Cinco desembargadores, dos 13 que compõem o Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJMT), votaram nesta quinta-feira (23.02), em sessão extraordinária, pela intervenção do Governo do Estado na Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá. Porém, o julgamento foi adiado em decorrência do pedido de vista em conjunto dos desembargadores Rubens de Oliveira e Juvenal Pereira da Silva. A próxima sessão será realizada no dia 09 de março.
O relator do pedido, Orlando Perri, disse em seu voto que desde o princípio entendeu que a intervenção não era apenas pelo descumprimento judiciais da área da Saúde. Segundo ele, o caos na Saúde já estava instalado sendo verificado em atos de fiscalização por entidades, e citou “má gestão” como responsável pela não contratação de servidores por meio de concurso e de não aquisição de medicamentos.
O magistrado afastou pedido de nulidade do aditamento apresentado pelo MPE, assim como anulação dos atos administrativos da equipe de intervenção do Governo do Estado. Sobre o mérito, Perri apontou que a Prefeitura excluiu do concurso cargos da área de clinico geral e de cirurgia, e que estranhamente firmou contrato com a empresa Family Medicina e Saúde Ltda para prestação de serviços médicos – contrato no valor de R$ 5 milhões.
O desembargador citou que o deputado estadual, Wilson Santos (PSD), época em que foi prefeito da Capital em 2009, cumpriu parte da decisão judicial sobre a contratação de servidores. Sobre a decisão da Justiça Federal em relação repasse de recursos para hospitais filantrópicos, em que foi homologado acordo, Perri disse que não existem provas sobre o descumprimento da decisão até porque no acordo estava previsto sequestro de recursos – sendo afastado a alegação.
“O que resta certo é que o município descumpriu decisões judiciais para realização de concurso público, principalmente das áreas de clínico geral e cirurgia. Porém, não afasta o remédio mais amargo. [...] Na sua faceta promocional, o mínimo existencial obriga o Estado a oferecer médicos que aliviam dores e evitam amputações”, disse o desembargador em seu voto.
O magistrado questionou a capacidade da Family Medicina e Saúde Ltda em executar o serviço médico na rede municipal em decorrência do atraso de salários dos profissionais, e que por meio do DataSus verificou-se que a União repassou em 2021 mais R$ 421 milhões à Prefeitura de Cuiabá, sendo gasto pouco mais de R$ 120 milhões, e que por isso, conforme Perri, o município deveria ter recurso em caixa para investir na Saúde.
O relator correlacionou vários ofícios em que fala sobre o pedido de medicamentos, mas não encontrados na rede, e em contraponto, verificou-se o desperdício de mais de R$ 9,8 milhões de medicamentos vencidos. “O município não explicou os medicamentos vencidos, apenas informaram que não descartaram os remédios por recomendação do Tribunal de Contas. A recomendação não afasta o desperdício. Os medicamentos poderiam ter sido usados na rede”, declarou.
Ele relatou depoimentos de médicos que denunciaram um cenário como o pior momento da saúde do município, inclusive com mortes registradas, em decorrência de falta medicamentos, entre eles básicos como dipirona. “Os medicamentos que deixaram se perder poderiam ter salvado vidas, como consta em depoimento de médicos”, enfatizou.
“Quando é a má gestão na pasta ocasiona na falta de medicamentos, médicos, a intervenção é medida mais eficaz. Trata-se de problema crônico que se arrasta há anos, e que piora a cada dia. [...] Não estou aqui dizendo que Cuiabá não se preocupa com Saúde de Cuiabá, pelo fato de muitos avanços. Mas, nada vale ter muitos hospitais, grandes hospitais, se não tem leitos, médicos e medicamentos. Isso demonstra que a intervenção é a medida a ser adotada”.
Conforme o desembargador, a intervenção deve ocorrer apenas na Secretaria Municipal de Saúde, dando ao interventor amplos poderes para gerir a máquina pública nesta pasta. Com isso, ficou determinado a priorização no orçamento para atender as ordens judicias descumpridas e para disponibilizar exames e medicamentos atrasados.
Ele afirmou que qualquer embaraço na atividade do interventor será considerado como crime de desobediência e, conforme o caso, de responsabilidade, além de possível improbidade administrativa, e que tempo de intervenção será de 90 dias, assim como o interventor não poderá requisitar servidores de outras Secretarias sem antes pedido passar pelo Tribunal de Contas – órgão deve acompanhar de perto todos os atos administrativos pela equipe de intervenção.
Ainda segundo o relator, a intervenção afasta o atual secretário da Saúde do município, medida essa que evita divergências que possam dificultar ou prejudicar o cumprimento da decisão judicial. O interventor deve apresentar, em um prazo de 15 dias, um plano de intervenção, contendo todas as medidas a serem adotadas para reverter a situação na saúde da capital. A equipe também deve apresentar relatórios quinzenais sobre as providências em andamento, ao finalizar o voto e pedir ao colegiado do Órgão Especial referendar a liminar pela intervenção na Saúde.
Os desembargadores Rui Ramos, Maria Erotildes Kneip, Carlos Alberto Alves da Rocha, Paulo da Cunha acompanharam o voto do relator. Os dois últimos magistrados destacaram que podem revisar seu voto após apresentação dos votos vistas. Os demais irão aguardar voto vistas.
Ainda faltam votar os seguintes magistrados: João Ferreira Filho; Antônia Siqueira Goncalves; Guiomar Teodoro Borges; Márcio Vidal, Serly Marcondes Alves, Clarice Claudino da Silva, e os dois que pediram vistas Rubens de Oliveira e Juvenal Pereira da Silva.
Manifestação do MPE e da Prefeitura
O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz Júnior, em defesa oral, citou fiscalização do Conselho Regional de Farmácia (CRF) que encontrou, durante fiscalização, mais de 5 milhões de medicamentos e insumos vencidos no Centro de Distribuição de Medicamentos e Insumos de Cuiabá, localizado na Avenida Fernando Corrêa da Costa, no bairro São Francisco.
Ele citou relatório de intervenção do Governo do Estado em que apura diversas irregularidades, entre elas a não cobertura de pagamento na ordem R$ 42 milhões, e que teria sido usado na Operação Hypnos, deflagrada pela Polícia Civil que resultou na prisão do ex-secretário de Saúde de Cuiabá, Célio Rodrigues.
Deosdete apontou que a Prefeitura possui débito de energia elétrica e de conta de água relacionado a Secretaria Municipal de Saúde, assim como recolheu FGTS e INSS, pelo menos, novembro de 2019, possuindo dívida de pelo menos R$ 46 milhões de encargos trabalhistas e tributos à União. Além disso, verificou-se dívida com fornecedores no valor de R$ 84,6 milhões relacionado à Empresa Cuiabana de Saúde Pública.
Ao final, ele defendeu a manutenção da liminar do relator, desembargador Orlando Perri, pela intervenção na Saúde, sobretudo em decorrência de inúmeras decisões judiciais por parte do Poder Executivo Municipal.
O procurador-adjunto do município, Allison Akerley da Silva, em defesa oral, apontou a inexistência voluntária de duas decisões judiciais [realização de concurso na Saúde e ação que se questiona contratações temporárias no ano de 2019]. “O município de Cuiabá inexiste qualquer descumprimento de decisão voluntária para decretar intervenção de Saúde”, alegou. Conforme ele, o município já realizou concurso público para contratar médicos e que a falta de medicamentos é um “problema nacional”.
Allison Akerley contestou o suposto rombo na Saúde apresentado pela equipe de intervenção. Ele afirmou que os valores apresentados pelo Gabinete de Intervenção do Estado “não refletem a real situação econômico/financeira/orçamentária da Secretaria Municipal de Saúde”. O procurador apontou que o passivo financeiro da Secretaria Municipal de Saúde corresponde ao montante de R$ 95,3 milhões, valor muito inferior ao projetado no relatório da equipe interventora de R$ 230 milhões.
“Então vossas excelências, Cuiabá vem sendo responsável e zeloso com a Saúde. [...] É inegável que houve uma evolução da Saúde, e que Cuiabá não está inerte. Existem problemas sim, mas a intervenção não seria medida mais eficaz, até porque outras medidas podem ser adotadas nesta área”, enfatizou o procurador.
Ao final, citou que o Governo do Estado está há mais de 20 anos sem realizar concurso na Saúde, e que o município está à disposição para abrir diálogo com Governo, MPE e Judiciário, em prol de encontrar soluções para resolver os problemas do setor.
Leia Também - Justiça nega fraude em assinaturas e mantém oposição na disputa pela Presidência da Unimed
Entre no grupo do VGNotícias no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).