por Liao Yu Chieh *
Eu admito, eu joguei na Mega da Virada. Eu sei, eu sei. Eu sou professor de finanças e especialista em finanças pessoais. Eu sei fazer conta, mas, ainda assim, eu comprei uma cartela.
Estatisticamente falando, mesmo sabendo que a chance de ganhar com uma aposta simples é de apenas 1 em 50.063.860, e a chance de uma pessoa ser atingida por um raio é muito maior e gira em torno de 1 em 1.000.000 (ainda assim, ínfima), eu fui na lotérica e joguei nos números 4, 8, 19, 27, 44 e 45.
Uma aposta simples custa R$ 3,50, que multiplicado por 50.063.860 resulta numa premiação de equilíbrio de R$ 175 milhões. O que isso quer dizer? Quer dizer que se você jogasse todas as combinações possíveis, gastaria R$ 175 milhões e ganharia, com certeza, na Mega Sena. Como o prêmio estimado é de R$ 280 milhões, valor maior que o ponto de equilíbrio, então matematicamente se justifica jogar, certo? Errado, pois o prêmio pode ser dividido entre vários ganhadores. A Mega da Virada de 2014, por exemplo, foi rateada entre quatro apostadores.
Se estatística e matematicamente não faz nenhum sentido, por que eu fui encarar a fila da lotérica? Porque economicamente se justifica. Eu explico! Economia é uma ciência que trata da escassez de recursos e da infinidade dos nossos desejos, e estuda, entre outras coisas, as relações de troca.
Eu gastei R$ 3,50, um valor relativamente baixo em relação às minhas outras despesas, e ganhei em troca o "direito de sonhar". Como assim? Por apenas R$ 3,50, o jogador se permite ficar sonhando, pois depois que uma pessoa adquire um bilhete de loteria, até a hora da divulgação do resultado, o que ele mais faz é sonhar e planejar, uma vez que 0,000002% de probabilidade de acertar as 6 dezenas é maior do que 0.
O sujeito fica imaginando o que aconteceria com a vida dele, como tudo melhoraria de uma hora para outra, como os parentes e os amigos iriam reagir e para quais ele iria contar primeiro. O indivíduo fica viajando dentro da mente dele, dando sorrisos bobos e até algumas gargalhadas quando pensa na reação do chefe quando ele for pedir demissão na segunda-feira.
Com meros R$ 3,50, você ganha papo no almoço e pode até posar de intelectual. Você e seus colegas que também apostaram viram experts em turismo (para onde cada um viajaria), finanças (em quais produtos e mercados cada um investiria todo o dinheiro), sociologia (como as relações humanas, com R$ 280 milhões no bolso, mudam completamente), e responsabilidade social (porque é chique falar que doaria uma parte para alguma causa, mesmo que hoje você não doe nada para ninguém).
Alimentando um pouco mais o seu devaneio –digo, sonho–, mas falando da minha praia que é finanças, quando você ganhar os R$ 280 milhões sozinho não aplique na poupança, porque vai render apenas em torno de R$ 1,7 milhão por mês. Diversifique ou invista em títulos públicos federais, que renderão mais de R$ 3 milhões por mês e são mais seguros que a poupança. Só ressalto que pelo Tesouro Direto não dá, pois por lá você poderá investir apenas R$ 1 milhão por mês. Procure uma instituição financeira ou contrate um planejador financeiro pessoal certificado.
Para otimizar os R$ 3,50, a minha melhor recomendação é que você jogue o mais cedo possível, não deixando para a última hora. Além de evitar as longas filas da véspera, você pode sonhar por dias ou semanas. Aí sim você extrai mais valor da relação de troca. A Mega da Virada sempre começa a ser vendida um mês e meio antes do sorteio e melhorar a sua vida na sua imaginação por R$ 0,08 por dia é uma pechincha, aproveite!
Para mostrar como esse tal "direito de sonhar" realmente funciona, enquanto eu redigia este artigo, me peguei algumas vezes pensando no que eu faria caso os números sorteados fossem mesmo 4, 8, 19, 27, 44 e 45, sendo que eu os escancarei na internet. Sumo da minha casa por alguns meses por questão de segurança? Mudo de vez para Boston? E por que não Orlando? O que eu faço agora que todo mundo sabe que ganhei? Dei alguns sorrisos bobos e me diverti. E só me custou R$ 3,50!
Liao Yu Chieh é é professor dos cursos Certificates do Insper, coach financeiro, consultor, e palestrante
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