O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que quer deixar os holofotes da política para atuar mais enquanto intelectual público. No entanto, não perde uma oportunidade para comentar ações do governo Dilma Rousseff, do PT ou levantar a bandeira de seu candidato em 2014, o senador Aécio Neves (PSDB). Em conversa com Mario Sergio Conti, do Globo, ele revela que estaria no palanque se tivesse 15 anos a menos. Leia:
FHC: crise e novas ideias
“Se tivesse 15 anos a menos, eu seria candidato à Presidência”, disse Fernando Henrique Cardoso durante o almoço. “Viajaria o país inteiro, falaria a pobres e ricos, estudantes e professores, para ouvir, dialogar e agitar ideias, que é o que mais falta hoje no Brasil”. Para o ex-presidente, só com uma discussão séria de novas ideias, ou então com uma crise mais profunda do que a ocorrida em junho, a nação poderá avançar. Na manhã do almoço, na semana passada, Fernando Henrique Cardoso recebeu exames mostrando que curara a diverticulite que o atacara numa viagem ao Peru.
A inflamação intestinal, provocada por alimentos condimentados, derivados de leite e vinho branco, havia sido contraída uma semana antes em Bordeaux, na França, onde comera sempre em restaurantes. O presidente estava mais esguio e com ótima aparência, mas a dieta o levara a marcar a conversa no seu apartamento, em Higienópolis, e a brincar: “hoje não comeremos bem” — o que não foi verdade, felizmente. “Como me sinto disposto, não percebo que tenho 82 anos e preciso diminuir o ritmo das viagens”, disse. o gume da sua análise continua incisivo.
Ele pensa que o sistema político, que trava a modernização republicana, só será reformado devido a pressões vindas de fora. “Os integrantes da política institucional passaram a ter como objetivo único ganhar eleições’ disse. “Há uma exaustão de ideias que precisa ser encarada, e fazer uma campanha presidencial com esse objetivo seria uma contribuição; pena que não tenha mais idade para a empreitada”. Ele não teme outra crise social. Embora não a deseje, acha que ela será benéfica caso seja radical e tenha consequências.
Nos eventos de junho, ficou claro para ele que o Brasil vive uma crise urbana profunda: “Nunca foi tão difícil viver nas metrópoles. Tanto o pobre que anda de ônibus como o rico que fica com o carro retido em engarrafamentos vivem o problema todos os dias. E eles não se sentem representados nem veem como essas dificuldades serão vencidas”.
O seu candidato nas eleições do próximo ano é o do PSDB, Aécio Neves, em quem ele vê um político que sabe mandar e administrar. Fernando Henrique tem bom diálogo com Dilma Rousseff, que o trata com afabilidade. “De vez em quando ela fica de mal comigo pelo que escrevo em jornais, o que é bobagem porque nunca faço ataques pessoais”, disse. “Há pouco ela insistiu que eu fosse à exumação do presidente João Goulart, e infelizmente estou meio de molho e não pude ir.”
Quanto a Eduardo Campos, não tem opinião formada. “As pesquisas atuais mostram que os três candidatos postos galvanizam menos que Lula, Serra e Marina’ afirmou. A questão para todos os candidatos é o que dirão a um povo que quer mudanças urgentes. Seria necessário, no seu entender, que os candidatos elaborassem propostas factíveis para melhorar com rapidez o transporte urbano, o atendimento da saúde e as escolas. Ele não enxerga no horizonte imediato um tumulto internacional que bata com força no Brasil. “O fim do euro não veio, a economia americana se recupera e a China segue crescendo”, observou.
“Ainda assim, ao contrário do que imaginou o governo, a decadência americana não será rápida, e a China levará tempo para adquirir um papel preponderante:’ O presidente pretende se afastar paulatinamente das lides partidárias. Fará isso com o fito de aumentar a sua participação enquanto intelectual público. E está disposto a dizer coisas que, bem sabe, poderão desagradar não só o Planalto como o Congresso, governadores e parlamentares de todos os níveis da federação. “Há fadiga de materiais e interesses encastelados em todos os cantos do Estado’ afirmou. “Para defender mudanças em situações assentadas, é melhor falar de fora, sem se beneficiar com o que aconteça ou deixe de acontecer”, disse.
O debate intelectual de propostas para o Brasil o levará, em médio prazo, a reduzir a interlocução internacional. Ele precisa de mais tempo para pensar e escrever. Só na manhã do almoço, havia recebido telefonemas de Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, da rainha Sílvia, da Suécia, e do filho do empresário mais rico do México, Carlos Slim, os dois últimos de passa- gem por São Paulo. Fernando Henrique convidou-os a irem à sua casa: “São relações pessoais, fico sem jeito de nem chamá-los para um café".
FHC fez um pequeno tour de la propriété antes das despedidas. O apartamento tem janelas amplas, que dão para as encostas do Pacaembu e o alto das Perdizes. O mobiliário é de sobriedade modernista e os quadros, de bons pintores nacionais. O escritório é o de um intelectual em ação: computador ligado, livros por todos os cantos e revistas especializadas abertas sobre a escrivaninha.
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