A Caixa Econômica Federal não tem mais recursos da poupança para emprestar ao crédito imobiliário. A aceleração do ritmo de desembolsos dos empréstimos concedidos pela instituição federal nos últimos anos, combinada à fuga dos investidores das cadernetas, levou a esse descompasso.
“A caderneta só tem mais um ano, no máximo, de fôlego para financiar o crédito imobiliário. Isso considerando o sistema como um todo. Na Caixa, esses recursos já se esgotaram”, disse anteontem ao Brasil Econômico Octavio de Lazari Júnior, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), em entrevista após evento promovido pelo Bradesco.
O Banco Central (BC) obriga os bancos a emprestar 65% do saldo da poupança a crédito imobiliário. Outros 30% são recolhidos sob a forma de depósitos compulsórios e 2% podem ser usados livremente (leia mais sobre as regras para financiamentos na página ao lado). Portanto, ter esgotado os 65% não significa que a Caixa não vai mais oferecer financiamentos imobiliários com dinheiro da poupança. De um lado, há os 2% livres e de outro, o dinheiro dos empréstimos liquidados retroalimentarão o sistema.
O problema pode ser mais sério na Caixa, mas não é só dela. Dados do BC mostram que o descompasso entre o ritmo de captação da poupança e a liberação de novos empréstimos imobiliários se acentuou nos primeiros meses deste ano. Até março, a poupança havia perdido mais de R$ 18 bilhões. O saldo, assim, passou a R$ 512 bilhões. O aumento em 12 meses foi de apenas 5,6%.
Os dados do crédito relativos a março ainda não foram divulgados pelo BC. Mas, considerando os dados até fevereiro, quando o saldo da poupança fechou em R$ 518 bilhões e o crédito imobiliário, em R$ 444,8 bilhões, percebe-se que a alta do primeiro, de 8%, foi bem inferior a do segundo, que ficou em 24,5% em 12 meses.
Em termos de fluxo, a diferença também é grande: enquanto as concessões de crédito imobiliário passaram de R$ 9,2 bilhões ao mês para R$ 12,6 bilhões (alta de 37%) em 12 meses, a captação líquida da poupança passou de R$ 735 milhões negativos para R$ 9,2 bilhões negativos. Ou seja, além de não crescer, a captação ficou ainda mais negativa.
Em janeiro, a Caixa havia aumentado os juros dos financiamentos com recursos da poupança para inibir a demanda e retardar o esgotamento do funding. A alta foi maior no segmento de imóveis mais caros, onde não há limites impostos pelo BC. Além disso, há os financiamentos com outros recursos, desde FGTS, para programas sociais, até fundings alternativos - esses, livres das regras do BC.
Procurada, a Caixa não concedeu entrevista mas, por meio de nota, respondeu que sua prioridade no segmento habitacional é o financiamento de habitação popular, custeado em sua maior parte pelo FGTS. No final do ano - último dado disponível - a Caixa tinha R$ 236,8 bilhões na poupança e R$ 339,8 bilhões e, crédito imobiliário; o crescimento, no primeiro caso, foi de 13% e no segundo, de 25,7% - quase o dobro. Em termos de participação no mercado, a Caixa lidera em ambos: tinha, em dezembro, 67,7% do saldo dos financiamentos a imóveis no país (que incluem programas sociais como o Minha Casa Minha Vida) e 35,7% do saldo da poupança. A captação líquida da poupança na Caixa foi de R$ 12,7 bilhões em 2014. E as novas concessões de crédito imobiliário foram de R$ 128 bilhões.Para completar o descompasso, a Caixa ampliou o ritmo de captações das LCI: o saldo aumentou 69% em 2014, totalizando R$ 87,3 bilhões.
A Caixa não divulgou números relativos aos primeiros três meses do ano, nem explicou quanto dos financiamentos concedidos foram com recursos do FGTS e quanto com recursos de poupança - mas disse que continua usando a poupança.
E acrescentou, também em nota: “No caso da habitação que utiliza recursos da poupança, a prioridade da Caixa tem sido o financiamento de imóveis novos, enquadráveis no Sistema Financeiro da Habitação (SFH) - ou seja, com valor de até R$ 750 mil (em Brasília, SP, MG e RJ) e de até R$ 650 mil nos demais Estados”, diz a instituição. Quanto aos outros instrumentos de funding, a Caixa considera que a Letra Imobiliária Garantida (LIG) venha, no futuro, a desempenhar um importante papel como funding complementar à poupança e FGTS, o que ainda depende de regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Embora as LCI e outras fontes alternativas de recursos (fora poupança e FGTS) sejam mais caras, a Caixa pelo menos tem a vantagem de usar sua rede de agências para captação e, também, de emitir grandes lotes para grandes investidores - o que pode tornar o instrumento mais barato do que para a maioria dos outros bancos, diz uma fonte que preferiu não se identificar.
“A Caixa esclarece que ainda não fechou o seu plano de negócios para 2015. A perspectiva é atingir o mesmo resultado do ano anterior, que fechou com R$ 128,83 bilhões em novas concessões de crédito imobiliário”.
A situação do mercado como um todo não é muito diferente da Caixa. A Abecip já conversou com representantes do governo e está finalizando um documento para entregar até o final deste mês com algumas sugestões, disse Lazari.
Além de mudanças nos limites do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), a entidade defende que a tributação sobre as LCI seja limitada aos prazos mais curtos. Até agora, as letras não pagam Imposto de Renda mas o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sinalizou que isso vai mudar.
Maior parte do mercado é regulado pelo Banco Central
O mercado de financiamentos imobiliários é cada vez mais sofisticado e com opções alternativas de funding. Mas a grande maioria das operações ainda é feita sob as regras do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que usa recursos da poupança para se financiar, e é regulado pelo Banco Central (BC). A resolução em vigor para o mercado é a 3932, de 2010.
O SBPE é uma das faces do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que inclui, também, empréstimos com recursos do FGTS e outros programas sociais - que são igualmente regulados pelo BC. A outra face é o sistema que utiliza fundings alternativos - como Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). Nesses últimos, não há direcionamento nem limites estipulados pelo BC - as taxas cobradas são livres. O mais novo instrumento a disposição do financiamento imobliiário com recursos livres são as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), que ainda estão sendo regulamentadas.
Voltando ao SBPE: o segmento é subdividido em duas faixas: a de imóveis mais baratos (até R$ 750 mil no caso de Rio, São Paulo e Brasília, de até R$ 650 mil nos outros estados); e a de imóveis acima desse valor. No primeiro caso, as taxas não podem ultrapassar 12% ao ano. Dependendo do valor, a entrada varia de 10% a 30%.
No SBPE, os bancos são obrigados a aplicar 65% dos recursos da poupança em empréstimos imobiliários, 2% são de uso livre e 30% é recolhido compulsoriamente. Dos 65%, os bancos precisam aplicar 80% nos financiamentos aos imóveis mais baratos, e 20% aos outros.
Além disso, há dois sistemas de amortização (tabela Price e SAC) e dois de garantia: carteira hipotecária e alienação fiduciária. Os bancos tem dado preferência às duas últimas opções, por serem mais seguras. No caso do SAC, as prestações começam mais altas e vão caindo ao longo dos anos - ao contrário da tabela Price. A a alienação fiduciária facilita a retomada do imóvel do inadimplente.