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Artigos Sexta-feira, 14 de Fevereiro de 2025, 10:55 - A | A

Sexta-feira, 14 de Fevereiro de 2025, 10h:55 - A | A

Janielly Carvalho Camargo*

Os desafios da gestão do lixo em Várzea Grande

por Janielly Carvalho Camargo*

Peço licença ao leitor para começar nosso diálogo com um trecho de um Poema de Luís Fernando Veríssimo:Peço licença ao leitor para começar nosso diálogo com um trecho de um Poema de Luís Fernando Veríssimo:

“[...] O lixo da pessoa ainda é propriedade dela?-

Acho que não. Lixo é domínio público.[...]

Através do lixo, o particular se torna público.

O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros.

O lixo é comunitário. 

É a nossa parte mais social”.

O poema mostra claramente que o lixo é meu, o lixo é seu, o lixo é nosso!

O lixo passa do privado para o público e deve ser tratado de forma comunitária e integrada, entretanto, a responsabilidade da gestão do lixo não pode ser atribuída com peso igual entre todos os atores associados à cadeia de gestão do lixo (população, terceiro setor, catadores, garis, poder público, empresas privadas etc.). Se a atual legislação não mudar, a maior responsabilidade pela gestão do lixo sempre será dos gestores municipais que estão na base dessa cadeia.

São os (as) prefeitos (as) os (as) grandes responsáveis pela execução da Política de Resíduos Sólidos junto à população e às empresas privadas, que são corresponsáveis pelo lixo que produzem e, por isso, cada um desses setores tem suas obrigações específicas na cadeia de gestão dos resíduos sólidos urbanos. Esses segmentos são importantes, mas são coadjuvantes na Política de Resíduos Sólidos, pois o papel deles é apenas cumprir as regras impostas pelo Poder Público que atua como grande protagonista. 

Atualmente em Várzea Grande a gestão do lixo está sob a responsabilidade da prefeita Flávia Moretti, que foi eleita pela população por causa de seu discurso de trazer renovação, melhorias e o fim de velhas práticas políticas. Mas o clima de romance entre a Prefeita e a população Várzea-grandense não durou muito, pois a população já percebeu que ela ficou apenas no discurso de campanha e não concretizou sua promessa de realizar uma gestão técnica e não meramente política.

Abarrotou a Prefeitura de parentes, amigos e aliados políticos sem formação e qualificação para cargos importantes que demandam conhecimento especializado, inclusive foi notificada pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso para dar explicações sobre um possível caso de nepotismo. Esse despreparo técnico aliado à inexperiência da Prefeita e da sua equipe tem sido sentidos na pele pela população Várzea-grandense, que viu os serviços públicos que já eram ruins piorarem consideravelmente nesse início de gestão, sobretudo, os serviços de saneamento básico.

No caso específico do lixo, inúmeras reportagens recentes têm apontado a situação caótica e precária que o município se encontra. Os moradores têm relatado o acúmulo de lixo nas portas das casas por causa da irregularidade da coleta de lixo e, por conta disso, os animais domésticos têm rasgado os sacos de lixo, espalhando sujeira e favorecendo o aparecimento de doenças.  Também foram registrados episódios de inundações causados pelo entupimento de bueiros e bocas de lobo por lixo e pelo transbordamento de córregos durante as chuvas intensas dos últimos dias.  Em algumas ruas a coleta de lixo é comprometida por causa dos buracos que tem deixado as ruas intransitáveis e impedem a passagem dos caminhões coletores de lixo. Essas situações descritas acima estimulam o descarte irregular de resíduos e favorecem o aumento de bolsões de lixo na cidade.

Por causa desse cenário alarmante, recentemente o Vereador Bruno Rios, do mesmo partido da Prefeita (PL), protocolou um ofício na Secretaria de Serviços Públicos solicitando providências imediatas para a precariedade da coleta de lixo do município e pediu que a Prefeita tome providências junto à empresa Locar Saneamento Ambiental para a regularização dos serviços. O próprio vereador denunciou formalmente o acúmulo de lixo em vários pontos da cidade. 

Mesmo a Prefeita pedindo um “prazo moral” de 100 dias para organizar sua gestão, a única coisa que ela tem feito de concreto é insistir em resolver os problemas de saneamento através da concessão desses serviços para a iniciativa privada. Todos sabemos que a concessão é um processo moroso e burocrático que não resolverá de imediato os problemas. Me questiono se até lá a população vai continuar sofrendo com a precariedade dos serviços? Anova gestão não vai apresentar outras soluções, mesmo que paliativas e emergenciais para o problema do lixo?

Além disso, todos sabem que quando ocorrem as concessões é a população que acaba arcando com os custos desse processo, pois os serviços ficam mais caros e sofrem constantes reajustes. Cito novamente como exemplo disso o município de Cuiabá, onde um novo aumento na tarifa de água e esgoto foi aprovado pela ARSEC no dia 05/02/25 e rechaçado pelo atual Prefeito Abílio Brunini, que irá contestar o reajuste por considerá-lo abusivo.

Penso que antes da Prefeita chegar sem experiência prévia como gestora municipal tentar “inventar a roda” com as privatizações, ela precisa ouvir a população, ir com sua equipe de secretários (as) até os bairros, levantar as demandas e ter mais empatia pelo sofrimento do povo Várzea-grandense, tão surrado pela falta de saneamento básico. A prefeita precisa é fazer o dever de casa, que é publicar e implementar uma Política municipal de Resíduos Sólidos, tirar da gaveta a mofada Política municipal de Saneamento Básico e integrar ambas as políticas, criar fundos municipais, instituir conselhos, construir um aterro sanitário próprio, ser mais humilde e abrir diálogo permanente com seus pares para buscar soluções e emendas federais e também auxílio do governo do Estado. 

Sem recursos financeiros não existem melhorias! E sem legislação não existe nem ordem e nem Progresso! Deslumbramento e arrogância política não irão resolver a situação de Várzea Grande! A gestão de resíduos sólidos urbanos em um município vai muito além da concessão desses serviços à iniciativa privada. Ela precisa estar embasada em um arcabouço técnico, legal e financeiro, que possibilite a execução da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Lei 12.305/2010), que é uma lei bastante complexa e técnica, que já está quase debutando no Brasil e ainda não conseguiu ser completamente implementada em todos os municípios brasileiros, inclusive em Várzea Grande.

Um dos pontos mais vulneráveis da PNRS é exatamente a determinação do fim dos lixões. Eles deverão ser substituídos por aterros sanitários capazes de gerenciar adequadamente os resíduos sólidos e rejeitos. Isso deveria ter ocorrido até agosto de 2014. No entanto, ainda existem mais de 2 mil aterros irregulares no Brasil, de tamanhos diversos.

O município de Várzea Grande conseguiu erradicar o descarte dos seus resíduos sólidos urbanos em lixões, mas ainda não tem seu próprio aterro e precisa pagar para utilizar um aterro privado localizado em Cuiabá. Mas essa solução encontrada pela Prefeitura não é tão viável quanto parece, pois gera um grande desperdício de dinheiro público causado pelos altos custos de deslocamento diário dos caminhões coletores de lixo até o aterro localizado em Cuiabá no Bairro Pedra 90.Além disso, as discussões sobre a construção do novo aterro próprio seguem em “ritmo bélico” entre a Prefeita e a Câmara de Vereadores, isso por que todos querem definir as regras do “jogo” e não conseguem pensar primeiramente na população.

Ao longo dos anos Várzea Grande não conseguiu um bom desempenho na área de resíduos sólidos urbanos, pois o munícipio legislou muito pouco sobre o tema e nos últimos 10 anos consecutivos integrou o ranking do Instituto Trata Brasil dos 10municípios com pior desempenho em saneamento básico do Brasil. Atualmente Várzea Grande dispõe de apenas 17 leis municipais vigentes para tratar dos seguintes assuntos:

1) Coletores de lixo (Lei Nº 437/1971). 

2) Usinas de reciclagem e aproveito do lixo doméstico, comercial e industrial (Lei Nº 1115/1990). 

3) Sistema municipal de limpeza e urbanismo (Lei Nº 2629/2003).

4) Armazenamento de pneu em borracharias (Lei Nº 2836/2005).

5) Uso de pneus inservíveis para a produção de asfalto ecológico (Lei Nº 2897/2006). 

6) Política Municipal de reciclagem de materiais (Lei Nº 2922/2006).

7) Coleta seletiva do lixo, mas exclui coleta em residenciais (Lei Nº 3038/2007).

8) Doação de materiais recicláveis (Lei Nº 3681/2011).

9) Mutirão de limpeza da margem direita do Rio Cuiabá (Lei Nº 3952/2013).

10) Responsabilidade pelo armazenamento, coleta, separação e destinação de resíduos sólidos de estabelecimentos públicos e privados (Lei Nº 3604/2011).

11) Criação de “Ecopontos” (Lei Nº 4259/2017).

12) Normas de limpeza de terrenos baldios (Lei Nº 4314/2017).

13) Projeto "Adote uma lixeira" (Lei Nº 4378/2018).

14) Dia municipal da reciclagem em Várzea Grande (Lei Nº 4388/2018).

15) Coleta seletiva de óleo de cozinha nas escolas do município (Lei Nº 4466/2019).

16) Uso obrigatório de sacolas biodegradáveis nos estabelecimentos comerciais em Várzea Grande (Lei Nº 4558/2019).

17) Semana Municipal do “Lixo Zero" (Lei Nº 4634/2020).Pergunto ao leitor e aos Políticos de Várzea Grande, cadê a Lei que institui a Política Municipal de Resíduos Sólidos?Ela simplesmente não existe! 

A única coisa que existe é um monte de leis antigas, desatualizadas, superficiais, sem caráter continuado ou até mesmo que nem saíram do papel. A legislação municipal é focada principalmente em tarefas que precisam da adesão voluntária da população e em ações alusivas às datas comemorativas, como por exemplo, o mutirão de limpeza do rio Cuiabá em comemoração ao dia da água, o dia municipal da reciclagem e a semana do lixo zero. Essas atividades são pontuais e não resolvem a situação, apenas propõem soluções momentâneas e marqueteiras que não combatem a raiz causal do problema, geram apenas mídia positiva para os gestores.

Ao realizar a gestão dos resíduos sólidos o município não pode se limitaras tarefas acima e a coleta e destinação do lixo para o aterro sanitário, como tem sido feito a décadas em Várzea Grande. É preciso também implementar um conjunto de ações interligadas e ordenadas cronologicamente no tempo que consigam reduzir a geração de resíduos e mitigar seus impactos no meio ambiente e na saúde pública, promovendo uma economia circular e sustentável no município.

Uma modelo eficiente de gestão de resíduos sólidos urbanos deve promover a prevenção, o tratamento e a redução da geração de resíduos por meio da mudança de hábitos individuais e coletivos que visem o estímulo ao consumo sustentável; a implementação da coleta seletiva em 100% dos domicílios; estímulo a reutilização e a reciclagem dos resíduos sólidos (aquilo que tem valor econômico e pode ser reciclado ou reaproveitado); a implementação da logística reversa que nada mais é do que devolver ao fabricante após o uso alguns produtos que são nocivos ou que podem ser reaproveitados pela indústria (ex: pilhas, baterias, pneus lâmpadas, embalagens de agrotóxico e etc), e por fim, a destinação ambientalmente adequada (aterro sanitário controlado)daquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado.

Não podemos ignorar o impacto negativo que a má gestão do lixo causa em nossas vidas, pois o volume de lixo gerado diariamente é absurdo. Dados da ABREMA (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente) mostraram que em 2023 o Brasil gerou 81 milhões de toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos-RSU e que cada brasileiro gerou em média 1,047 kg de RSU por dia e 382 kg de RSU por ano. Segundo o estudo feito pelo Fundo Mundial para a Natureza da WWF, o Brasil é o quarto país no mundo que mais produz lixo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (1º lugar), da China (2º) e da Índia (3º).  Essas estatísticas são muito preocupantes e mostram claramente que não estamos cuidando do nosso lixo. É preciso mudar a nossa cultura ambiental consumista que não se preocupa com o amanhã e com as futuras gerações. 

Os desafios da gestão do lixo de Várzea Grande são imensos e pedem providências imediatas tanto dos políticos de Várzea Grande (Prefeita e Vereadores) quanto da população. A classe política precisa se unir em torno da pauta ambiental e deixar de lado suas divergências, picuinhas políticas, interesses pessoais e trabalhar com afinco para produzir leis que garantam a execução da gestão do lixo na cidade dentro de parâmetros ambientalmente corretos e socialmente justos.

Já passou da hora do município implantar uma coleta seletiva em 100% dos domicílios; construir um aterro sanitário próprio e decente; fomentar as cooperativas de reciclagem que geram empregos mas são esquecidas e marginalizadas; implantar pontos de entrega voluntária de lixo eletrônico e óleo de cozinha; tirar do papel os “Ecopontos” e implantá-los em todos os bairros para a população destinar grandes entulhos; fiscalizar e erradicar os bolsões de lixo espalhados pela cidade; implantar a logística reversa; e realizar ações permanentes de educação ambiental para sensibilizar a população sobre cuidados com o lixo e adoção de hábitos mais sustentáveis.

Faço votos que a Prefeita consiga vencer todos esses desafios, pois se ela fracassar, é o município que fracassa, consequentemente, a população é que arcará com o insucesso da gestão. O povo Várzea-grandense não merece mais novos fracassos políticos. Precisamos mudar esse cenário de falta de opções para a destinação do nosso lixo. Hoje se a população quiser destinar seus resíduos que podem ser reciclados ou reutilizados ficará frustrada, pois onde ela vai destinar esses resíduos? Infelizmente terá que destinar esse resíduo, que poderia gerar emprego e renda, junto do lixo que precisa ser tratado, fato que diminui consideravelmente a vida útil de um aterro sanitário, que é um empreendimento de alto impacto ambiental e de alto custo financeiro. 

Para terminar preciso falar de outro problema crônico do município que é a falta de educação de algumas pessoas, que ainda jogam seu lixo de forma irregular em terrenos baldios, no meio das ruas, nos córregos ou até mesmo enterram ou queimam esse lixo. Esses hábitos “primitivos” causam muitos danos no meio ambiente e na saúde e precisam ser urgentemente abolidos e essas pessoas precisam ser responsabilizadas e educadas. Não podemos simplesmente apontar só a classe política e sentar encima dos nossos maus hábitos e ignorar nosso descompromisso com o meio ambiente.

Precisamos acordar coletivamente, nos unir e dar as mãos para cuidar do meio ambiente que é nossa casa! Que cada um assuma sua parcela de responsabilidade na cadeia de gestão do lixo para termos um futuro melhor e mais limpo!!!

A mudança que queremos no mundo deve começar por nós mesmos!!!Fica a dica!!!

*Janielly Carvalho Camargo - bióloga, mestre e doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais

Brasil unido pelo Rio Grande do Sul

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