Nem todos os compradores da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo) tiveram a mesma sorte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, apesar de ter desistido de comprar um tríplex no Guarujá, o viu terminado.
A construtora, ligada ao sindicato dos bancários e dirigida nos anos 2000 por João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, quebrou em 2006. E muita gente que dependia da Bancoop para realizar o sonho da casa própria ficou na mão.
José Luiz Nascimento, 58, bancário, é uma das vítimas da quebra da cooperativa. No início da década passada, ele comprou na planta, por cerca de R$ 90 mil, um apartamento de três quartos no Residencial Casa Verde.
Ali, na Rua Reims, 120, Casa Verde, zona norte da capital paulista, a Bancoop prometia erguer três torres. O apartamento de José Luís ficaria na última delas.
Em 2005, quando a segunda foi entregue, o bancário pôde usar seu FGTS para quitar seu apartamento (o fundo de garantia só poderia ser usado depois que 70% do empreendimento estivesse pronto).
— Usei Não só o meu FGTS, mas também o da minha esposa.
Mas a terceira torre nunca foi entregue.
— Era um imóvel para a gente morar. Não era investimento. Tanto que na época eu fui conhecer a vizinhança, procurei escola para os meus filhos na região, fui conhecer os supermercados que havia por lá.
Sem ter o imóvel, José Luis até hoje mora no mesmo lote da sogra, em Cangaíba.
— Foi uma frustração que não tem preço. Eu tenho quatro filhos. E a frustração que houve foi para todos. Eu fui obrigado a construir na casa da minha sogra, na laje acima da casa dela. Não tive outra oportunidade.
Ele hoje tem ação na Justiça para por dano moral, pela escritura não entregue e pelo dinheiro que poderia ter ganhado caso alugasse o imóvel.
Na casa da tia
Situação parecida vive a bancária Marlene dos Reis Souza, 50 anos. Ela comprou na planta um imóvel na Vila Inglesa, zona leste da Capital, no início dos anos 2000. O apartamento de três quartos, deveria ser entregue em 2006. Era ali que Marlene pretendia morar.
— Eu sou de Minas. Vim para São Paulo para morar e estudar. E eu morava na casa dos outros, morava na cada da minha tia. Comprei para sair da casa dos outros.
Também ali, na rua Rubem de Souza, a Bancoop ergueu duas das três torres do empreendimento, mas terceira – justamente onde seria o apartamento de Marlene – nunca foi terminada.
— Quando foi para construir a terceira torre, exigiram que a gente pagasse aporte. Pediram R$ 13 mil a mais depois de a gente ter quitado tudo.
O pedido de aporte, feito em meados da década passada, estava previsto no contrato. Acontece que os R$ 13 mil representavam mais de um terço do valor inicial, que era de R$ 30 mil.
Além disso, não bastava para Marlene pagar o aporte. Seria necessário que todos os cooperados – inclusive os que já estavam morando nos apartamentos – pagassem. Sem a perspectiva de ver seu imóvel entregue, Marlene hoje move processo contra a construtora.
— Em 2014 me ligou uma advogada da Bancoop, me oferecendo R$ 60 mil. Eu falei: ‘Não quero’. Na época eu comprei um apartamento. Eles não entregaram o apartamento. Quero, então, um dinheiro que dê para eu comprar um apartamento. Eles não estavam pagando nem o corrigido: o juiz havia calculado que o dinheiro que eu paguei, corrigido, dava R$ 68 mil.
Até agora, Marlene não recebeu de volta o dinheiro investido no apartamento que jamais ficou pronto.
em o dinheiro de volta
Mas nem só os bancários sofreram com a quebra da construtora. Apesar de ligada ao sindicato da categoria, a Bancoop aceitava cooperados que trabalhassem em outro setor.
Funcionária pública do judiciário, Sandra Aparecida de Souza Scarabelli, 52 anos, trabalhada próximo à sede da construtora quando, no final dos anos 1990, comprou, por R$ 90 mil, uma casa na planta na Villas da Penha — um condomínio horizontal com entrada pela rua São Florêncio, em Cangaíba, na zona leste de São Paulo. Até hoje, a casa dela não foi construída.
— Eu morava em outro apartamento que já estava pequeno, pois era dois dormitórios e eu tenho três filhos. Eu tinha um dinheiro que eu havia ganhado e queria comprar uma casa maior.
Até 2006, Sandra diz ter pagado cerca de R$ 76 mil. O valor inicial era cerca de R$ 90 mil, mas na época já havia subido para cerca de R$ 120 mil.
— Foi quando chamaram a reunião. Pediam aporte de R$ 89 mil para dar continuidade na obra. Praticamente dobrava o valor inicial da casa. Eu ainda estava pagando, mas parei de pagar e pedi o dinheiro de volta. Eu perderia um pouco do dinheiro, mas pelo contrato deveria receber a maior parte em 36 vezes.
Sandra ainda não recebeu o dinheiro.
— Entrei com processo. Houve uma audiência de conciliação em 2008 mais ou menos e eles não ofereceram nada. Até hoje, a ação segue.
Convivendo com o esqueleto
Mesmo quem teve o apartamento entregue, sofreu prejuízos com a quebra da Bancoop. Rosa Maria da Silva, 52, comprou uma unidade no empreendimento Liberty, na rua Conselheiro Furtado, Liberdade, região central da capital.
Em 2005, quitou e recebeu seu apartamento. Mas a segunda torre do empreendimento está até hoje incompleta. O esqueleto no mesmo terreno desvaloriza o apartamento, que Rosa Maria aluga por um preço menor que o de mercado.
— Só resolvi alugar recentemente. Eu fiquei uns seis meses tentando alugar. O primeiro morador ficou menos de um ano. Agora tem uma outra pessoa morando lá desde o meio do ano passado.
Hoje, Rosa Maria recebe mensalmente R$ 1.600 do morador, o que representa, segundo ela, um prejuízo de ao menos R$ 500 por mês.
— Daria para alugar por uns R$ 2.000, R$ 2.100 por mês. Porque teria piscina, sauna quiosque. A estrutura do prédio que eles venderam para a gente era uma coisa bem bonita. Se você olhar o prédio e olhar o que eles prometeram para a gente você vai ver que é uma coisa bem diferente.
Rosa Maria afirma que também não consegue vender o prédio.
— Eu quero vender e não posso vender. O apartamento valeria R$ 550 mil e não oferecem mais que R$ 300 mil por ele. Já me ofereceram R$ 200 mil. E eu preciso vender, preciso andar com a minha vida.
Ela diz que entrou com processo e que nunca recebeu a escritura.
— Dizem que só me passam a escritura se eu retirar o processo. Não vou retirar. Mas isso tanto é coisa mal feita que nunca me mandaram carta ou e-mail. Só falam isso por telefone.
O fato de a Bancoop ter sido dirigida pelo ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tem colocado a quebra da cooperativa na mira da oposição ao governo Dilma Rousseff.
No início deste mês, senadores do PSDB começaram a debater a criação de um CPI da Bancoop para averiguar irregularidades na gestão de Vaccari e possível favorecimento a Lula, que teve o imóvel que poderia ter comprado ser concluído.
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