Recentemente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para ocupar vaga no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o advogado de Mato Grosso Ulisses Rabaneda, em entrevista ao destacou a defesa das prerrogativas da advocacia e reafirmou o compromisso com a independência do Judiciário.
Rabaneda afirmou que apoia medidas como inspeções regulares, fortalecimento de mecanismos de denúncia e punição exemplar para condutas ilícitas no Judiciário, contudo, sempre respeitando o devido processo legal.
Segundo ele, o CNJ pode ampliar o uso de ferramentas tecnológicas para identificar movimentações processuais suspeitas e fortalecer os mecanismos de controle interno, evitando escândalos como a suspeita de venda de sentença no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) – que é alvo de investigação da Polícia Federal e que resultou no afastamento de dois desembargadores.
O futuro conselheiro do CNJ ainda falou do tráfico de influência no Judiciário, das aposentadorias compulsórias, índices de produtividade e do excesso de judicialização.
Importante destacar que Rabaneda foi indicado para o cargo de conselheiro pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tendo recebido 26 votos favoráveis e apenas um contrário na CCJ do Senado em sessão realizada em 11 de dezembro de 2024. A sua posse no Conselho está prevista para fevereiro.
Confira a entrevista na íntegra:
VGN - Como começou e quais são os principais pontos de sua trajetória no sistema OAB?
Ulisses Rabaneda - Assim que comecei a advogar, percebi que a OAB de Mato Grosso não contava com uma comissão de Direito Penal e Processo Penal para tratar das demandas dessa área da advocacia. Sugeri ao então presidente Francisco Faiad a criação dessa comissão, e ele não apenas aceitou, mas também me convidou para presidi-la. Isso aconteceu em 2005 e, desde então, nunca mais parei de servir à advocacia. Fui membro de várias comissões, diretor da escola, secretário-adjunto, secretário-geral, conselheiro federal por duas vezes, procurador-geral nacional, representante institucional no CNMP, entre outros cargos.
Minha trajetória sempre foi marcada pela defesa das prerrogativas da advocacia e pelo compromisso com o fortalecimento da profissão. Essas experiências moldaram minha visão sobre a importância da entidade e do advogado para o sistema judicial.
VGN - Quais medidas podem ser implementadas para diminuir a morosidade no Judiciário?
Ulisses Rabaneda - A morosidade é um problema estrutural e histórico. Justiça tardia é injustiça qualificada, dizia Rui Barbosa. Muito já se fez para corrigir esse problema, mas há medidas que ainda podem ser adotadas para enfrentá-lo. O fortalecimento de métodos alternativos de resolução de conflitos, como mediação, conciliação pré-processual e arbitragem, é um caminho importante. O uso de inteligência artificial generativa, aliado à modernização tecnológica, também pode agilizar os processos. Além disso, o aprimoramento da gestão processual e a formação contínua de servidores e magistrados são medidas indispensáveis para aumentar a eficiência sem comprometer a qualidade das decisões.
VGN - Em Mato Grosso, há locais muito distantes em que a Justiça não chega. É a favor da implantação de Varas Virtuais como forma de promover mais acessibilidade ao cidadão?
Ulisses Rabaneda - Sim, tudo que possa diminuir distâncias e aproximar a Justiça do cidadão merece ser considerado. Medidas como o processo eletrônico, o balcão virtual e as audiências por videoconferência já contribuíram muito nesse sentido. Varas Virtuais são uma solução viável para ampliar o alcance da Justiça em regiões remotas. Contudo, esses avanços só terão impacto real se houver internet acessível e de qualidade em todas as áreas do estado. Sem conectividade adequada, essas iniciativas perdem sua efetividade.
VGN - Que contribuição o senhor espera dar com sua atuação no CNJ como representante da advocacia?
Ulisses Rabaneda - Pretendo ser uma ponte entre a advocacia e o Judiciário, promovendo ações que tornem o sistema judicial mais eficiente, acessível e transparente. Meu foco será defender o respeito às prerrogativas da advocacia, o amplo acesso à Justiça e a independência dos magistrados, sempre procurando trabalhar de forma técnica, em diálogo com todos os atores envolvidos.
VGN - Quais são as maiores demandas da advocacia de Mato Grosso em relação ao Judiciário?
Ulisses Rabaneda - As principais demandas da advocacia incluem maior celeridade nos processos, respeito às prerrogativas da advocacia e acesso pleno aos magistrados. Além disso, há uma preocupação com os altos valores das custas judiciais, que dificultam o acesso à Justiça, especialmente para a população mais vulnerável. A interiorização da Justiça, garantindo serviços judiciais de qualidade em todas as regiões, também deve ser uma prioridade.
VGN - O CNJ tem sido um órgão fundamental no combate à corrupção no Judiciário. Como pretende contribuir para a fiscalização e investigação de irregularidades, como a venda de sentenças?
Ulisses Rabaneda - O combate à corrupção no Judiciário exige rigor e transparência. No CNJ, pretendo apoiar medidas como inspeções regulares, fortalecimento de mecanismos de denúncia e punição exemplar para condutas ilícitas, sempre respeitando o devido processo legal. Além disso, acredito que campanhas educativas podem reforçar a ética e a integridade no sistema judicial, prevenindo desvios e fomentando denúncias sérias. Por outro lado, também entendo que denúncias e acusações infundadas e midiáticas contra magistrados, apenas com o objetivo de influir em decisões judiciais, merecem do Conselho providências enérgicas contra quem se utiliza desse expediente.
VGN - As operações contra a venda de sentenças têm sido tema de grande preocupação. Quais mecanismos o CNJ pode implementar ou fortalecer para coibir essa prática?
Ulisses Rabaneda - O CNJ pode ampliar o uso de ferramentas tecnológicas para identificar movimentações processuais suspeitas e fortalecer os mecanismos de controle interno. A capacitação contínua de magistrados e servidores também é fundamental para criar uma cultura de integridade. Além disso, punir os poucos que praticam desvios contribui para coibir novas infrações e reforça a confiança na magistratura, que, em sua grande maioria, é ética e comprometida.
VGN - Casos de aposentadoria compulsória ainda geram questionamentos. Qual é sua visão sobre essa prática e há espaço para mudanças?
Ulisses Rabaneda - A aposentadoria compulsória é uma sanção prevista na Constituição, mas é compreensível que a sociedade a veja como branda. Mudanças são possíveis, mas dependem do Congresso Nacional. É uma discussão que deve ocorrer com responsabilidade, equilibrando a garantia de independência judicial, que tem na vitaliciedade uma de suas sustentações, com a necessidade de punições proporcionais para eventuais desvios.
VGN - O senhor acredita que há um desafio cultural em Mato Grosso e em outros estados para combater práticas como o tráfico de influência no Judiciário?
Ulisses Rabaneda - Não creio que seja cultural. Não se deve generalizar! Práticas como o tráfico de influência, que no Judiciário recebe o nome de exploração de prestígio, devem ser combatidas com rigor. O CNJ pode contribuir incentivando denúncias seguras e promovendo ações educativas para reforçar a ética no sistema.
VGN - Qual será seu posicionamento no CNJ sobre a relação entre magistrados e políticos?
Ulisses Rabaneda - A relação deve ser pautada pelo respeito às funções institucionais e pela transparência. Ao magistrado é vedada a prática de política partidária, mas o relacionamento pessoal ou institucional com políticos não é vedado e deve ocorrer sem comprometer a independência judicial, com sobriedade. Caso a proximidade da relação retire do magistrado a necessária isenção e imparcialidade para analisar determinado caso concreto, a legislação processual dispõe de mecanismos para correção, através da autodeclaração de suspeição ou impedimento.
VGN - O senhor enxerga alguma resistência dentro do Judiciário estadual em relação às fiscalizações e decisões do CNJ? Como pretende lidar com essas situações?
Ulisses Rabaneda - Resistências são naturais em qualquer sistema sujeito à supervisão. Pretendo lidar com essas situações por meio do diálogo e do respeito à autonomia dos tribunais, mostrando que as ações do CNJ têm o propósito de fortalecer o Judiciário, nunca de enfraquecê-lo.
VGN - Como o CNJ pode atuar para fortalecer a sustentação oral em todas as esferas judiciais e administrativas?
Ulisses Rabaneda - A sustentação oral é essencial para garantir o contraditório e a ampla defesa. O CNJ, como todo e qualquer órgão ou pessoa, se submete à Constituição e às leis do país. Deve, por isso, adotar políticas que assegurem essa prerrogativa legal e orientar os tribunais a respeitá-la plenamente. Trabalharei incansavelmente para proteger esse direito e conscientizar sobre sua importância.
VGN - A OAB tem enfatizado a importância de um protocolo de respeito às prerrogativas em todos os tribunais. O CNJ pretende desenvolver ou incentivar políticas voltadas a essa questão?
Ulisses Rabaneda - O CNJ tem condições de criar políticas nacionais para fortalecer o respeito às prerrogativas. E aqui me refiro às prerrogativas da advocacia e também da magistratura. Ambas merecem respeito e se completam, não o contrário. A adoção de protocolos unificados em todos os tribunais pode ser uma medida eficaz e importante para garantir maior segurança aos atores do sistema de Justiça.
VGN - Qual sua avaliação sobre índices de produtividade dos juízes? A magistratura é uma atividade parametrizável?
Ulisses Rabaneda - Os índices de produtividade são importantes, mas devem ser analisados com cautela. A magistratura envolve questões qualitativas que nem sempre podem ser parametrizadas. Por exemplo, uma sentença em um tribunal do júri não pode ter o mesmo peso, em termos de produtividade, que uma sentença em um juizado especial.
VGN - Há mais de 100 milhões de processos no Brasil. Podemos falar em excesso de judicialização?
Ulisses Rabaneda - Sim, o número de processos reflete um excesso de judicialização, que se agrava com a resistência presente na sociedade em resolver seus conflitos fora dos Tribunais. Processar alguém perante o Judiciário é caro, moroso e desgastante. Solucionar através de métodos alternativos é mais barato, rápido e não prolonga por anos aquele estado de angústia. O fortalecimento de métodos alternativos, como mediação, conciliação e arbitragem, garantida sempre a participação da advocacia, para dar segurança jurídica e orientação adequada às partes envolvidas, é essencial para reduzir essa sobrecarga.
VGN - O CNJ foi criado para servir como controle externo ao Judiciário. Esse propósito tem sido bem atendido?
Ulisses Rabaneda - O CNJ não é um controle externo puro, já que a maioria de seus integrantes são magistrados. Contudo, tem cumprido sua missão ao promover transparência, fiscalização e eficiência no Judiciário. Ainda assim, é preciso avançar em áreas como o acesso à Justiça e a modernização do sistema. Críticas existem e elas são importantes. Muitas delas procedentes, o que obriga o Conselho a sempre estar em aprimoramento. Mas, se formos colocar em uma balança, concluiremos que a criação do CNJ foi um grande acerto.
Acesse também: VGNJUR VGNAGRO Fatos de Brasília