Um dia depois do Supremo Tribunal Federal (STF) negar o habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, deputados defendem que o tema da prisão em segunda instância também seja discutido na Câmara. Segundo os parlamentares, o resultado apertado de ontem (4) - de 6 a 5 votos - pela negação do recurso que pretendia evitar a prisão de Lula deixa uma “insegurança jurídica”.
Na semana passada, foi apresentada na Câmara uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende retirar do texto constitucional o artigo que garante a presunção de inocência até a confirmação da sentença penal. Pela proposta, de autoria do deputado Alex Manente (PPS-SP), a prisão não deve ser impedida mesmo se a sentença não for definitiva e ainda houver possibilidade de recurso.
Para o líder do PSB na Câmara, Júlio Delgado (MG), o resultado do julgamento expressa que o STF continua dividido e deixa a questão de segunda instância “absolutamente instável”. Ele defendeu que o tema também seja discutido pelo Legislativo. “Se isso for uma questão de PEC, ainda não podemos votar durante a intervenção do Rio de Janeiro, mas eu acho que a Casa [Câmara] tem que se manifestar com relação a isso. E eu acho que as ponderações estão sendo levantadas constantemente no Supremo e podem corroborar para que a gente tenha uma decisão de pacificar isso, mas se for o caso da prisão na segunda instância ou respeitar o direito de defesa e a presunção de inocência, a gente tem que regulamentar para que isso possa valer para todo cidadão”, destacou o líder.
Delgado afirmou que não se surpreendeu com o resultado do julgamento, mas destacou que os votos dos ministros Luís Roberto Barroso e Celso de Mello, apesar de divergentes, podem, segundo o deputado, nortear as discussões sobre o tema. Barroso votou contra a concessão do habeas corpus preventivo para evitar a prisão de Lula e Mello foi favorável ao recurso do ex-presidente.
“Com relação ao caso específico do ex-presidente se manteve uma posição anterior e que agora leva para o plano de aguardar as decisões de recurso no TRF da 4ª região, em Porto Alegre. Eu acho que o resultado foi previsível, mas dois votos, de um lado e de outro, foram extremamente primorosos para a gente fazer a argumentação da questão da prisão em segunda instância sem querer personalizar a questão específica do ex-presidente Lula”, argumentou Delgado.
A polêmica em torno da manutenção da presunção da inocência ainda deve ser analisada pelo próprio Supremo, que deixou pendente na pauta duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que tratam da questão. O líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ), acredita que até o julgamento das chamadas ADCs, há uma instabilidade que pode levar à mudança do entendimento a respeito do tema a qualquer momento.
“O correto, a bem da boa prática jurídica, seria apreciar primeiramente as ações declaratórias de constitucionalidade. Isso é uma questão aberta que divide juízes, procuradores, cidadãos, mas a gente tem que discutir o preceito constitucional do Artigo 5º, que diz que sentença condenatória, inclusive privativa de liberdade, só depois do trânsito em julgado. Então, a medida em que se nega habeas corpus (…) você cria uma insegurança jurídica total, porque essa decisão de determinar a possibilidade da prisão do ex-presidente Lula ela pode ser contraditada daqui a pouco, quando o Supremo apreciar o mérito da ação declaratória de inconstitucionalidade", disse.
Alencar é contra o teor da PEC apresentada na Câmara, mas destaca que o assunto deve ser enfrentado de forma a evitar o crescimento de uma onda de violência e intolerância entre pessoas que tem posições divergentes sobre o tema.
“O Supremo mostrou essa divisão, foi uma decisão por um voto que, aliás, pode mudar quando se examinar praticamente a mesma matéria nas ADCs. Pode ser 6 a 5 e isso beneficiar o ex-presidente Lula. Então, é uma questão polêmica muito dividida e a gente tem que ter equilíbrio e serenidade para avaliar e não ficar nessa guerra de uns contra os outros”, completou.
Para o vice-líder do MDB na Câmara, deputado Mauro Pereira (RS), o resultado do julgamento mostra que “o Brasil está sendo passado a limpo”. “Todas as instituições têm que cumprir sua obrigação, a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República, o Supremo, o Judiciário como um todo. Eu não tenho dúvida nenhuma de que a Justiça tem que ser para todos, não é só para ladrão de galinha e, em especial, a Justiça tem que ser rápida para quem rouba dinheiro público”, declarou.
Senado - Em tom mais evasivo, o presidente do Senado disse que decisões do Supremo não devem ser comentadas e lembrou que o Brasil é um país democrático com três Poderes independentes. Questionado sobre se o Congresso deveria se debruçar sobre uma legislação mais clara a respeito da prisão após condenação em segunda instância, Eunício disse que tudo aquilo que deixa mais claro e dá mais tranquilidade e segurança jurídica à sociedade pode ser feito pelo Congresso.
Já o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que se reuniu com o presidente do Senado hoje, afirmou que apesar de alguns terem ficado frustrados com a decisão, a lei é para todos. “ É preciso lembrar que a lei alcança a todos, a qualquer um. É da regra do jogo e do jogo democrático que lei é para ser cumprida. E quem decide isso, em última instância nos casos penais, entre outros casos é a Justiça, que tem que ser respeitada, será respeitada e o país segue. O país segue no processo de amadurecimento das suas instituições e também de amadurecimento democrático e esse é interesse de todos”, avaliou.
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