O esquema de empréstimos fraudulentos que movimentou mais de R$ 500 milhões em Mato Grosso por meio de bancos “clandestinos” atingiu os três poderes do Estado, segundo revelam as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF). Factorings, empresas e até instituições financeiras teriam sido usadas para beneficiar políticos mato-grossenses, magistrados, membros do Ministério Público, conselheiros de contas, secretários, prefeitos, servidores públicos, além de empresários.
É o que revela o inquérito que tramita na 5ª Vara da Justiça Federal, em Cuiabá, que apura crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, resultando na Operação Ararath V, em que ao menos 59 pessoas são investigadas. Como o MPF descreve, “uma relação de amizade e poder”, em apenas seis anos, os tentáculos do esquema atingiram o Executivo estadual, a Assembleia Legislativa (AL), o Tribunal de Justiça (TJMT), o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Ministério Público Estadual (MPE) e a prefeitura da capital.
Milhões foram repassados por pelos três bancos e empresas que serviam como factorings, conforme a denúncia do MPF, para políticos em troca de benefícios e até para aplicação em campanha eleitoral. Esse seria o caso do governador Silval Barbosa (PMDB), que enquanto no cargo de vice, na gestão do ex-governador e atual senador Blairo Maggi (PR), teria feito empréstimo pessoal no valor de R$ 4 milhões e quitado supostamente com dinheiro público.
O empréstimo teria sido contraído junto à empresa Globo Fomento Mercantil, que atuava como 'banco clandestino' e tinha como proprietário Gércio Marcelino Mendonça Júnior, conhecido como Júnior Mendonça. Porém, após o empréstimo feito por intermédio do ex-secretário de Fazenda e da Casa Civil, Éder Moraes, preso na operação, não ter sido pago, o empresário procurou Éder no gabinete dele, na Secretaria de Fazenda (Sefaz).
A resposta obtida foi de que a dívida seria paga por meio de uma empresa de advocacia. "A partir desse empréstimo destinado a Silval Barbosa, pago com recursos públicos, teve início ao que se denominou 'conta-corrente', por meio da qual Gércio Mendonça, via suas empresas Globo Fomento Ltda e Comercial Amazônia de Petróleo Ltda, operando conjuntamente com Éder de Moraes instituição financeira clandestina, realizaram inúmeros outros empréstimos em favor do grupo político [Blairo Maggi e Silval Barbosa], assim como transferências bancárias para fins de ocultar a origem ilícita dos recursos", diz trecho do inquérito. Mendonça Júnior revelou o esquema em troca da deleção premiada.
No esquema e por intermédio de Éder, se encontra o ex-secretário-adjunto da Sefaz, Vivaldo Lopes, exonerado do cargo nessa quarta-feira (28.05) após virar réu na ação sobre o suposto crime de lavagem de dinheiro. Eles trabalharam juntos nas secretarias de Fazenda e da Casa Civil. Com a saída de Éder Moraes para assumir a Casa Civil de Mato Grosso, Vivaldo também acompanhou assumindo o cargo de secretário-adjunto da Casa Civil. Desse modo, por pelo menos seis anos os dois ocuparam cargos de chefia juntos, ultrapassando a esfera do serviço público, de acordo com o MPF.
Éder é o único dos três investigados que estava preso devido a duas prisões preventivas e está no Complexo da Papuda, em Brasília. Ele teve uma das prisões revogada na noite desta quinta-feira pelo STF. O ex-presidente da Assembleia Legislativa, deputado José Riva (PSD), que responde a 107 processos, conseguiu liminar de soltura e é investigado por ter contraído pelo menos R$ 10 milhões emprestados de Gércio, entre 2006 e 2010, com o objetivo de beneficiar políticos e empresários. Uma planilha apreendida pela Polícia Federal na residência de Éder Moraes sugere que o esquema investigado teve o envolvimento ainda de outros dois deputados estaduais, um suplente, um ex-deputado e um prefeito, além de apontar para a suposta ligação do senador Blairo Maggi (PR) e do ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Alencar Soares, com os indícios de crimes financeiros.
Pela lista, a movimentação já seria de outros R$ 10 milhões remetidos aos parlamentares em troca de benefícios. Além de Alencar Soares, o suposto “agrado” na forma de empréstimo com ampla flexibilidade de quitação, conforme aponta o inquérito que tramita na Justiça Federal, teria sido feito também pelo conselheiro afastado Humberto Bosaipo, em 2010. O dinheiro era fornecido por meio da empresa Amazônia de Petróleo Ltda (Amazônia Petróleo), de propriedade de Júnior Mendonça. O empréstimo teria ocorrido a pedido de Éder Moraes.
Os indícios resultaram na busca e apreensão na residência de Humberto Bosaipo, no último dia 20, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), onde também tramita a ação devido ao suposto envolvimento do senador Blairo Maggi (PR) e de outros políticos. O desembargador afastado Evandro Stábile, ex-presidente do Tribunal Eleitoral, é citado pelo recebimento de R$ 500 mil para conceder sentença em favor de um prefeito da região Norte do estado a pedido do governador, que recorreu ao juiz-membro da Corte, Eduardo Jacob – já falecido – para fazer a negociação direta com o magistrado, por possuir ligação pessoal.
O gabinete e residência do prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes (PSB), também foram alvos de busca e apreensão da PF. Segundo as investigações, o empresário Mendonça teria emprestado a Mauro mais de R$ 3 milhões a juros de 1,5%, durante a campanha eleitoral. Na ocasião, o empresário recebeu em troca uma nota promissória no valor de R$ 3,8 milhões. Em junho do ano passado, quando Mauro Mendes já era prefeito, a prefeitura firmou contrato emergencial sem licitação de R$ 3,7 milhões com a empresa Amazônia Petróleo, transação em que a Polícia Federal vê indícios de crime financeiro. O prefeito já se manifestou sobre isso por meio de nota, dizendo que os agentes federais buscaram em seu gabinete documentos referentes a um contrato para fornecimento de combustíveis à administração municipal firmado em agosto do ano passado com a mesma empresa.
Movimentação - O superintendente regional do BIC Banco em Mato Grosso, Luis Carlos Cuzziol, preso na operação e liberado após três dias, teria concedido empréstimos na ordem de R$12 milhões para a empresa Amazônia Petróleo, a qual atuava como "banco clandestino". Parte dos empréstimos ocorria por meio das contas da empresa Comercial Amazônia de Petróleo Ltda (Amazônia Petróleo), de Júnior Mendonça, no BIC Banco (Banco Industrial e Comercial S/A). Esse banco, do qual Moraes chegou a ser superintendente no estado, e outras duas instituições bancárias 'sustentavam' o esquema.
Nas seis contas da Amazônia Petróleo no BIC Banco foram movimentados cerca de R$ 65 milhões, entre créditos e débitos. Júnior Mendonça disse à polícia que os empréstimos ocorriam a pedido de Éder Moraes. O empresário alega que foi ainda a mando do ex-secretário que ele transferiu R$ 45,5 mil para a conta da empresa de Laura Dias, mulher de Éder Moraes, em 24 de junho de 2009.
Outro lado - Por meio de nota, o senador Blairo Maggi enfatizou que, em seu mandato, jamais solicitou que qualquer servidor agisse de modo a ferir os princípios da administração pública. “Espero a apuração rigorosa de todos os fatos, com a punição cabível aos que, de fato, estão envolvidos nos crimes contra o patrimônio público”, declarou o ex-governador. Deputado José Riva contesta a denúncia e alega que a sua prisão teve como motivação supostos interesses políticos.
A defesa do governador também negou o envolvimento do chefe do Executivo e preferiu não comentar o assunto. A assessoria de imprensa do BIC Banco informou que não vai se pronunciar sobre o caso e que todas as informações solicitadas pela Justiça já foram enviadas. A reportagem não conseguiu falar com as defesas de Humberto Bosaipo e Alencar Soares. O desembargador Evandro Stábile negou participação no esquema e enfatizou que a denúncia que pesa contra ele é “uma grande bobagem”.
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