justiça Eleitoral na defesa da democracia, e incentiva a denunciarem irregularidades e colaborarem na construção de um processo eleitoral transparente e justo.
O juiz fala sobre o potencial da inteligência artificial para auxiliar na logística, detecção de fraudes e combate à desinformação. Mas também alerta para os riscos do uso indevido da tecnologia, como a criação de deepfakes e a manipulação da opinião pública. Ele apresenta as medidas tomadas pela Justiça Eleitoral para garantir a lisura do processo eleitoral, como a proibição de deepfakes, a obrigatoriedade de identificação de conteúdo manipulado por inteligência artificial e a responsabilização das plataformas digitais pela disseminação de informações falsas.
Ele dá algumas dicas para que os eleitores consigam discernir entre notícias verdadeiras e falsas, além de identificar deepfakes e outros conteúdos manipulados. O Juiz adverte os candidatos sobre os riscos de utilizar artifícios ilegais, como deepfakes e perfis falsos, para obter vantagem eleitoral. Ele destaca que as sanções podem ser severas, incluindo a perda do registro de candidatura ou até mesmo do mandato eleito.
O Juiz finaliza compartilhando sua trajetória de vida, desde a infância humilde como ambulante até sua ascensão ao cargo de Juiz Eleitoral. Ele incentiva os jovens a nunca desistirem de seus sonhos e persistirem na busca por seus objetivos.
Veja entrevista completa
VGN - Doutor, para começo de conversa, na sua opinião, qual a importância da Justiça Eleitoral para o fortalecimento da democracia?
Eustáquio - Olha, acredito que a justiça eleitoral é uma guardiã da democracia e visa regular as relações sociais entre candidatos, partidos e, especialmente, o eleitor, fazendo com que as normas sejam seguidas à risca e respeitadas ao direito de todos.
VGN - Existe alguma forma do eleitor colaborar com a Justiça Eleitoral nesse processo de fortalecimento da democracia?
Eustáquio - Claro, com certeza. O eleitor é o grande parceiro da justiça eleitoral para trazer até a justiça as demandas, indicar quando houver o cometimento de uma irregularidade, de um ilícito eleitoral, seja na propaganda, seja em compra de votos, seja em qualquer área onde o eleitor verificar ou, pelo menos, suspeitar de que esteja acontecendo uma violação das regras eleitorais.
VGN - A inteligência artificial está consolidada, é um caminho sem volta. Então, diante disso, quais são as suas expectativas em relação ao uso da inteligência artificial nas eleições, considerando seu potencial tanto para auxiliar na logística como para detecção de fraudes e, até mesmo, combater a desinformação?
Eustáquio - A inteligência artificial é uma realidade e ela vem com o intuito de ajudar, mas existe uma preocupação da justiça eleitoral em não deixar que esse avanço da tecnologia por meio da IA, da inteligência artificial, seja utilizado pelo lado contrário, para denegrir outros candidatos e desequilibrar o pleito, a paridade de armas entre os candidatos. Então, a justiça eleitoral ela vê com bons olhos, mas também, de outro lado, com uma certa preocupação, sobretudo no que se diz respeito ao uso de deepfake no processo eleitoral.
VGN - Então, não é proibido o uso de inteligência artificial na campanha?
Eustáquio - Importante a sua pergunta. A proibição da inteligência artificial não existe. O que existe são restrições. A inteligência artificial pode se contribuir no processo eleitoral, nas campanhas dos candidatos, dos partidos, mas ela precisa ser aplicada respeitando certas restrições. Como eu disse, no caso da deepfake, aí sim existe a proibição total do uso de deepfakes, que seria uma falsificação profunda da realidade, para produzir conteúdo falsos, aí a deepfake é totalmente proibida. A IA não. Você pode se utilizar da inteligência artificial desde que seja cumprida certas normas, como deixar claro, identificado, que aquele conteúdo conta com a implementação ou foi utilizado através do uso de inteligência artificial, e no caso dos robôs também existem algumas vedações.
VGN - Existe alguma orientação para o uso de conteúdo manipulado, por inteligência artificial?
Eustáquio - A justiça eleitoral passa, a partir de agora, a determinar que toda vez que um candidato ou partido for se utilizar dessa ferramenta do futuro, que é a inteligência artificial, essa informação deve estar explícita para os eleitores, de que aquele conteúdo, ele conta com a manipulação de inteligência artificial. Então a justiça eleitoral fala de maneiras explícitas de trazer essa mensagem. Por exemplo, marca d'água, ou a informação clara, inequívoca, de que aquele conteúdo foi manipulado via inteligência artificial. É obrigatório essa comunicação explícita.
VGN - Voltando a falar sobre deepfake, a inteligência artificial não é proibida, porém o deepfake sim, então quais os riscos reais do uso do deepfake numa eleição municipal, como essa deste ano?
Eustáquio - Bem, como eu disse, a deepfake é uma falsificação refinada da verdade. Então, quando você altera a voz, altera imagens e acrescenta voz de outras pessoas, falseia a verdade de uma forma que fique muito difícil, sobretudo ao eleitor, identificar se aquilo é verdade ou mentira e como é difícil depois desmentir certas coisas ao eleitor. Por precaução, a justiça veda totalmente o uso das deepfakes. É exatamente para proteger, em primeiro lugar, o eleitor. Para que o eleitor não fique ali exposto a um conteúdo falso. E que depois ele nem sequer vai ficar sabendo que era falso. De repente não dá tempo mais, esse conteúdo já Influenciou de forma errada a decisão dele em escolher seu candidato. Como também, em segundo plano, a própria paridade de armas entre os candidatos. Os candidatos precisam ter um equilíbrio na disputa. Então, quando você, um candidato, de forma ilícita, utiliza uma deepfake, uma informação falsa, ele acaba levando vantagem sobre o outro candidato. Seja uma deepfake para favorecer a si próprio, seja uma deepfake para prejudicar o seu oponente.
VGN - Um dos meios de disseminação da deepfake são as redes sociais. Nesse caso, elas são controladas pelas big techs que, em boa parte, não estão no Brasil. Como lidar com essa situação e como responsabilizá-las por essa distribuição do conteúdo?
Eustáquio - Ótima pergunta. A justiça eleitoral também está atenta a essa problemática. Ela passa a partir de agora a colocar as big techs, que são responsáveis por publicar esses conteúdos ou impulsionar esses conteúdos, passa a colocá-los como co-responsáveis perante os candidatos e partidos que divulgarem uma deepfake, por exemplo, uma notícia falsa. De modo que, além do candidato, quando determinado, a big tech também será responsável em retirar imediatamente esse conteúdo, sob pena de multas, que são multas pesadíssimas, e, em caso de recalcitrância, até outras sanções mais graves.
VGN - Doutor, vamos falar um pouco sobre robôs. É muito comum o uso de robôs, tanto no comércio como também nas campanhas eleitorais. Existe alguma orientação da justiça eleitoral em relação ao uso de robôs?
Eustáquio - Sim, os robôs também foram abarcados pela resolução do TSE, no sentido de que existem algumas limitações. É possível a utilização dos robôs para facilitar a comunicação, porém os robôs, em hipótese alguma, podem interagir com o eleitor como se eles fossem o candidato, porque a justiça eleitoral entende que seria uma enganação, um engodo. Então tem que ficar explícito nessa comunicação, nessa interação com os eleitores, de que se trata de um robô, de um mascote, por exemplo, nas eleições que passaram nós vimos que vários candidatos adotaram um mascote, um desenho, uma caricatura de si próprio. Isso não é vedado, continua sendo permitido. Porém, o que não pode ser é o eleitor estar falando com o robô achando que está falando com o próprio candidato. Então, isso é terminantemente proibido.
VGN - Além dos robôs, existem os perfis fake. Às vezes, cria-se perfil fake justamente para disseminar desinformação e, até mesmo, para ofender outro candidato. Existe forma de detectar esse perfil fake e de responsabilizar quem o fez?
Eustáquio - Olha, realmente essa é uma tarefa ainda difícil, porém, a Justiça Eleitoral conta com a equipe de técnico, o Ministério Público Eleitoral também tem trabalhado, e os partidos políticos devem ajudar nessa empreitada, e até mesmo os eleitores. Quando ele estiver diante de um perfil que estiverem disseminando ataques ou disseminando notícias falsas, tem que ser denunciado para que a Justiça Eleitoral realmente averigue se traz-se de um perfil verdadeiro ou falso.
VGN - Existe alguma dica que o senhor pode dar para que o eleitor consiga identificar uma fake news, uma desinformação e existe uma forma dele notificar a Justiça Eleitoral em relação a isso?
Eustáquio - Olha, a dica que nós da Justiça Eleitoral damos aos eleitores é não repassar informações, seja informações escritas, fotos, vídeos, sobretudo, sem averiguar a informação. No caso das deepfakes, existem algumas dicas dos especialistas, né? Como prestar atenção na boca daquilo que supostamente está falando, existe ali um delay entre o verdadeiro e aquele que está sendo manipulado. O olho também acaba tendo uma diferença, quando as imagens estão muito desfocadas. Existem algumas técnicas. Mas, mesmo assim, hoje em dia nós já temos inteligência artificial que está cada vez mais deixando a deepfake perfeita, né? Então, a dica ainda continua sendo desconfie de tudo, averigue a informação primeiro para depois repassar ou, se estiver diante de uma deepfake, denunciar a justiça eleitoral. Nós temos vários canais e você pode também denunciar no Ministério Público Eleitoral, na OAB e na Justiça Eleitoral diretamente.
VGN - Qual o risco para o candidato que se utilizar desses artifícios para ter algum benefício eleitoral?
Eustáquio - Boa pergunta e bem pertinente, porque agora vai os avisos para os candidatos e os partidos políticos. Como a Justiça Eleitoral proibiu, de forma expressa, o uso de deepfakes, seja para favorecer a si próprio ou prejudicar o candidato adversário, aquele que insistir em violar essa disposição, essa regra, ele está sujeito, além da retirada imediata do conteúdo, ele está sujeito até mesmo a perda do registro de candidatura ou, se ele já tivesse sido eleito, ao próprio mandato. Então, a dica é não se arrisquem porque o preço pode ser muito alto.
VGN - Agora quero falar um pouco da sua trajetória, o senhor pode falar das principais lições que teve desde a sua adolescência como ambulante até a chegada aqui no TRE como juiz eleitoral? Qual lição o senhor aprendeu nesse processo? Quais dicas pode dar aos jovens que também sonham em ser juízes?
Eustáquio - Obrigado por perguntar e eu poder compartilhar um pouquinho da minha história. Bom, eu tive uma infância difícil, mas desde os 9 anos eu aprendi que a gente precisa batalhar muito. Então, aos 9 anos eu vendi picolé junto com o meu irmão, engraxei sapatos na rodoviária e dos 11 aos 15 eu vendi água mineral ali como ambulante na rodoviária. Algumas pessoas conhecem a minha trajetória. Desde cedo eu aprendi que nós precisamos lutar sempre. Nunca deixei de estudar, de correr atrás dos meus sonhos. Eu sabia que aquilo era temporário e que Deus tinha algo muito bom para mim. Então, a dica que eu dou para as pessoas que me ouvem hoje é não desistam dos seus sonhos, continue lutando, persista e não ligue para as adversidades do momento. Não se importe com as adversidades do momento. Não importa o momento que você está passando, se você persistir, continuar, um dia você vai conseguir também.
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