Nos últimos dias, fotos e vídeos registraram a fuga de garimpeiros da Terra Indígena (TI) Yanomami, após o anúncio de que as forças de segurança seriam mobilizadas para retirar os invasores. Ao mesmo tempo em que a desintrusão do território é essencial para resolver a crise humanitária que atinge a região, o destino dessas pessoas gera preocupações.
Um dos temores é que isso piore o quadro de invasão em outras áreas protegidas.
"Com essa saída desenfreada, esses garimpeiros podem ser deslocados para outras terras indígenas, tanto aqui em Roraima, como a Raposa Serra do Sol, como para outros estados onde tem bastante garimpo, como o Pará, na [Terra Indígena] Mundurucu e na Kayapó", aponta Lucia Alberta Andrade, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
A advogada do ISA (Instituto Socioambiental) Juliana de Paula Batista afirma que, para evitar que algo assim aconteça, é necessário que o governo estadual tenha um plano de ação para lidar com essas pessoas, mas que é inequívoco que elas precisam sair da TI.
"Essa tragédia que nós estamos vendo mostra porque os povos precisam ter usufruto exclusivo da terra e que aquele território é realmente necessário para garantir a segurança física e cultural deles", diz.
Outra possibilidade é a de que esses invasores acabem entrando em contato com povos isolados. Andrade explica que a equipe da Funai em campo tem monitorado essa movimentação porque mesmo dentro do território yanomami existem etnias que não têm contato com outras pessoas.
"Existem três regiões dentro da TI em que há confirmação de povos isolados, que nunca tiveram contato nem com os yanomamis", diz ela, acrescentando que também já foram encontradas evidências de outros cinco povos isolados na região.
O principal foco de preocupação, neste caso, é que a aproximação dos garimpeiros possa levar patógenos para essas populações, que não têm imunidade contra muitas doenças. Também existe o temor de que esse contato gere enfrentamentos entre os indígenas e os invasores.
"Por causa disso, qualquer contato com pessoas pode desencadear um genocídio", afirma Andrade.
O governo federal vem adotando uma política de não enfrentamento com os garimpeiros. Na segunda-feira (6), o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que essa postura evitaria que o uso da força "sem planejamento" piorasse a situação conflituosa entre os criminosos e os indígenas.
"Nós estamos na expectativa de que, quando do início das operações policiais coercitivas, 80% desse contingente de 15 mil pessoas tenham saído do território yanomami", disse Dino.
Ele destacou, ainda, que o principal alvo das investigações são os financiadores, os donos dos garimpos ilegais e aqueles que fazem lavagem de dinheiro. "Claro que temos os executores de crimes ambientais --estas pessoas estão sendo identificadas por imagens e serão alvo do inquérito policial", afirmou.
Nesta quarta (8), o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, afirmou também que existe a preocupação de "não prejudicar inocentes" durante as ações.
Entre os crimes ambientais que, em tese, poderiam ser imputados aos invasores estão os de extração ilegal de minerais, impedir ou dificultar a regeneração natural da mata e causar poluição prejudicial à saúde humana ou à fauna. A lei que rege esse tipo de delito, porém, não tem penas altas: em geral, elas variam de seis meses a quatro anos de detenção e multa.
No caso dos financiadores, também poderiam se aplicar outras leis, como a de organização criminosa, que prevê reclusão de três a oito anos, além de multa.
"As pessoas que estão saindo da TI Yanomami são a ponta do iceberg, a última instância de um esquema de garimpo enorme, milionário, que é coordenado e financiado por empresários muito ricos", lembra Iami Gerbase, jornalista e ativista da organização de defesa dos direitos indígenas Survival International.
"O maquinário é muito caro, os aviões são muito caros, os helicópteros são muito caros. Por isso os garimpeiros estão pedindo ajuda para sair de lá, porque não têm condições de arcar com isso", aponta ela.
Segundo Dino, invasores pediram o apoio do governo federal para deixar a terra indígena. Eles alegam dificuldade para sair da região desde que a Aeronáutica passou a realizar o controle do espaço aéreo e proibiu que aeronaves utilizadas na atividade criminosa sobrevoassem o território. As medidas também fizeram com que o preço dos voos disparasse.
A advogada do ISA destaca que essa situação torna explícita a dimensão dessas operações de garimpo ilegal. "Se essas pessoas não têm condições financeiras de sair de lá, elas também não tinham como entrar."
Ela explica que essa situação envolve desde o garimpeiro profissional até o trabalhador que tem seus direitos explorados. "Isso tudo precisa ser investigado pelas forças de segurança para aferir a responsabilidade de cada um. Mas essas pessoas muitas vezes também estão submetidas a ciclos de exploração, de trabalho escravo, recebendo salário de fome."
Batista aponta que para chegar até os donos do dinheiro vai ser preciso colher depoimentos e falar com essas pessoas que estão fugindo, já que são elas que sabem como essa organização criminosa funciona.
Para ela, o foco das operações nos financiadores é uma solução de médio e longo prazo para acabar com o garimpo. "A partir do momento que você consegue desbaratar esse sistema criminoso com quem financia, não tem mais dinheiro para ficar levando essas pessoas para as terras indígenas", resume.
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