O Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) enfrenta uma crise institucional que colocou antigos aliados em lados opostos. Deosdete Cruz Júnior, atual procurador-geral de Justiça, e José Antônio Borges, ex-procurador, divergem quanto ao tratamento das multas ambientais pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), um dos temas mais delicados atualmente no órgão.
Tendo José Antônio Borges como uma espécie de porta-voz, 18 promotores, no dia 10 de abril, encaminharam um pedido ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), solicitando o fim dos perdões e a interrupção nos arquivamentos de procedimentos contra danos ambientais realizados pelos mutirões da Sema com a participação do MPMT.
Em sessão do Conselho Superior do MPMT realizada no dia 7 de maio, Borges fez duras críticas a Deosdete Cruz e pediu "humildade" ao procurador em ouvir as reclamações dos colegas.
"Mais de 20 colegas me ligaram com a preocupação da situação, tudo aqui é política, é política sim, a política de quem vai ser procurador-geral para lhe suceder vai acontecer em dezembro", afirmou Borges. "Se o senhor está aqui para aprender como sempre diz humildemente, eu sugiro que o senhor suspenda a recomendação até nos debruçarmos sobre isso", completou o procurador.
Se o senhor está aqui para aprender como sempre diz humildemente, eu sugiro que o senhor suspenda a recomendação até nos debruçarmos sobre isso", completou o procurador
Tese defendida por procurador-geral agrada governo
A recomendação de que trata Borges é Recomendação Conjunta PGJ-COGER N. 03/2024, na qual o procurador-geral, Deosdete Cruz, determinou que todos os promotores de Justiça devem seguir o entedimento do promotor Marcelo Caetano Vacchiano na análise de multas ambientais da Sema nos chamados "Mutirão da conciliação ambiental".
Segundo Borges, a recomendação de Deosdete foi baseada nota entitulada "Análise jurisprudencial sobre indenização por dano extrapatrimonial", de autoria de Vacchiano. A recomendação sugere que os demais promotores devem seguir o entendimento do colega em arquivar inquéritos civis e criminais decorrentes de multas da Sema.
O entendimento de Vacchiano é apreciado pelo governo estadual, que vê as multas elevadas como uma abordagem frágil para combater o desmatamento e outros crimes ambientais. Segundo o governo, os acordos com infratores nas esferas administrativa, civil e criminal facilitam o aumento da arrecadação e a resolução de multas pendentes há anos.
"Direito natural de desmatar"
Para o grupo liderado por José Antônio Borges, os perdões das multas sem exigências de recuperação das áreas degradadas e o arquivamento dos inquéritos são equivalentes a conceder um "direito natural de desmatar" a criminosos ambientais, um direito que não existe na legislação brasileira.
"Percebe-se, portanto, que o Ministério Público de Mato Grosso deve promover a litigância climática – não a renúncia ou abdicação climática. A adoção desta política favorece uma parcela mínima da população (grandes proprietários de terra), em detrimento do restante da população, sobretudo dos mais vulneráveis, atingidos desproporcionalmente pela crise climática, agravando as injustiças desta natureza.", diz trecho do pedido feito contra a recomendação de Deosdete.
Mutirão gera crise entre colegas
O mutirão realizado pela Sema permitiu, segundo os promotores, o desembargo "a toque de caixa" de imóveis onde ocorreram desmatamentos. Ao todo, segundo a denúncia, 3 mil procedimentos serão realizados por Marcelo Vacchiano, que concentra as ações dos mutirões.
Além disso, os procedimentos não são apenas de infrações antigas, mas a procedimentos recém lavrados que, segundo a petição dos promotores, sequer foram encaminhadas aos Promotores Naturais pelo Centro de Apoio Operacional (CAOP).
A petição ao CNMP também aponta que os procedimentos das mutirões não são avaliados nem mesmo pelos promotores naturais das comarcas onde ocorreram as multas, concentrando-se todos nas mãos de Vacchiano. Em alguns casos, mesmo com solicitação desses promotores, acordos de conciliação são firmados sem qualquer investigação.
Outro lado - Por meio de nota, o MPMT afirmou que os acordos estabelecidos nos mutirões de conciliação ambiental estipulam várias obrigações que incluem, entre outras determinações, a determinação de indenizar pelos danos ambientais e restaurar as áreas desmatadas.
Os acordos realizados pelo Ministério Público de Mato Grosso durante os Mutirões da Conciliação Ambiental em casos de desmatamento estipulam várias obrigações. Estas incluem a necessidade de indenizar pelos danos ambientais, restaurar a área desmatada em locais protegidos, pagar as multas aplicadas pela SEMA, regularizar o Cadastro Ambiental Rural e efetuar o pagamento para reposição florestal.
Além disso, caso ocorra o não cumprimento das obrigações pelo infrator, será estabelecido um valor fixo para perdas e danos, correspondente ao valor da multa ou ao montante apurado como dano ambiental pelo setor competente do MPMT. Há também um processo de monitoramento para garantir o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Apenas nos casos em que a SEMA verifica que o desmatamento ocorreu em área não protegida e o órgão ambiental aprova a continuação da atividade agropecuária, o pagamento de indenização é dispensado, porém as demais obrigações de regularização e reposição florestal são mantidas. Ou seja, em se tratando de dano em área de reserva legal, área de preservação permanente e em unidades de conservação será sempre devida a indenização.
O direito à proteção ambiental deve ser conciliado com o direito de propriedade e exigir indenização por desmatamento ocorrido em área passível de ser desmatada ofende este direito fundamental.
Cabe ao Ministério Público a intransigente defesa da lei ambiental, mas não dispõe de legitimidade para exigir proteção além do que dispõe a legislação, sob pena de usurpar a função do legislador.
Importante destacar que os Promotores de Justiça possuem independência funcional e podem adotar entendimentos diversos para a proteção ambiental, cabendo ao final ao Poder Judiciário decidir em caráter definitivo. Assim, caso o promotor da comarca onde ocorreu o dano ambiental considere necessárias obrigações adicionais, estas podem ser incluídas no TAC ou as tratativas podem ser conduzidas diretamente nas comarcas.
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