A juíza da 9ª Vara Cível de Cuiabá, Sinii Savana Bosse Saboia Ribeiro, concedeu liminar à Igreja Assembleia de Deus de Cuiabá, e nomeou Enézio Barreto Rondon como administrador provisório, pelo prazo e tempo estritamente necessário para a regularização da representação fundacional diante de cartório registral.
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O Estatuto da Igreja Assembleia de Deus é omisso quanto à sucessão no caso de vacância do presidente e do vice-presidente da entidade religiosa, fatalidade que ocorreu em virtude da pandemia da Covid-19, que vitimou o pastor Sebastião Rodrigues de Souza e Rubens Siro de Souza, os quais ocupavam respectivamente os cargos de presidente e vice-presidente da Igreja Assembleia de Deus de Cuiabá e Região, e detinham diversidades de competências/funções para gerir o pleno funcionamento da entidade religiosa.
A entidade religiosa justifica que, a falta de uma pessoa na liderança da entidade religiosa, poderá impossibilitar a continuidade das atividades da pessoa jurídica, haja vista que a falta de administrador poderá ocasionar no bloqueio das contas bancárias da Igreja, na suspensão do cadastro junto à Receita Federal, bem como que todas as demais responsabilidades não poderão ser cumpridas, o que produzirá danos irreparáveis a organização religiosa.
Diante dos argumentos da Igreja, a juíza concedeu a liminar, nomeando o administrador provisório. “Dessa forma, analisadas as questões trazidas à baila até então, e capazes de influir no julgamento, preenchidos os requisitos legais, DEFIRO a ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, e nomeio o Sr. ENÉZIO BARRETO RONDON como administrador provisório da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Cuiabá e Região, pelo prazo e tempo estritamente necessário para a regularização da representação fundacional diante de cartório registral”, diz trecho da decisão.
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 9ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ
DECISÃO
Processo: 1031186-20.2020.8.11.0041.
AUTOR(A): GUTEMBERG BRITO JUNIOR
REU: IGREJA EVANGELICA ASSEMBLEIA DE DEUS, ENESIO BARRETO RONDON
Vistos etc.
Trata-se de Ação de Nomeação de Administrador Provisório de Pessoa Jurídica c/c Pedido Urgente de Antecipação de Tutela proposta por GUTEMBERG BRITO JUNIOR em face da IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS (IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS DE CUIABÁ E REGIÃO), devidamente qualificados nos autos, alegando que exerce a função de “Primeiro Tesoureiro” junto à igreja, e que junto ao Presidente tem a função de gerir as atividades financeiras daquela, segue informando que, no Estatuto da igreja há a previsão de tão somente a existência dos cargos de Presidente e Vice – Presidente.
Acrescenta que, em consequência da pandemia da COVID-19, o Presidente e Vice-Presidente da igreja vieram a óbito, ficando a entidade sem representante legal, sem comando, diante da membresia, das instituições financeiras e, em última análise, até mesmo diante do Poder Público, sem a possibilidade de gerir seus negócios bem como de cumprir seus fins, pelo que requer, em sede de antecipação de tutela, seja nomeado o Sr. ENÉZIO BARRETO RONDON como administrador provisório, pelo prazo e tempo necessário para a regularização da representação fundacional diante de cartório registral ou, no mínimo por 180 dias.
Ao decisório de ID. 34810231 foi determinada a intimação da parte autora para proceder com a emenda da inicial, a fim de se comprovar o aceite/anuência do indicado ao cargo de administrador provisório, vez que ausente tal documentação nos autos.
Comparece o terceiro interessado, o Sr. Enézio ao movimento de ID. 34814235, informando que em caso de eventual deferimento da medida, aceita o encargo para qual foi indicado, momento em que junta aos autos instrumento procuratório.
Sobre o instituto da tutela antecipada, o art. 300 do CPC prescreve os requisitos para obtenção da tutela antecipada, vejamos:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sobre o tema, Fredie Didier Jr., Paula S. Braga e Rafael A. de Oliveira, leciona em Curso de Direito Processual Civil - Vol. 2, in verbis:
“A tutela provisória de urgência pode ser cautelar ou satisfativa (antecipada). Em ambos os caso, a sua concessão pressupõe, genericamente, a demonstração da probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como “fumus boni iuris”) e, junto a isso, a demonstração do perigo de dano ou de ilícito, ou ainda do comprometimento da utilidade do resultado final que a demora do processo representa (tradicionalmente conhecido como “periculum in mora”) (art.300, CPC)”.
Nesse contexto, para deferimento da antecipação de tutela é necessária à existência da probabilidade do direito e a demonstração de fundado receio de dano ou risco ao resultado do processo.
Assim, em análise sumária, os requisitos legais no presente caso se encontram configurados.
Isso porque, é dos autos que em virtude da Pandemia Mundial que assola toda a sociedade (COVID-19), vieram a óbito os senhores Sebastião Rodrigues de Souza e Rubens Siro de Souza, os quais ocupavam respectivamente os cargos de Presidente e Vice-Presidente da Igreja Assembleia de Deus de Cuiabá e Região, e detinham diversidades de competências/funções para gerir o pleno funcionamento da entidade religiosa.
Nesse sentido, conforme detida análise ao Estatuto da Igreja, verifica-se uma linha sucessória limitada, ao constar que compete ao Vice – Presidente “Substituir o Presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, em sua falta e impedimento, e sucedendo-o no cargo em casa de vacância”.
O estatuto não prevê a falta de ambos.
Tal regimento é omisso na indicação de sucessores em caso de falecimento de ambos os membros a frente da mesa diretora da entidade, o que reflete de fato na impossibilidade da gestão da pessoa jurídica, isto porque não há destinação no estatuto das atribuições destes membros a outro órgão ou membro da instituição.
Assim, no presente caso resta evidenciada, ao menos em sede de cognição primária, a probabilidade do direito vindicado, no intuito de ver suprimido o vazio temporário da gestão.
Ademais, o Sr. Enézio está sendo indicado por membro ativo da igreja, que ocupa a função de “Primeiro Tesoureiro”, e faz parte da mesa diretora.
Extrai-se ainda das provas até então acostada aos autos, que o indicado manifestou o aceite a indicação.
No mais, é dos autos que o indicado detém cargo junto a CONVENÇÃO DOS MINISTROS DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO ESTADO DE MATO GROSSO E DAS IGREJAS FILIADAS (COMADEMAT), (ID. 34796563), o que demonstra ao menos inicialmente, a sua capacidade de gerir a entidade momentaneamente.
Da aferição dos fundamentos esposados à inicial, verifica-se que resta demonstrado que a igreja como entidade que conta com personalidade jurídica não pode ficar sem uma liderança/gestão ativa.
Por sua vez, o perigo de dano torna-se visível, vez que diante da eventual situação que estamos vivenciando, em decorrência da mencionada pandemia, a atual conjuntura do país exige que sejam tomadas várias medidas, de forma até mesmo urgente, para que os negócios sociais não sofram de maneira irreparável.
A falta de uma pessoa na liderança da entidade religiosa, decorrente de lastimável episódio, poderá impossibilitar a continuidade das atividades da pessoa jurídica, haja vista que a falta de administrador poderá ocasionar no bloqueio das contas bancárias da Igreja, na suspensão do cadastro junto à Receita Federal, bem como que todas as demais responsabilidades não poderão serem cumpridas, o que produzirá danos irreparáveis a organização religiosa.
Por outro lado, verifica-se que não há perigo de irreversibilidade da medida, vez que se trata de medida provisória, até que com a realização/convocação de assembleia e adoção de medida interna corpus da instituição sejam nomeados novos dirigente a encabeçar a gestão da igreja.
Por fim, importante se consignar que o objetivo da presente demanda, e consequentemente da ordem emanada, não é a nomeação de um novo Presidente.
A atuação do Poder Judiciário, sob a ótica do caso em concreto, se dá apenas/exclusivamente para suprir lacuna estatutária em decorrência da linha sucessória dos membros da mesa diretora da instituição, como o fito de agasalhar a falta de liderança momentânea, o que tem devida previsão legal em nosso ordenamento jurídico, conforme é redigido no artigo 49 do Código Civil, vejamos:
“Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório.”
Assim, a nomeação de administrador provisório deve observar procedimento, e ante a falta de previsão expressa na lei, impõe-se a aplicação das regras relativas à jurisdição voluntária, em especial o art. 719 e seguintes do CPC.
Neste sentido:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR PROVISÓRIO - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - SENTENÇA CASSADA - TUTELA ANTECIPADA. A falta de representação legal da pessoa jurídica autoriza a qualquer interessado que procure a tutela jurisdicional para que seja nomeado judicialmente administrador provisório (CC, art. 49 e CPC, arts. 1.103 e ss). Havendo verossimilhança das alegações da parte e receio de dano irreparável, é cabível a antecipação dos efeitos da tutela pretendida (CPC, art. 273).”(TJ-MG - AC: 10079150309346001 MG, Relator: Anacleto Rodrigues, Data de Julgamento: 11/03/2016, Data de Publicação: 15/04/2016)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA E LIQUIDAÇÃO DE HAVERES DE SÓCIO - PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA - NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR PROVISÓRIO - DEFERIMENTO -PROBABILIDADE DO DIREITO - Para a concessão da tutela de urgência, mister se faz que estejam demonstrados os pressupostos elencados no art. 300, do novo CPC, quais sejam: probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, sendo certo que é vedada sua concessão quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. - Presente a probabilidade do direito, o deferimento da tutela de urgência é medida que se impõe.”(TJ-MG - AI: 10073160004427002 MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 03/08/2017, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/08/2017)
Analisadas as alegações apresentadas, aliadas aos documentos atrelados à inicial, conclui-se que estão presentes os requisitos necessários ao deferimento da antecipação da tutela.
Sabe-se também, consoante ao rito da jurisdição voluntária, que o juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna.
Dessa forma, analisadas as questões trazidas à baila até então, e capazes de influir no julgamento, preenchidos os requisitos legais, DEFIRO a ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, e nomeio o Sr. ENÉZIO BARRETO RONDON como administrador provisório da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Cuiabá e Região, pelo prazo e tempo estritamente necessário para a regularização da representação fundacional diante de cartório registral.
Intime o administrador, bem como o autor da ação cerca da presente decisão.
Diante do fechamento do Palácio da Justiça em decorrência da gravidade da pandemia, tendo o administrador nomeado já esboçado prévio aceite, determino que a presente decisão tenha força de Termo de Compromisso de Administrador, com o comprometimento de bem e fielmente desempenhar o cargo de Administrador Judicial e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes nos autos da ação em epígrafe, sob as penas da lei.
Não se faz necessária a citação de todos os associados, no caso presente, mas ao menos dos membros que compõe a mesa diretora, para dar cumprimento ao disposto no art. 721 do CPC, para que se manifestem, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias.
Intime-se o autor para indicação/qualificação da a mesa diretora, após expeça-se o competente mandado, inclusive em plantão judiciário.
Citada a mesa diretora, essa poderá adotar as medidas para que se escolham novos membros, e se regularize a entidade.
Conceda-se vista ao douto representante do Ministério Público, nos termos do artigo 178 do CPC.
Cumpra-se.
SINII SAVANA BOSSE SABOIA RIBEIRO
Juíza de Direito em Substituição Legal
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