Mesmo sem o aval do corpo técnico da Secretaria de Fazenda, o Governo do Estado renegociou a dívida pública – calculada em R$ 1 bilhão – com bancos estrangeiros vinculando o cálculo dos juros ao dólar. Com a promessa de economia de R$ 820 milhões, a transação com o Bank of America já estaria contabilizando, na verdade, um prejuízo de R$ 140 milhões, de acordo com especialistas.
Isto porque se deve levar em conta o câmbio na data da contratação divulgada pelo Estado, quando o dólar estava fixado em R$ 2,04 – o que justificaria os cálculos de economia da dívida –, e isto, somado à valorização da moeda para R$ 2,30, acabou gerando uma diferença média de 12% do valor esperado para o atual. Ainda somando os R$ 18 milhões em comissões pagas na assinatura do contrato, a perda com a troca dos credores chegaria a esta soma milionária.
Outro fator bastante preocupante levado em conta é que o pagamento da dívida só terá início em 2015. Atualmente o governo do Estado somente pagou duas parcelas de juros semestrais e, caso a moeda americana continue no mesmo ritmo de valorização (câmbio de 27 de janeiro de 2014, dólar a R$ 2,42, fonte Thomson Reuters), o cenário pode ser muito preocupante. Principalmente por conta de que o financiamento total do resíduo da dívida termina em 2023.
Para o mestre em economia Paulo Cezar de Souza, as oscilações da moeda americana em maio e junho de 2013 já indicavam um cenário de incerteza e até riscos de pagamentos superiores aos já feitos ao governo federal. Após muitas idas e vindas, a Resolução nº 39 do Senado (Diário oficial da União em 01/08/2012) autorizou a operação.
“A motivação para o novo empacotamento da dívida do Estado veio depois de várias tentativas de renegociações com o governo central sem sucesso. Com a injeção de dinheiro proveniente da compra parcial, foi assegurada liquidez ao governo, porém a indexação ao dólar tornou o contrato volátil e muito arriscado”, ponderou.
Outro agravante para a economia estatal está na concentração na exportação de commodities, portanto, vulnerável ao mercado. Com a conexão feita na mesma lógica, uma cotação cambial mais alta favorece o exportador e perverte a situação cambial.
“Não há um quadro compensatório nesta relação, visto que os mercados não se comunicam, ou seja, o faturamento derivado da exportação não forma base robusta para o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação). Uma coisa é óbvia: se a engenharia mato-grossense fosse tão boa assim, então por que outros estados não aderiram à mesma lógica?”, questiona o economista.
Já levando em consideração a permanência contratual, o acordo gera uma dívida internacional hereditária. Desta forma, acrescenta o especialista, surgem os questionamentos de até que ponto o agente público pode assumir riscos desta magnitude, em que a variação cambial foge totalmente da governança, os motivos da mudança, uma vez que se você tem a dívida fixada em critérios internos como a inflação, o problema acaba sendo de todo o conjunto dos estados brasileiros, facilitando uma saída em conjunto.
Governo não ouviu alerta da Assembleia - O processo de reestruturação da dívida do Estado sempre foi rodeado de polêmicas e muitos questionamentos, especialmente na Assembleia Legislativa. De acordo com o deputado Zeca Viana, sempre foram questionadas por parte dos parlamentares as vantagens e desvantagens da operação.
“Eu fui diversas vezes no gabinete do governador, articulei várias reuniões para mostrar que a venda da dívida era muito arriscada. E também destaquei que as negociações eram precipitadas, já que o Governo Federal havia sinalizado para uma renegociação. Agora está aí, Mato Grosso devendo milhões para o estrangeiro e todos os outros estados conseguiram uma negociação interna”, enfatizou Viana.
O parlamentar ainda destacou a falta de comunicação e transparência da atual gestão. Segundo ele, nem mesmo através de ofício é possível ter acesso aos documentos ou contratos.
“Eles não entregam nada, nenhum documento, a não ser quando é maquiado mesmo, e desta forma não ficamos sabendo para onde vão os recursos do Estado. Cadê os R$ 2 milhões do Fethab (Fundo Estadual para Estradas e Habitação)?”, questiona.
Entenda como a operação - A operação para a reestruturação do resíduo da dívida foi efetuada após a provação da Assembleia Legislativa de Mato Grosso e o aval da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), pela qual a proposta inicial do governo de Mato Grosso era reestruturar R$ 5,1 bilhões. Contudo, houve fortíssima resistência da STN porque haveria precedente para que outros Estados pleiteassem a mesma operação. Por isso, optou-se pela reestruturação do resíduo da dívida.
Desta forma, o Bank of America passou a ser responsável pelo empréstimo de R$ 1 bilhão. O processo de reestruturação da dívida começou na gestão Blairo Maggi, ainda no primeiro mandato.
Apesar disso, a negociação foi firmada pelo então governador do Estado Silval Barbosa (PMDB), economista Vivaldo Lopes e o então secretário de Fazenda, Eder Moraes.
Governo já pagou R$ 59,4 milhões somente em juros - A variação cambial do dólar já começou a alterar os valores pagos pelo governo do Estado. A primeira parcela semestral efetuada em março de 2013 foi no valor de R$ 27 milhões, já a segunda quitada no fim do ano levou R$ 32,4 milhões. Uma diferença de R$ 5,4 milhões.
Mesmo com as alterações, Vivaldo Lopes garante que a operação ainda continua vantajosa para o Estado. “Antes a dívida era calculada pelo juro de 5% mais a indexação do IGPDI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), chegando ao total de 12%, e ainda levando em consideração o estiramento da divida e a capacidade de liquidez o Estado continua ganhando muito com a operação”, pondera.
Já sobre os riscos da variação do dólar para valores ainda mais altos, o secretário fez questão de ressaltar que não há como prever o mercado futuro. “Seria leviano dizer que o dólar vai subir ou reduzir muito. Para a operação, levamos em consideração o histórico cambial dos últimos 10 anos. Como ainda não começamos a pagar a dívida principal, é muito cedo para pensar no pior”, garante.
Outro ponto levantado é que o início do pagamento do contrato acontece somente em 2015, ou seja, no próximo governo. Para Vivaldo, essa prática é normal e acontece em todas as gestões.
“Não faz muito tempo que terminamos de pagar o financiamento feito pelo governador Dante de Oliveira para construção das pontes no Estado”, disse.