Nos últimos dias, o sistema prisional de Mato Grosso ganhou as manchetes por conta de fugas de detentos das unidades prisionais. Outro fato que marcou o sistema, foi a decisão do juiz da 1ª da Vara Especializada em Ações Coletivas, Bruno D’Oliveira Marques, que determinou que o Estado nomeie 492 candidatos aprovados no Concurso Público para suprir o déficit de servidores nas unidades prisionais do Estado. A ação foi ajuizada pelo Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário de Mato Grosso (Sindspen/MT).
Além disso, no final do mês passado, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, lançou em Mato Grosso o Mutirão Processual Penal com foco na revisão de processos de pais presos com filhos menores. Para falar sobre esses assuntos e as medidas que vem sendo adotadas no sistema prisional do Estado, o entrevistou o juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto, da Vara de Execuções Penais de Cuiabá.
1 - VGN - Como o senhor avalia a atual situação dos presídios em Mato Grosso, considerando a decisão do juiz Bruno de determinar que o governo nomeie 492 policiais penais? Quais são os desafios enfrentados em relação à estrutura e segurança dessas unidades?
Geraldo Fidelis - Em 2019, quando o desembargador Orlando Perri assumiu coordenação do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo de Mato Grosso (GMF/MT), e eu (Geraldo Fidelis) como coordenador, visitamos 36 penitenciários do Estado e naquela oportunidade o déficit penitenciário já era muito grande. Logo depois veio a pandemia em que lamentavelmente faleceram 19 policiais penais. Tem policiais penais afastados em razão da tensão e do estresse que é o trabalho, isso gera uma necessidade ao preenchimento das vagas. No meu ponto de vista foi muito importante, corajosa e verdadeira essa atenção feita pelo Dr Bruno em relação a chamar 492 policiais para suprir as vagas tão necessárias para serem atendidas para melhorar, primeiro, a segurança da unidade que engloba policiais penais e recuperando, e principalmente para fazer o trânsito do recuperando para trabalho, estudo, área de saúde.
2 - VGN - Diante das recentes fugas nos presídios do Estado, qual é a sua análise sobre os principais fatores que contribuíram para essas ocorrências? Quais medidas estão sendo tomadas para evitar que tais eventos se repitam no futuro?
Geraldo Fidelis - Questão de fuga deve ser analisada pela polícia. Tem que se verificar onde foi fragilizada a segurança, buscar, compreender, investigar e punir aqueles que assim procedeu. De fato, não se deve fragilizar a segurança da unidade penitenciária e da sociedade em situação como esta, e as medidas já foram tomadas com o encaminhando destas fugas para Polícia Civil para realizar a investigação.
3 - VGN - Sabemos que facções criminosas exercem forte influência dentro dos presídios - e muitas vezes organizam ações criminosas dentro das unidades. Como o Poder Judiciário tem lidado com esse problema? Quais estratégias estão sendo adotadas para combater o controle de facções dentro dos presídios?
Geraldo Fidelis - As respostas com certeza vêm sendo dadas pelas operações deflagradas pela Polícia Civil, pedidos feitos do Ministério Público, decretação de prisões proferidas pelos magistrados da área, e isolamento de algumas pessoas, inclusive. Tudo isso é um trabalho feito de maneira sistematizada e organizada pelas Forças de Segurança, e culmina pela manifestação ministerial e decisão pelo juízo da causa específica. Em Mato Grosso existe uma unidade de maior segurança, que até afasta a necessidade de ser encaminhadas pessoas para fora do Estado. A própria Penitenciária Central do Estado tem capacidade de fazer a separação, organização e realmente deixar pessoas mais perigosas, isoladas para possibilitar o combate ao crime organizado.
4 - VGN - Diante da demanda por mais policiais penais, como o senhor enxerga a efetividade das ações e investimentos para melhorar as condições dos presídios e a segurança dos agentes e detentos?
Geraldo Fidelis - Não basta ter investimento na estrutura física das unidades, é necessário também fazer o acompanhamento da questão humana. É importante termos a quantidade necessária de policiais penais para fazer essa atenção, que sejam capacitados para dar essa atenção humana, garantindo a dignidade e respeito às pessoas que lá estão, porque o objetivo principal da execução penal é recuperá-las. Mato Grosso está bem desenvolvido na parte física, mas ainda é necessária fazer a classificação do recuperando, para melhor prepará-los para a vida em sociedade e, para tanto, impõe-se desenvolver essa questão social, com trabalho remunerado e educação profissionalizante, ainda no período intramuros.
Mato Grosso está bem desenvolvido na parte física, mas ainda é necessário fazer a separação do recuperando e desenvolver essa questão social.
5 - VGN - Em relação ao problema da superlotação, quais iniciativas estão sendo tomadas para reduzir o número de presos por cela e melhorar as condições de detenção?
Geraldo Fidelis - Em Mato Grosso não se fala mais em superlotação. Fala-se em necessidade de classificação de recuperando. Como foi feito isso? Em 2019, na primeira viagem pelas unidades prisionais pelo desembargador Orlando Perri, foi feito um relatório, que, passado para o Ministério Público, virou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), através do promotor Mauro Zaque, assinado com o Governo do Estado. Na época, possuía 6.660 vagas com população de 11.415 presos. Hoje em dia colocamos esse plano em prática para termos 11.700 mil vagas para 11.800 presos. Um déficit que flutua entre 100 ou menos. O déficit é praticamente inexistente e tende a ser eliminado totalmente, não havendo que se falar em superlotação em Mato Grosso. Isso foi possível por meio da reforma por completo, com a demolição das antigas estruturas da Penitenciária Central do Estado e também da reestruturação de outras unidades prisionais em Mato Grosso. Agora, sem dúvida é necessário andar nesse caminho com melhoria na parte de saúde e mais policiais penais.
6 - VGN- O senhor entende que o novo Mutirão Processual Penal, lançado no último dia 24 de julho em Mato Grosso, pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, será uma “boa alternativa”?
Geraldo Fidelis - Para superlotação, não seria. Seria um pente-fino para apurar eventuais irregularidades. Hoje está bem justo o sistema penitenciário, mas sempre é bom passar uma lupa para verificar eventual situação equivocada, por isso tanto a GMF/MT e a atual Corregedoria de Justiça estão desempenhando esse trabalho junto com os Juízes Criminais de todo Estado para verificar eventuais inconsistências. Mas, volto a afirmar, que Mato Grosso vive uma situação diferenciada no Judiciário em relação aos demais Estados. Mato Grosso só conseguiu alcançar esse ponto porque teve uma atuação em conjunto do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Tribunal de Contas e OAB, enfim, foi uma plêiade de atividades harmonizadas e organizadas voltadas a um único objetivo: identificar os problemas e atacar todas as situações apontadas. Esse esforço, que continua a enfrentar outras frentes ainda existentes, faz a diferença em Mato Grosso. É importante sermos mais organizados do que o crime organizado. Nós temos que sempre estar um passo à frente, através da comunicação, entendimento, organização e sistematização de ações. Isso Mato Grosso está dando o melhor recado possível ao Brasil.
7 - VGN - Há alguma cooperação ou coordenação entre o Poder Judiciário, o Governo e outras instituições para enfrentar os desafios relacionados aos presídios? Quais são os esforços conjuntos para garantir a eficácia das medidas adotadas?
Geraldo Fidelis - Nos últimos anos, o sistema Penitenciário de Mato Grosso, se comparado com outras unidades do Brasil, vem despontando positivamente! Mas ainda tem muito chão pela frente. Temos que avançar na questão da saúde e colocar em prática todo esse desenvolvimento da questão do trabalho intramuros e extramuros, do público do semiaberto e do aberto, além da sistemática luta pela humanização do sistema. O objetivo é buscar que as pessoas, uma vez que ganhem a progressão, não voltem para o crime, e isso se dá apenas em um trabalho formal para elas e através de uma atenção social. Enfim, não se faz sistema penitenciário com cadeias, pois é necessária a atenção social no período de transição do fechado para o semiaberto e durante este, e é por isso que estamos montando nos municípios escritórios sociais para dar acolhimento social a essas pessoas que progridem de regime, afastando-as do mundo crime e não mais reincida na prática do mal, tendo portas abertas para o trabalho formal. Queremos fiscalizar as pessoas através do seu trabalho e que coloquem os pingos nos is da sua vida. Esse trabalho é feito com a participação de inúmeros autores e os municípios têm um papel importante no desenvolvimento do projeto.
8 - VGN - Quais são as perspectivas futuras para a gestão das unidades prisionais em Mato Grosso? Existe alguma estratégia de longo prazo para resolver os problemas recorrentes enfrentados pelo sistema prisional no Estado?
Geraldo Fidelis - A estratégia para o futuro é afastar a possibilidade das portas fechadas, do preconceito voltado contra pessoas que um dia erraram, mas pretendem, com apoio social e da própria sociedade, ter uma vida honesta. É fazer valer a presença da sociedade e mostrar sua importância na recuperação das pessoas. Buscar através de organismos, como os escritórios sociais, junto aos municípios, e ao empresariado, condições de fazer o “abraçamento” das pessoas para que elas, quando ganhem a liberdade não sejam acolhidas pelo crime organizado. Que a sociedade sim, com auxílio da Fundação Nova Chance, busque prover essas pessoas com trabalho, dando acolhimento às suas famílias. Isso com certeza, é a maneira inteligente de pacificar a sociedade, combatendo o crime com oportunidades de vida. Nós temos que ser mais organizados e buscarmos esclarecer esse problema que é de ordem eminentemente social.
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